CAPÍTULO 6

Felipe

São seis e meia da manhã em ponto nesse exato momento e eu estou de baixo da água quente do chuveiro em busca de um pouco de tranquilidade e descanso.

A última madrugada não foi nada fácil e não consigo parar de pensar em tudo que aconteceu nas últimas doze horas... Eu tive um longo e duro plantão e infelizmente nós perdemos dois pacientes em apenas uma noite e mesmo estando acostumado com tudo isso, é sempre duro ter que contar pra toda uma família que eles nunca mais irão ver um ente querido em vida.

Nesse momento me encontro totalmente exausto em todos os sentidos, então tudo que quero é ir para o meu apartamento e descansar o máximo que eu puder.

- Filho? Graças a Deus você ainda está aí! Eu estou atrás de você há um tempinho, até pensei que você já tinha ido.- A minha mãe "invadiu" a minha sala e desandou a falar.

Ahh não!

Eu estou com a cabeça cheia, eu estou cansado e morrendo de dor de cabeça e a última coisa que quero e ouvir alguém falar sem parar perto de mim... Eu quero paz e silêncio, é só isso que eu quero.

- Mãe, eu já estou indo embora! Seja o que for, conversaremos na segunda.- Disse sem paciência e logo tratei de corta-la.

- Credo, Felipe! Eu vou ser rápida, tá? Só queria te convidar para um almocinho que farei em casa amanhã... Convidei todos os nossos amigos, e convidei a Livia também, sei que vocês são amigos e que ela sente um carinho especial por você.- A minha mãe contou e aquilo me fez rir.

Eu nem havia cogitado a ideia de ir nesse almoço, agora as chances que já não eram altas, caíram para zero... A última coisa que quero para o meu domingo e ficar ouvindo a minha mãe, os seus amigos e a Lívia falar na minha cabeça... Prefiro a morte do que isso!

- Dê o meu lugar para outra pessoa, eu não irei.- Respondi sendo curto e direto.

- Felipe, seja mais maleável, meu amor! Essa moça, a Lívia, ela é tão boazinha e tão amorosa... Ela está animada com toda ideia do almoço, você bem que poderia dar uma chance pra ela... Ela seria a moça ideal pra você e a nora perfeita pra mim.- Ela insistiu naquilo e eu perdi toda a minha paciência.

Chega a ser engraçado ver a minha mãe tentando bancar uma de "cupido", ela não conseguiu um bom companheiro nem pra ela e quer me meter em uma furada.

- Se liga, mãe! Você não foi capaz de conseguir um bom parceiro nem pra você e quer se meter na minha vida amorosa? Isso seja a ser engraçado.- Disse sem paciência e peguei a minha pasta pronto para sair dali.

- Felipe Ávila! Nunca mais fale mal do seu pai, não seja tão ingrato assim... Olha tudo que ele nos deixou, reconheça que ele foi um bom pai, assim como um bom marido pra mim.- Ela me respondeu indignada e aquilo me fez rir.

Bom pai? Bom marido? Então a definição do que é bom pra minha mãe é totalmente diferente da minha... Eu não acho que um homem que espanca e humilha a esposa e o filho todos os dias seja bom.

- Bom? Você está me dizendo que o homen que te bateu até você ficar desacordada no chão era bom? O homem que deixou várias marcas pelo meu corpo era bom? Não seja hipócrita, mãe! Aquele homem era ruim e ele mereceu a morte lenta e dolorosa que ele teve.- Eu a respondi totalmente irado enquanto a olhava nos olhos.

- O seu pai tinha o jeito bruto dele, Felipe. Todos sabem disso, mas ele nunca, NUNCA nos deixou faltar nada e nós deixou muito bem amparados depois da sua morte.- Ela insistiu naquele papo e aquilo acabou com o resto da paciência que eu tinha.

No fim, a minha mãe é tão ruim quanto o meu pai era e ela sempre colocou os bens que o meu pai tinha sobre o meu bem estar.

Para ela era muito mais importante viver dentro de uma bela mansão, andar por aí com roupas de marca e ter carros de luxo do que me salvar das surras diárias que o meu "querido" pai me dava.

Resolvi não responde-la naquele momento, apenas lhe dei as costas e saí dali antes que dissesse uma grande besteira.

- Felipe, volte aqui imediatamente!- Pude ouvi-la falar, mas nem me dei ao trabalho de olhar para trás.

