Capítulo 02

Por Ricardo Stefan

    Mais um dia sem minha adorável e valente esposa. Pergunto-me porque o bom Deus não me levou em seu lugar. Ela estava feliz e conseguindo mudar a mente de nossa atrasada sociedade. Como sinto falta de sua maravilhosa pele amendoada.

    Travamos grandes batalhas por nosso amor e não há nada do que eu me arrependa, nem mesmo de ter aberto mão de meu título de nobreza por Isabella. O choro de nossa filha tira-me de meus devaneios. Pego a pequena Abgail em meus braços, e ela se aninha em meu peito e logo seu choro cessa, dando lugar a pequenos soluços. Nossa pequena “Abby”, como dizia Isabella, herdou os traços de sua mãe e a cor da pele também. Já seus olhos são expressivos e verdes como esmeraldas, iguais aos meus, e seus cabelos pretos me lembram ondas do mar. Abro o relicário de minha falecida esposa e lá está retratada a nossa família antes dela ser retirada de nós. Olho para Abby e prometo a mim mesmo que cuidarei dela com afinco. Ouço leves batidas na porta, e eis que minha irmã surge, pedindo permissão para entrar.

    — Como está, meu querido irmão? — Minha irmã olha-me com pesar ao notar minha aparência desleixada.  — E como está a nossa pequena Abby?

    — Ela está bem, graças aos céus. Porém seu pai está com o coração ferido e partido. — Digo, com os olhos lacrimejando.

    — Ah, meu querido irmão! Você necessita sair deste quarto e tomar um pouco de ar fresco. Creio que Isabella não gostaria de vê-lo neste estado deplorável.

    — Minha querida irmã, eu sou o menos afortunado dos homens. Depois que a cólera levou Isabella, sinto-me sem forças e ânimo para nada. Ela se foi e levou consigo quase todo o meu coração. Daria toda a fortuna que possuo se pudesse tê-la novamente em meus braços.

    — Ricardo, eu te entendo. Isabella era como a luz do sol. Ela irradiava nossos dias, e, com a sua partida, estamos em total escuridão. Mas o que nos dá esperanças é olhar para esse pequeno milagre em seus braços e ver que ela é fruto de todo o amor que tiveram. Um dia, meu irmão, eu terei um amor como o de vocês, independente do mau passo que dei.

    Elizabeth havia sido enganada por um mau caráter e acabou se entregando a ele antes da hora. Ninguém além de nós sabe o que realmente aconteceu, porém ela tem medo de se abrir ao amor novamente. Sabemos bem que, se ela resolver se casar, terá que contar sobre o seu mau passo, e Elizabeth teme ser rechaçada pela a sociedade.

    — Um dia você terá um homem que a ame de verdade e lhe dará tudo que merece, e esse homem não se importará com o passado. — Olho para ela carinhosamente, e em partes me sinto culpado por seu mau passo, pois na falta de meus pais eu seria seu guardião e falhei miseravelmente em minha função.

    — Obrigada, meu irmão, por suas sinceras palavras. Elas são reconfortantes para uma alma atormentada, mas nós dois sabemos que será impossível para mim encontrar alguém disposto a casar com alguém como eu.

    As lágrimas começam a rolar de seus olhos. Eu afago seus cabelos, e ela sorri para mim. Apesar de tudo, minha irmã continua adorável. Creio que os céus a abençoarão com um bom casamento.

    — Elizabeth, não se atormente, minha cara. Por que você não vai à cidade? Creio que seria revigorante um passeio de carruagem.

    — Excelente ideia, mas só irei se você for comigo. — Ela diz, tentando sorrir.

    — Eu iria com todo o prazer, porém estou farto das pessoas olhando-me com pesar e dizendo: meus pêsames, senhor Stefan. — As mesmas pessoas que rechaçaram Isabella em vida hoje mandam condolências por sua morte. Cada vez que os ouço tenho vontade de mandá-los ao inferno.

    — Ricardo, você sabe muito bem que a nossa sociedade é hipócrita. Lembra-se como foi quando nossos pais nos deixaram? Por falar nisso, o senhor Di Castro me pediu que lhe desse as condolências. — Ela faz uma menção de desculpas, porém meu sangue ao ouvir o nome desse perseguidor desgraçado.

    — Que ele vá ao inferno com suas condolências. O senhor Romero Di Castro foi um dos que não aceitou Isabella e, agora que ela se foi, quer dar condolências? — Digo enfezado e, sem perceber, assusto minha filha.

    — Isso é maneira de falar? Temos uma pequena dama no recinto. — Ela aponta para Abgail e continua. — Se Isabella estivesse aqui ela diria para que você fosse menos rude com as pessoas.

    — Minha irmã, sem ela ao meu lado eu me sinto uma bússola sem curso.

    — Espero, meu irmão, que um dia essa dor se dissipe ou ao menos se torne suportável. — Ela afaga-me o braço.

    — Isso só acontecerá no dia em que eu partir para me encontrar com ela. — Contraponho.

    — Entendo bem. Deixarei você e a pequena Abby descansarem, mas pensa no que acabei de lhe dizer e vá ao menos pegar um pouco de ar no jardim. Até mais ver.

    Faço um leve menear com a cabeça, e minha irmã sorri e se vai. Abgail resmungou em meus braços, e sei que é fome. Pego o recipiente de amamentação, testo a temperatura e lhe dou o leite. Ela suga com voracidade, e isso me faz rir, pois Isabella me disse que nossa filha tinha um apetite voraz, e agora confirmo a veracidade. Assim que ela termina o leite, dou-lhe um beijo na testa e logo ela fecha os olhinhos. A coloco cuidadosamente no berçário, velo seu sono por alguns instantes e em seguida sento-me na cama e começo a pensar sobre a minha vida. Abby tem seu próprio quarto, que foi devidamente pensado e decorado por Isabella, porém após seu falecimento pedi para que pusessem seu berço em meu quarto. Pego o travesseiro de Isabella e inspiro seu aroma. Estou há dois meses nesse turbilhão e só consigo pensar nela. Seus olhos expressivos, brilhantes e castanhos como avelã, seus cabelos com ondas volumosas, sua língua afiada e sua forte opinião que às vezes me fazia sentir-me um tolo. Deixo que as lágrimas escorram, me sentindo o ser mais miserável da face da terra.

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