CAPÍTULO 04

Os dias que se seguiram foram um borrão de dor e silêncio. Eu não comia, não falava... apenas sobrevivia. As risadas e o barulho da alcateia ao redor pareciam de outro mundo, um mundo que eu não conseguia mais alcançar. Não havia mais nada em mim. Apenas o vazio.

Nesses dois últimos anos, desde os meus dezesseis, havia sido a piada para a grande maioria de minha matilha. No começo, eu me incomodava com os comentários e me sentia envergonhada. Depois, quando eles perceberam que eu não ligava mais, começaram a fazer maldades, e quando percebi, era humilhada constantemente.

Me perguntava o que aconteceria agora, após enterrar as únicas pessoas que realmente se preocupavam comigo. No entanto, não tinha resposta para isso.

Imaginei que, após toda a tragédia que aconteceu com minha família, a caçada e a festa em celebração ao novo alfa, que estava programada para o dia de meu aniversário, pelo menos iria ser adiada. Ninguém sabia ao certo o que matou meus pais e meu irmão.

Se comentava que talvez tenha sido um lycan, devido à brutalidade dos ferimentos, mas nada foi confirmado ainda. Quanto à caçada e à festa... a vida da alcateia não podia parar “simplesmente” porque minha família morreu. Tudo precisava seguir seu curso.

Isso foi o que escutei na primeira semana após enterrar meus entes queridos. Mas quer saber? Não dou a mínima para essa festa idiota, porque nem tenho certeza se quero permanecer aqui. Eu não iria declarar minha lealdade a uma pessoa que nunca fez nada para mudar minha situação.

Um alfa de verdade precisava proteger seus lobos. Martín sempre esteve presente em cada humilhação que passei. Ele fazia parte daquele grupo, e mesmo não participando diretamente dessas humilhações, nunca fez nada para impedi-las. Seus amigos praticavam várias atrocidades e ele nunca os impediu de nada.

No dia de sua coroação, três semanas após a tragédia que matou minha família, eu fiquei em casa, remoendo todos os comentários que surgiram sobre a morte deles. Aproveitei para fazer uma faxina em meu quarto.

Eu me perguntava o que um lycan estaria fazendo em nossas terras, e se por acaso seria um deles a matar toda minha família. Os lycan eram seres muito mais evoluídos do que nós, lobos. Eles eram mais rápidos, mais fortes, mais cruéis e muito mais frios. No entanto, eram poucos e ocupavam uma região bem distante de onde nossa alcateia estava localizada.

O mais surpreendente dessa história toda era que a grande maioria desses lycan pertenciam a um nível bem mais alto que o nosso, pessoas bem acima de qualquer alfa ou sua alcateia.

Se os líderes de minha alcateia desconfiavam que poderia ser um deles, teriam que comunicar ao rei e tinha quase certeza que Martín não se daria a esse trabalho. Quem iria atrás de uma pessoa de uma categoria tão acima da nossa?

No entanto, eu desejava saber, eu queria que o culpado fosse responsabilizado pela minha dor. E se realmente isso foi provocado por um deles, esse precisava ser detido, pois surtos como esse poderiam voltar a acontecer. Dizia surto, porque era assim que se comentavam entre as fofocas, mas não passou de uma extrema brutalidade.

Olhei para o relógio e já se passavam da meia-noite, o que significava que Martín já havia sido declarado o mais novo alfa e a caçada já tinha começado. Eu, uma simples loba defeituosa, não prestei lealdade a ele e não estava nem um pouco preocupada com o que isso poderia me causar.  

Olhei ao redor daquela sala e me perguntei se não havia chegado o momento de partir e deixar tudo para trás. Refazer minha vida em outro local. Sei que nenhuma alcateia me aceitaria, já que não possuía uma loba, mas eu poderia viver como uma humana.

Maitê entrou em contato comigo quando soube da morte dos meus familiares em um “trágico acidente de carro”. Foi assim que os líderes daqui justificaram minha ausência na faculdade.

Ela insistiu em saber meu endereço para poder me visitar, mas expliquei que morava de favor em uma propriedade de pessoas abastadas que não permitiam visitas, nem mesmo em momentos como esse. Apesar de sua revolta, ela aceitou minhas desculpas e passou horas ao telefone tentando me consolar.

Minha amiga era dois anos mais velha do que eu, tinha seu próprio apartamento custeado pelos pais, que passavam mais tempo viajando do que cuidando da filha. Ela admitia sentir inveja pelo cuidado que minha família tinha por mim, e até ríamos disso.

Diante de toda a minha dor, ela me convidou para passar um tempo com ela em seu apartamento, e naquele momento eu estava seriamente considerando aceitar esse convite. Quem sabe eu poderia arrumar um emprego de meio período para me sustentar.

Estava ponderando todas essas novas possibilidades, mas antes de chegar à minha decisão final, ouvi batidas na porta. Um arrepio percorreu minha espinha e os pelos do meu corpo se eriçaram.

Quem poderia ser? As batidas se fortaleceram na segunda vez, e ouvi meu nome ser pronunciado, por uma voz que conhecia bem, o que me levou a decidir abrir aquela porta.

— Por que você não foi fazer seu juramento de lealdade a mim? — Perguntou Martín, o novo alfa, assim que abri a porta.

Olhei ao redor na rua e percebi que não havia mais ninguém ali. Seria mais uma pegadinha daquele grupo cruel?

— Por que você veio até aqui? — Perguntei, minha voz cheia de incredulidade e dor.

— Porque você não estava lá. Não fez seu juramento. — Ele respondeu, a voz tensa.

— Você veio até aqui, a essa hora, apenas por isso? — Indaguei, incrédula.

Ele me segurou com força, o calor de sua mão no meu braço se transformando em faíscas elétricas que percorreram meu corpo. Aquilo não era possível.  

— Por que não foi? Você sabia, não sabia? — Ele gritou agora, e sua voz soava diferente, ferida de uma forma que eu não conseguia entender.

— Sabia o quê? — Respondi quase sem voz. E então, como se algo explodisse dentro de mim, as faíscas aumentaram. Ele era meu companheiro.

— Você é meu companheiro?! — Não sabia se estava perguntando ou afirmando, mas olhei para ele assustada e constatei que, de fato, ele era meu companheiro. Ele estava na caçada e isso o trouxe até mim.

— Eu nunca… — Ele hesitou, mas endureceu a expressão. — Eu, Martín King, rejeito você, Aisha Davis, como minha companheira e Luna.

Quando as palavras saíram da boca dele, foi como se o mundo tivesse desmoronado. O aperto no peito se intensificou, e o vazio dentro de mim parecia devorar tudo ao redor. Meu corpo inteiro tremeu, como se uma parte de mim estivesse sendo arrancada, deixando apenas um buraco.

Selene, a deusa da lua, entrelaçou os fios de nossas vidas, e agora ele partiu sem nem me dar a chance de argumentar. Caí de joelho no chão e olhei para ele, percebendo a dor em seu olhar. No entanto, ele nada fez ou expressou. Simplesmente virou as costas e se foi.

A rejeição dele, tão crua e fria, cortou mais fundo do que qualquer ferida física. Era como se todo o esforço que eu havia feito para sobreviver após a morte da minha família fosse em vão. Agora, eu estava realmente sozinha. Sem família, sem futuro, sem loba. Apenas o vazio.

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