CAPÍTULO 02

DIAS ATUAIS

Com o coração apertado, eu contava os dias para o momento em que minha loba finalmente apareceria e me levaria ao meu companheiro, aquele destinado pela Deusa. Mas dois anos de espera e silêncio me fizeram duvidar.

Coincidentemente, a coroação do novo alfa seria no mesmo dia em que eu completaria aniversário. Meu décimo oitavo aniversário. A idade em que normalmente nosso lobo ouviria o chamado de nosso companheiro. Aquele destinado pela Deusa da Lua a completar nossa alma. 

No entanto, todos afirmavam que para isso acontecer, eu precisava ter uma loba, afinal, o evento era exatamente uma caçada pelo seu companheiro, com todos transformados em seus lobos. Se seu companheiro pertencesse àquela alcateia, algo que não possuía garantias, seu lobo levaria você até ele, através da linha invisível que existia entre vocês, e dessa forma ambos se conectariam.

Desde aquele fatídico dia, dois anos atrás, a dúvida me corroía. E se eu nunca encontrasse meu companheiro? E se minha loba nunca aparecesse? Às vezes, eu me perguntava se a Deusa tinha me esquecido ou, pior, me rejeitado.

Tinha que confessar que não perdi a esperança de conhecer quem seria meu companheiro e torcia para que ele me salvasse do inferno em que minha vida havia se tornado desde o momento em que minha loba não se revelou. 

Eu orava à Deusa constantemente para que ela me presenteasse com essa dádiva, mesmo ainda sem possuir minha loba. Desejava veementemente que ele fosse um lobo de outra alcateia, bem distante desta onde eu vivo, e que jamais eu precisasse voltar para este lugar. Aravelle não era um lugar ruim. Ruim eram a maioria dos jovens que viviam aqui.

Minha mãe era a única costureira profissional em nossa alcateia. Com tantas encomendas devido ao evento de coroação do novo alfa, ela decidiu ir até o centro urbano comprar mais tecidos.

Para mim, isso era como passear no shopping, e eu adorava esse tipo de programa. Muitas vezes passávamos o dia inteiro entrando e saindo de lojas, até que minha mãe conseguisse comprar tudo o que desejava.

Meu pai nos acompanhava para ajudá-la com as sacolas, que, devo admitir, não eram poucas. Quando as compras terminavam, eu me sentia realizada, uma tarde inteira sem sofrer nenhum tipo de perseguição ou bullying.

Enviei uma mensagem com uma foto minha diante da vitrine de cosméticos Jazz para Maitê, uma garota humana com quem havia feito de forma improvável uma amizade. Ela sempre elogiava esses produtos dessa marca.

“Não posso acreditar que você foi sem mim”

“Minha mãe precisou vir até o centro para adquirir algumas mercadorias, e eu a acompanhei”

Meus pais não sabiam dessa minha amizade, afinal, havia um decreto que nos proibia de tal laço. Poderíamos conviver pacificamente, mas nunca criar laços com humanos, exceto se esse humano fosse nosso companheiro.

Precisávamos a todo custo manter sigilo sobre o que éramos. Ter uma amizade com uma humana era arriscar a revelação desse segredo. Afinal, lobos eram muito voláteis. Em um acesso de raiva, a transformação poderia ocorrer e tudo seria revelado.

Nesse dia, Maitê estava se programando para ir à boate Night Club. Haveria um show de uma banda de que ela gostava muito. E, mais uma vez, me convidou para ir com ela. No entanto, a única boate que eu poderia frequentar, os humanos, eram proibidos.

Mais uma vez me desculpei e disse que ficaria para uma próxima, mesmo sabendo que essa próxima nunca existiria. Meus pais jamais permitiriam que eu fosse para uma boate de humanos, acompanhada por uma amiga que eles nem sabiam que eu tinha.

