Capítulo 03

 Acordo na manhã seguinte com a cabeça latejando. Olho para o vidro âmbar vazio à minha frente e decido que não beberei por um bom tempo. Abgail acorda a plenos pulmões, e sei bem do que se trata. Embora eu tenha contratado a senhora Prado para cuidar de Abby, nesses últimos meses decidi eu mesmo cuidar dela.

    Olho-me no espelho e percebo que também preciso de cuidados urgentemente. Ouço batidas, dou permissão e vejo o meu mordomo ali parado a me olhar.

    — Senhor Stefan, quer que mande os criados preparem seu banho? — Ele diz, me olhando com tristeza.

    — Por favor, Freitas. Obrigado. — Ele dá a ordem e retorna.

    — Senhor Stefan, perdoe-me a intromissão, mas lhe conheço antes de ser um mancebo. Sei que a senhora Stefan está a fazer falta, mas o senhor precisa ter forças para se levantar e cuidar de si. A criança Abgail e a senhorita Elizabeth necessitam do senhor.

    — Eu juro que estou tentando, mas, cá entre nós, estou falhando miseravelmente.

    — Então creio que o senhor necessita se esforçar mais. A propriedade precisa de administração, e o senhor está igual ao seu finado pai quando perdemos sua mãe.

    — Obrigado, Freitas. Darei um jeito nessa situação.

    Ele sorriu para mim antes de se retirar, e eu voltei ao berçário para velar o sono de minha filha. Eu sei que meu mordomo está certo e não sei quando me tornei esse maldito covarde. Após tomar meu banho e deixar Abgail aos cuidados de Elizabeth, resolvi dar uma caminhada pela propriedade e ver os reparos que necessitam ser feitos. Vejo que há muito a ser feito nesses quase três meses de luto; ele me deixou relapso a respeito da criadagem e da propriedade.

    Ando um pouco mais e avisto o jardim de Isabella, e logo a saudade invade meus sentidos. Decido ir até lá, sento-me em seu lugar favorito e começo a pensar em tudo o que vivemos e na luta que enfrentamos para nos casarmos. Abri mão de meu título de nobreza e tomei Isabella por minha esposa na Europa, já que por esses lados os habitantes ainda são atrasados. Na época o nosso casamento foi considerado um escândalo para a sociedade, e fomos rechaçados de formas inimagináveis.

    Com o tempo, Isabella conquistou uma boa parte da população por seu altruísmo e bom coração. Sentia-me tão orgulhoso de ver minha amada defendendo seu povo, seus direitos igualitários… Agora o que resta-me é apenas saudade. Estava tão absorto em meus pensamentos que não vi quando uma velha senhora sentou-se ao meu lado.

    — Olá, meu bom rapaz. — Ela sorri para mim.

    — Olá, velha senhora! De onde veio? Estás perdida?

    — Não estou perdida. Mas e você, meu jovem? Está?

    — Em demasia. — Digo olhando para o nada.

    — É por isso que estou aqui. E se eu disser que há uma chance de você reencontrar sua amada?

    — Como assim, velha senhora? Por obséquio, diga-me.

    — Digamos que para encontrá-la você terá que fazer uma longa viagem sozinho.

    Uma centelha de esperança acendeu dentro de mim.

    — E quando seria essa viagem?

    — Se aceitar, você a fará hoje mesmo. Vá para casa, dê as ordens necessárias e retorne a este belo jardim. Antes que vá, escute com atenção: não conte a ninguém o que realmente irá fazer, diga apenas que surgiu uma viagem de última hora e, antes que fique preocupado, a pequena Abby e sua irmã ficarão bem. Assim que você retornar, te darei as devidas instruções. Por favor, não demore.

    Voltei para casa aos tropeços. Chego em minha sala e vejo minha irmã brincando com minha filha.

    — Ah, que bom que chegou, meu caro irmão. — Ela sorri.

    — Minha irmã, preciso lhe falar. Aconteceu um imprevisto, e necessitarei partir em uma viagem.

    — E quando vais? — Ela pergunta curiosa.

    — Hoje mesmo! Demorarei um pouco para voltar, então, por favor, Elizabeth, tome conta de Abgail.

    — Sim, meu irmão. Tomarei conta dela até que retorne.

    — Muito obrigado, minha querida irmã. — Vou ao quarto e arrumo uma pequena mala de mão. Chego à sala e pego minha pequena no colo, acaricio seus cabelos e falo bem baixinho em seu ouvido.

    — Meu amorzinho, fique aqui com sua tia, que o papai vai reencontrar a sua mamãe. — Ela abriu um sorriso para mim, e sei que ela entendeu cada palavra. Dou um beijo em minha irmã e vou rumo ao jardim de Isabella encontrar a velha senhora. Assim que chego, a senhora me olha e sorri.

    — Chegou rapidamente! Sei que está ansioso para reencontrar a sua esposa, porém preciso adverti-lo. No lugar onde sua esposa está ela não o conhece, não sabe da história linda de amor de vocês dois, nem se lembra de Abgail.

    Fiz menção de falar, mas ela me silenciou.

    — Calma, meu rapaz, ainda não acabei com você. Neste lugar sua amada sofreu severamente, e ela perdeu o prazer de viver. Sua missão será fazê-la se apaixonar por você novamente.

    — E, se isso acontecer, ela retorna novamente?

    — Quando isso acontecer, eu retornarei e conversarei com vocês. Na sua viagem você deve levar o relicário. Essa será a única prova de que não está louco. Você terá seis meses para fazer com que Isabella o ame novamente.

    — E se ela não me amar?

    — Eu tenho certeza que você fará com que ela se apaixone por você novamente, porém, se não conseguir, você retornará para casa e viverá sem sua amada.

    — Eu farei com que ela se apaixone por mim novamente. Não posso viver sem ela.

    — Agora sei que você está pronto para sua jornada. Tenha uma boa sorte, Ricardo.

    Abro meus olhos e preciso apertá-los mais uma vez para ter certeza que não estava sonhando. Continuo deitado no banco da praça, pensando em como vou encontrar Isabella nesse lugar.

    — Oh, vagabundo! Levanta daí! Aqui não é lugar pra mendigos.

    — Pois não, cavalheiros. Há algo errado? — Digo-lhes, já me sentando.

    — Levanta logo, vagabundo.

    — Isso não é linguajar apropriado para os guardas do rei.

    Um dos guardas me pega pelo braço obrigando-me a ficar em pé.

     — Guardas do rei? Circulando, maluco!

    — Cavalheiros, exijo respeito. — Digo ajeitando as minhas roupas.

    — Você não tem direito de exigir nada.

    Eles começam a me agarrar e, por Deus, como esses guardas não tem modos! Tento me desvencilhar de seus braços até que a vejo sentada em um banco. Ela estava com algum exemplar em mãos e parecia estar... chorando. Nossos olhares se cruzaram por um breve momento, e pude sentir sua dor, que se misturava à minha própria dor. Consegui me soltar dos guardas e corri em sua direção. Bendito seja Deus! Eu a encontrei! Eu a olhava com ternura e admiração; ela estava exatamente como me lembrava. Ela me faz algumas perguntas, e as respondo. Isabela pergunta como sei seu nome, e digo-lhe quem ela é para mim.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo