Por Ricardo Stefan
Mais um dia sem minha adorável e valente esposa. Pergunto-me porque o bom Deus não me levou em seu lugar. Ela estava feliz e conseguindo mudar a mente de nossa atrasada sociedade. Como sinto falta de sua maravilhosa pele amendoada.
Travamos grandes batalhas por nosso amor e não há nada do que eu me arrependa, nem mesmo de ter aberto mão de meu título de nobreza por Isabella. O choro de nossa filha tira-me de meus devaneios. Pego a pequena Abgail em meus braços, e ela se aninha em meu peito e logo seu choro cessa, dando lugar a pequenos soluços. Nossa pequena “Abby”, como dizia Isabella, herdou os traços de sua mãe e a cor da pele também. Já seus olhos são expressivos e verdes como esmeraldas, iguais aos meus, e seus cabelos pretos me lembram ondas do mar. Abro o relicário de minha falecida esposa e lá está retratada a nossa família antes dela ser retirada de nós. Olho para Abby e prometo a mim mesmo que cuidarei dela com afinco. Ouço leves batidas na porta, e eis que minha irmã surge, pedindo permissão para entrar.
— Como está, meu querido irmão? — Minha irmã olha-me com pesar ao notar minha aparência desleixada. — E como está a nossa pequena Abby?
— Ela está bem, graças aos céus. Porém seu pai está com o coração ferido e partido. — Digo, com os olhos lacrimejando.
— Ah, meu querido irmão! Você necessita sair deste quarto e tomar um pouco de ar fresco. Creio que Isabella não gostaria de vê-lo neste estado deplorável.
— Minha querida irmã, eu sou o menos afortunado dos homens. Depois que a cólera levou Isabella, sinto-me sem forças e ânimo para nada. Ela se foi e levou consigo quase todo o meu coração. Daria toda a fortuna que possuo se pudesse tê-la novamente em meus braços.
— Ricardo, eu te entendo. Isabella era como a luz do sol. Ela irradiava nossos dias, e, com a sua partida, estamos em total escuridão. Mas o que nos dá esperanças é olhar para esse pequeno milagre em seus braços e ver que ela é fruto de todo o amor que tiveram. Um dia, meu irmão, eu terei um amor como o de vocês, independente do mau passo que dei.
Elizabeth havia sido enganada por um mau caráter e acabou se entregando a ele antes da hora. Ninguém além de nós sabe o que realmente aconteceu, porém ela tem medo de se abrir ao amor novamente. Sabemos bem que, se ela resolver se casar, terá que contar sobre o seu mau passo, e Elizabeth teme ser rechaçada pela a sociedade.
— Um dia você terá um homem que a ame de verdade e lhe dará tudo que merece, e esse homem não se importará com o passado. — Olho para ela carinhosamente, e em partes me sinto culpado por seu mau passo, pois na falta de meus pais eu seria seu guardião e falhei miseravelmente em minha função.
— Obrigada, meu irmão, por suas sinceras palavras. Elas são reconfortantes para uma alma atormentada, mas nós dois sabemos que será impossível para mim encontrar alguém disposto a casar com alguém como eu.
As lágrimas começam a rolar de seus olhos. Eu afago seus cabelos, e ela sorri para mim. Apesar de tudo, minha irmã continua adorável. Creio que os céus a abençoarão com um bom casamento.
— Elizabeth, não se atormente, minha cara. Por que você não vai à cidade? Creio que seria revigorante um passeio de carruagem.
— Excelente ideia, mas só irei se você for comigo. — Ela diz, tentando sorrir.
— Eu iria com todo o prazer, porém estou farto das pessoas olhando-me com pesar e dizendo: meus pêsames, senhor Stefan. — As mesmas pessoas que rechaçaram Isabella em vida hoje mandam condolências por sua morte. Cada vez que os ouço tenho vontade de mandá-los ao inferno.
— Ricardo, você sabe muito bem que a nossa sociedade é hipócrita. Lembra-se como foi quando nossos pais nos deixaram? Por falar nisso, o senhor Di Castro me pediu que lhe desse as condolências. — Ela faz uma menção de desculpas, porém meu sangue ao ouvir o nome desse perseguidor desgraçado.
— Que ele vá ao inferno com suas condolências. O senhor Romero Di Castro foi um dos que não aceitou Isabella e, agora que ela se foi, quer dar condolências? — Digo enfezado e, sem perceber, assusto minha filha.
— Isso é maneira de falar? Temos uma pequena dama no recinto. — Ela aponta para Abgail e continua. — Se Isabella estivesse aqui ela diria para que você fosse menos rude com as pessoas.
— Minha irmã, sem ela ao meu lado eu me sinto uma bússola sem curso.
— Espero, meu irmão, que um dia essa dor se dissipe ou ao menos se torne suportável. — Ela afaga-me o braço.
— Isso só acontecerá no dia em que eu partir para me encontrar com ela. — Contraponho.