Quando estávamos voltando, meu irmão pegou uma carona conosco, afinal, a empresa onde ele trabalhava ficava no caminho de volta para nossa casa. Não tinha do que reclamar da minha família. Tinha pais amorosos e um irmão que sempre me protegia quando podia, e não foram poucas às vezes.

A viagem de volta para casa era longa. Tínhamos um percurso grande pela frente e metade de uma floresta para cruzar. Mas, ao adentrarmos a mesma, o pneu estourou e o silêncio naquela área parecia ainda mais pesado.

Havia algo de errado, algo que eu não conseguia nomear. Antes que eu pudesse dizer algo, um grito rompeu o silêncio, reverberando pela floresta densa. Era um som agudo, que fazia o sangue gelar e a respiração parar. A escuridão ao redor parecia ganhar vida, como se sombras invisíveis estivessem nos espreitando.

Nesse momento, todos nós observamos em nosso entorno. Mesmo não sendo uma loba, um frio percorreu minha espinha, deixando-me totalmente arrepiada. Meu pai e meu irmão prepararam-se para descer.

— Vocês estão loucos? Nós não sabemos o que está acontecendo. — Falei desesperada.

— Exatamente por isso que precisamos descer, Aisha. Pode ser algum dos lobos de nossa alcateia precisando de ajuda. — Meu irmão tentou se justificar.

— Fiquem no carro e não abram as portas, nós iremos verificar o que está acontecendo. — Meu pai deu a ordem a mim e à minha mãe.

Eles desceram e meu coração ficou apertado. Como estava escuro e eu não possuía as habilidades de um lobo, não conseguia enxergar muita coisa a certas distâncias. Mas sei que esse não era o caso deles.

Minha mãe parecia apreensiva no banco da frente e acompanhava, sem nem ao menos piscar, os passos do meu pai e de meu irmão ao adentrarem a floresta. Parecia que quando estávamos nervosas, os minutos se tornavam horas e eu já estava quase descendo do carro para ir atrás deles.

Sei que são lobos. A força e a velocidade que eles possuíam eram bem maiores que a de um humano normal, sua visão e olfato bem mais apurados, mas era imprudente sair dessa forma sem saber o que se encontrava naquela floresta, especialmente com os gritos que escutamos. Alguém estava realmente desesperado.

Era sufocante... a impotência de não ser capaz de fazer nada. Se ao menos minha loba tivesse aparecido, se ao menos eu pudesse ser como eles. Mas tudo o que eu tinha era a escuridão, o medo e a incapacidade de fazer algo além de esperar.

Meus pais não sabiam mais o que explicar. Passei um período desconfiada de que eles me escondiam algo, mas após um tempo, acreditei que eles seriam incapazes de ocultar informações tão importantes de mim.

Quando coloquei a mão para abrir o carro e descer, escutamos barulhos vindo da direção que eles seguiram. Tentei enxergar no meio daquele breu, mas não conseguia ver muita coisa. No entanto, de repente, escutamos os gritos do meu irmão.

— Corram… Saiam do carro e corram! — Ouvimos Collin gritar.

— É o Collin, Aisha. Ele parece precisar de ajuda. Faça o que seu irmão disse. Desça do carro e corra para a alcateia o mais rápido que você puder. Vou ajudá-los. 

— Mas, mamãe… — Tentei argumentar.

— Corra, Aisha, corra! — A voz da minha mãe falhou por um instante, antes de endurecer. Seus olhos encontraram os meus, cheios de uma dor que ela tentava esconder. — Eu te amo. Agora vai. Vai!

 Ela desceu do carro, já em meio à transformação, e desapareceu na escuridão da floresta. As palavras da minha mãe ecoavam na minha mente enquanto eu lutava contra o pânico que crescia. Correr. Fugir. Sobreviver.

Mas algo me puxava para trás. O som de um rosnado familiar, seguido por um grito que congelou minha alma: o grito do meu irmão. Eu sabia que deveria correr, mas meus pés estavam presos ao chão, como se algo invisível me ancorasse ali, incapaz de deixar minha família para trás.

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