Saí daquele hospital de cabeça erguida e dirigi direto para o meu apartamento... Eu vou descansar, é só isso que eu preciso no momento.

Ao chegar em meu apartamento, eu apenas cai na cama e adormeci por horas e horas.

Quando despertei, já era de tarde e eu estava totalmente faminto... A última coisa que eu comi foi uma salada e isso já faz um bom tempo... Por aqui no apartamento, não há nada para comer e hoje a empregada não vem, então terei que sair para almoçar fora.

Me arrumei rapidamente e dirigi até o shopping mais próximo do apartamento e entrei no primeiro restaurante que vi na minha frente... Logo fui atendida por uma recepcionista e ela me levou até uma mesa.

- Aqui está o cardápio, senhor. Fique a vontade para fazer sua escolha, eu volto dentro de alguns minutos para anotar o seu pedido.- A garçonete disse amigavelmente e logo em seguida ela saiu me deixando a sós.

Eu ainda estava lendo o cardápio e me decidia sobre o que iria pedir, mas em um momento de distração eu levantei a cabeça e me deparei com a última pessoa que eu queria ver naquele momento... Ahh, mas isso não é possível. Não pode ser!

Aquela garota insolente parou de andar imediatamente ao me ver e pela sua cara, ela também estava muito surpresa ao me ver aqui.

- Até aqui? Mas que inferno!- Exclamei totalmente impaciente ao vê-la parada alí.

Pela sua cara, ela também não estava nenhum pouco contente ao me ver e ela nem se deu ao trabalho de disfarçar isso.

- Algum problema?- A garçonete nós questionou com um sorriso forçado em seu rosto.

Ela ainda pergunta? É claro que eu tenho um problema, aliás, um grande problema!

- Você pode levar essa garota para algum outro lugar? Eu quero almoçar em paz.- Eu disse sem cerimônia alguma.

- Infelizmente no momento não, senhor. Todas as mesas estão ocupados.- Aquela garçonete incompetente me respondeu.

Ótimo! Nem para almoçar eu tenho paz agora... Essa garota insolente só pode estar me perseguindo, só pode ser isso.

- Você está me perseguindo?- A questionei impaciente assim que a garçonete se foi.

Ela se sentou sem se dar ao trabalho de olhar para mim, mas pude ver um sorriso totalmente irônico alí em seu rosto... Essa garota me tira do sério!

- Por que eu iria perder o meu tempo perseguindo alguém como você?! Tenho mais o que fazer, jamais perderia o meu tempo perseguindo alguém, ainda mais um homem como você.- Ela me respondeu com um desdém visível em sua voz.

Alguém como eu?

O que ela quer dizer com isso?

- Alguém como eu?- A questionei rindo de nervoso.

Essa garota só pode estar brincando.

Quem ela pensa que é para falar assim comigo?

- Você é meu professor e eu tenho muito respeito e admiração por você como o meu professor, mas como ser um humano você é uma pessoa desprezível e soberbo, Felipe. Então não, eu não estou perseguindo você e tenha certeza que eu fiz e faço o possível para me manter o mais distante possível de pessoas como você.- Ela disse enquanto me olhava nos olhos e as suas palavras me deixou irado.

Como é que é?

Como ela tem coragem de falar assim comigo? Quem ela pensa que é? Essa garota insolente e mal educada.

- Escuta aqui...- Eu comecei a falar, mas ela imediatamente me interrompeu.

- Eu não vou escutar nada! Eu não estou dentro da sua sala de aula e aqui dentro do restaurante eu não sou obrigada a ficar te ouvindo. Agora vê se fica quieto e me deixa almoçar em paz!- Aquela garota falou de forma grosseira e aquilo me deixou muito, mas muito surpreso.

A minha vontade era de coloca-la ele seu devido lugar, mas eu definitivamente não vou dar esse gostinho a ela... Ela só quer me tirar do sério e eu não vou me comportar feito um baderneiro por causa dela.

Depois daquele momento, um silêncio pairou sobre aquele restaurante e aquela insolente almoçou tranquilamente, como se ela não tivesse me afrontado... E eu, eu não consegui tirar os olhos dela por um segundo se quer durante a minha refeição e dentro da minha cabeça uma raiva martelava sem parar.

- Você pode me trazer a conta, por favor?- Helena chamou a garçonete em um certo momento.

Quer saber? Eu também vou embora! O meu dia, que eu pensei que seria calmo e tranquilo, já foi estragado, então acho que é melhor eu ir para casa.