— Entendo bem. Deixarei você e a pequena Abby descansarem, mas pensa no que acabei de lhe dizer e vá ao menos pegar um pouco de ar no jardim. Até mais ver.
Faço um leve menear com a cabeça, e minha irmã sorri e se vai. Abgail resmungou em meus braços, e sei que é fome. Pego o recipiente de amamentação, testo a temperatura e lhe dou o leite. Ela suga com voracidade, e isso me faz rir, pois Isabella me disse que nossa filha tinha um apetite voraz, e agora confirmo a veracidade. Assim que ela termina o leite, dou-lhe um beijo na testa e logo ela fecha os olhinhos. A coloco cuidadosamente no berçário, velo seu sono por alguns instantes e em seguida sento-me na cama e começo a pensar sobre a minha vida. Abby tem seu próprio quarto, que foi devidamente pensado e decorado por Isabella, porém após seu falecimento pedi para que pusessem seu berço em meu quarto. Pego o travesseiro de Isabella e inspiro seu aroma. Estou há dois meses nesse turbilhão e só consigo pensar nela. Seus olhos expressivos, brilhantes e castanhos como avelã, seus cabelos com ondas volumosas, sua língua afiada e sua forte opinião que às vezes me fazia sentir-me um tolo. Deixo que as lágrimas escorram, me sentindo o ser mais miserável da face da terra.
Acordo na manhã seguinte com a cabeça latejando. Olho para o vidro âmbar vazio à minha frente e decido que não beberei por um bom tempo. Abgail acorda a plenos pulmões, e sei bem do que se trata. Embora eu tenha contratado a senhora Prado para cuidar de Abby, nesses últimos meses decidi eu mesmo cuidar dela. Olho-me no espelho e percebo que também preciso de cuidados urgentemente. Ouço batidas, dou permissão e vejo o meu mordomo ali parado a me olhar. — Senhor Stefan, quer que mande os criados preparem seu banho? — Ele diz, me olhando com tristeza. — Por favor, Freitas. Obrigado. — Ele dá a ordem e retorna. — Senhor Stefan, perdoe-me a intromissão, mas lhe conheço antes de ser um mancebo. Sei que a senhora Stefan está a fazer falta, mas o senhor precisa ter forças para se levantar e cuidar de si. A criança Abgail e a senhorita Elizabeth necessitam do senhor. — Eu juro que estou tentando, mas, cá entre nós, estou falhando miseravelmente. — Então creio que o sen
Por Isabella Melo Começo a gargalhar. Como pode o cara achar que é meu marido? Será que ele fugiu de algum hospício? — Olha, moço, eu não sou sua esposa. — Digo abafando a risada. — Jamais me enganaria. Conheço você mais do que a mim mesmo. Se você deixar, eu te explicarei. — Ele me olha com expectativa. Dou uma bufada e o olho, e assim que nossos olhos se encontram, me sinto atraída. — Como você se chama? — Pergunto, não conseguindo quebrar o contato visual. — Ricardo Stefan. — Ele diz e beija as costas da minha mão. Por que sinto o meu corpo se agitar? Nem sei de onde esse cara surgiu, mas já conseguiu mexer comigo. Sinto a mesma coisa que senti com Cadu. Meu juízo está deturpado mesmo. Os policiais se aproximam com cara de poucos amigos. — Moça, conhece esse meliante? — Um deles perguntou. — Sim, senhor. Ele é meu amigo, porém bebeu um pouco além da conta noite passada. — Nem sei porque respondi isso. Agora me sinto meio que responsável por ele.
Também saio, travo o carro e empurro a porta da lanchonete, mas antes que entremos, ele me dá o braço, como os cavalheiros antigamente, e acabo aceitando. Já dentro do BK, Ricardo ficou assustado com as mesas e cadeiras de plástico duras. E quando ele viu as luzes então? Ficou completamente doido querendo que eu explicasse como funciona a tecnologia, e lá fui eu tentar lembrar dos meus tempos de física para explicar para ele. Vou fazer o pedido dos lanches enquanto o deixo sentado e assustado. Nossa, ele deve ter batido a cabeça feio. Peço os lanches e, assim que eles são anotados, volto para a minha mesa. Olho para Ricardo, e ele continua assustado. — Então, me fale de você? — Ele me encara por uns instantes e começa. — Eu sou Ricardo Stefan. Acabo de completar 30 anos. — Vou fazer 30 anos logo, logo. Me fala uma coisa, onde está a sua família? — Antes que ele possa me responder, os nossos lanches chegam, e ele fica espantado olhando para os embrulhos e para o
Ele fala com tanta admiração de sua esposa, e acabo compreendendo o motivo que o fez ficar louco e meio que me identifiquei com, pois depois que Cadu me deixou eu também beirei a loucura. Perder a pessoa que se ama não é fácil, e talvez ele não tenha pessoas que o ajudem a passar pelo momento de luto. Nesse momento sinto imensa compaixão por ele. Começo a perguntar sobre sua esposa, e ele me conta que ela lutava por direitos feministas. — Ela não lutava só pelo direito feminino, mas também pela liberdade de sua raça. — Raça? — Agora ele me deixou confusa. — Sim. Ela era você, quer dizer, se parecia exatamente como você. — Olhei para minha pele, se ela era como eu, ela era… Virei bruscamente para ele, e o carro acabou dando um solavanco. O motorista de trás me xingou, pois quase bateu em meu carro. Retribuí o xingamento e coloquei a mão para fora, lhe mostrando o dedo do meio. Ricardo me olhou com repúdio, e antes que ele pudesse dizer algo idiota o lembrei dos direitos f
Por Ricardo Stefan Bem que a velha senhora avisou-me sobre a diferença desse século. Depois que Isabella mostrou-me sua residência e seus inventos, ela levou-me para meus aposentos, e pelo menos aqui é um território conhecido por mim. Reconheço a cama, a mesa de cabeceira e o guarda-roupas, porém sinto falta da banheira e do lugar onde se faz certas necessidades. Ela deve manter um quarto dentro de sua propriedade para tais. Isabella retorna com algumas vestimentas mais apropriadas para esse século e me entrega, vasculho as peças de roupas e como não vejo a peça que procuro, resolvo perguntar mesmo com a face afogueada. — Desculpe-me por aborrecê-la, mas gostaria de saber se você tem ceroulas. — Ela ri de mim, e franzo o cenho, pois não entendo o motivo do escárnio. Assim que ela vê meu desconforto, para de rir. — Não queria rir da sua cara, Rick, é que não existem mais ceroulas, elas foram substituídas pelas cuecas. — Ela tenta segurar o riso enquanto me entrega um pacote
Isabella Melo Pensei que seria complicado conviver com outra pessoa, mas na verdade até que tem sido bem divertido. Ricardo se mostrou alguém bem prestativo e amigável. Ele fez amizade com Márcio, Luíza e Bernardo, e até minha avó passou a gostar dele. Por falar nela, dona Hilda está bem melhor. Até os médicos se surpreenderam com sua melhora. Nesta semana Ricardo foi para o hospital e leu para ela todos os dias, e ainda tem me ajudado com a boutique, que aumentou a freguesia feminina depois de sua chegada. Fico incomodada com o tanto de mulher que baba em cima dele. Não é que eu esteja com ciúmes, afinal, nos tornamos amigos. Ele fala tanto de sua família que tenho vontade de conhecer Abby e Elizabeth. Quanto mais ele fala de sua pequenina, mais eu tenho vontade de conhecê-la. Ricardo me contou o que sua irmã passou nas mãos de um idiota. Gostaria que ela pudesse viver aqui, onde as pessoas não se importam se você é virgem ou não. Todas as suas histórias parecem interessa
— Bom dia, cavalheiro! Creio que ainda não fomos apresentados. — Seu rosto está fechado, e isso me diverte. — Rick, esse é o Lucas, um cliente antigo, e, Lucas, esse é Ricardo, um amigo que está hospedado na minha casa. — O apresento, ainda de bom humor. — Ah, você é o cara que está com amnésia. Muito prazer, Rick, estava convidando sua amiga para dar uma ida ao cinema. Que tal você ajudar o amigão? Lucas estica a mão, vejo Rick apertar com força desnecessária e reviro os olhos. — Ricardo para o senhor, já que não somos próximos, e creio que a dama terá que recusar, pois ela havia marcado um compromisso comigo. O semblante de Lucas cai, e eu fico estarrecida. É sério que estou vendo Ricardo com ciúmes? Não sei porquê, mas a vontade de rir é enorme. Porém me contenho assim que vejo a cara de poucos amigos de Ricardo e Lucas, deixo os dois de lado e atendo dona Fran, que é uma cliente assídua e muito bondosa. Assim que Ricardo a cumprimentou ganhou sua admiração, e
Ricardo Stefan Esses dias ao lado de Isabella tem sido maravilhosos. Aos poucos ela está se abrindo para mim, e já faço parte de sua rotina e da vida de seus amigos. Ando até estudando o dialeto deles para não fazer vergonha a ela, mesmo ela me dizendo que não precisa. Estou construindo uma relação de amizade com seus amigos. Bernardo é de quem mais me aproximei, ele é como um irmão para Bella e me aceitou de primeira, sem muitos questionamentos, ao contrário de Márcio, que não para de me indagar. Tenho certeza que ele nutre sentimentos amorosos pela minha amada. Pode ser um devaneio meu, porém seu olhar para ela é estranho. Ontem cometi uma gafe. Isabella acabou recebendo uma visita, e eu acabei sendo pego desnudo por uma de suas amigas. Pegou-me desprevenido, pois como somos apenas Bella e eu, acabo não trancando a porta. — Mil perdões, senhora. Acabei indo banhar-me e, como não sabia que tínhamos visitas, acabei não trancando a porta. — Não precisa se desculpar,