- Traga a minha também...- Disse para a garçonete.

Aquela moça prontamente acenou com a cabeça e se afastou, cerca de cinco minutos  depois ela voltou com as contas em mãos.

Eu prontamente paguei a minha conta e levantei-me pronto para ir embora dali.

- Obrigada! O pagamento vai ser no dinheiro.- Helena disse enquanto mexia em sua bolsa, mas de repente um olhar bem estranho tomou conta do seu rosto.

- Algum problema?- A garçonete a questionou encarando-a com um olhar desconfiado em seu rosto.

Helena continuou mexendo em sua bolsa desesperadamente e quando ela levantou a sua cabeça, vi que havia algo estranho.

- Algum problema?- A garçonete voltou a questiona-la, só que dessa vez, com um tom de grosseria em seu voz.

- O meu dinheiro sumiu...- Helena respondeu visivelmente abalada. - Eu juro que coloquei dinheiro nessa carteira antes de sair de casa, mas ele não está mais aqui. Eu juro!- Ela completou desesperada.

- Então pague a conta no cartão.- A garçonete prontamente sugeriu.

- É que... Eu não tenho cartão, eu não posso ir em casa pegar o dinheiro? Eu juro que eu volto.- Ela propôs desesperada.

- Escuta aqui, garota... Nós não vamos cair nesse seu golpe, ou você paga a conta agora ou eu vou chamar a polícia. Você escolhe!

Helena parece ter se desesperado ainda mais e de longe eu pude ver os seus olhos se encherem de lágrimas e a sua boca ficar trêmula... Ela não está mentindo, eu não sei como, mas sei que ela não está mentindo.

- Moça, por favor...- Ela implorou com a sua voz chorosa e trêmula.

- Você tem sessenta segundos para me pagar ou eu vou chamar a polícia agora mesmo...- A garçonete a pressionou e eu pude ver uma lágrima descer em seus olhos naquele mesmo instante.

Eu não sei o que deu em mim naquele momento, mas eu não pensei direito, eu apenas tirei um cartão da minha carteira e entreguei para aquela garçonete.

- Passe a conta dela no meu cartão.- Eu disse de repente.

Helena me encarou imediatamente com uma certa surpresa em seu olhar e pude ver que ela não estava acreditando no que eu havia feito.

- Tem certeza?- A garçonete me questionou.

- Passe logo, eu não tenho tempo a perder.- A respondi impaciente.

Eu não sei o que deu em mim, mas algo em mim agiu rápido e eu não pensei... Eu só sei que não iria conseguir sair daqui tranquilo e deixar essa garota se ferrar.

- Pronto! Você deu sorte dessa, garota. Agora não volte mais a esse restaurante se você não tiver dinheiro pra pagar a conta, nós não somos um albergue para fazer caridade.- A garçonete alfinetou a Helena.

Eu não quis ficar ali para ouvir o resto, então apenas dei as costas para as duas e saí dali sem olhar para trás.

- Professor?- Eu já estava na porta do restaurante, mas pude ouvir aquela garota chamar por mim.

Mas o que ela quer?

- Eu não tenho tempo a perder, garota. Fale logo!- A respondi sem paciência.

- Eu só queria te agradecer pelo que o senhor fez lá dentro... Muito obrigada, eu sabia que lá no fundo o senhor era uma boa pessoa.- Helena disse me fazendo rir de nervoso.

Ahh, isso não é possível!

- Helena, não me faça arrepender pelo que eu acabei de fazer.- A respondi totalmente sem paciência.

- Eu não quero te deixar nervoso, professor. Só queria te agradecer mesmo... Muito, mas muito obrigada pela que o senhor fez... Eu nunca vou me esquecer desse seu gesto.- A  Helena disse com um sorrisinho doce e bem ingênuo em seus lábios e aquilo me deixou zonzo.

Eu acho melhor eu ir embora... É o melhor que eu faço.

- Eu só fiz o que eu faria por qualquer pessoa... Agora eu tenho que ir, Helena. Tchau!- Me despedi dela e dei as costas já saindo dali.

Eu não sei porque e muito menos como, mas existe algo nessa garota que me causa uma coisa estranha... Uma coisa que eu não quero e não posso sentir.

Antes de sair daquele shopping, eu olhei para trás enquanto andava e os meus olhos se encontraram com os olhos dela... Helena me encarava com um sorriso lindo em seu rosto de menina e naquele momento eu só quis esquecer que ela era a minha aluna.

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