Capítulo 04

Por Isabella Melo

    Começo a gargalhar. Como pode o cara achar que é meu marido? Será que ele fugiu de algum hospício?

    — Olha, moço, eu não sou sua esposa. — Digo abafando a risada.

    — Jamais me enganaria. Conheço você mais do que a mim mesmo. Se você deixar, eu te explicarei. — Ele me olha com expectativa.

    Dou uma bufada e o olho, e assim que nossos olhos se encontram, me sinto atraída.

    — Como você se chama? — Pergunto, não conseguindo quebrar o contato visual.

    — Ricardo Stefan. — Ele diz e beija as costas da minha mão.

    Por que sinto o meu corpo se agitar? Nem sei de onde esse cara surgiu, mas já conseguiu mexer comigo. Sinto a mesma coisa que senti com Cadu. Meu juízo está deturpado mesmo. Os policiais se aproximam com cara de poucos amigos. — Moça, conhece esse meliante? — Um deles perguntou.

    — Sim, senhor. Ele é meu amigo, porém bebeu um pouco além da conta noite passada. — Nem sei porque respondi isso. Agora me sinto meio que responsável por ele.

    — Mantenha ele longe de confusão, porque da próxima vez ele entrará em cana. — Peço desculpas aos policiais, e assim que eles se afastam, Ricardo me olha.

    — Por quem me tomas? Por que disse aos guardas que havia me embebedado? — Ele ficou chateado pelo que eu havia dito à polícia.

    — Se eu não dissesse isso eles te levariam preso. — Ele me olha por alguns segundos, então sorri.

    — Então lhe agradeço, meu amor.

    Fico estarrecida com a insistência dele. Limpo a garganta e resolvo cortar logo a intimidade que não dei.

    — Vamos esclarecer uma coisa: eu não sou seu amor. Não sou sua esposa, afinal, nem o conheço. — Ele abaixou a cabeça e disse algo que não consigo entender. Ricardo respira fundo e volta a me encarar.

    — Tenho certeza que se parar e me escutar você irá entender. — Ele mantém esperança.

    — Quem sabe uma outra hora. Você tem família por aqui? Quer pegar o meu celular emprestado para fazer uma ligação?

    — O que é um celular? — Reviro os olhos e pego o meu aparelho para lhe mostrar.

    — Que tipo de engenhoca é essa?

    Ele fica curioso, passando o celular de uma mão para outra. Começa a bater na tela e antes que quebre, eu tomo de suas mãos.

    — Essa engenhoca salva vidas. — Tá! Já entendi que o cara perdeu a memória, mas como sabe meu nome? O que vou fazer com Ricardo? Então resolvo levá-lo a uma lanchonete, e daí conversaremos um pouco para decidir o que fazer com ele.

    — Já que você está um pouco desorientado, vou levá-lo para comer algo, e assim conversaremos melhor.

    — Se não for incomodá-la, eu aceitarei com todo o prazer. 

    — Ótimo! Meu carro está estacionado logo ali. — Aponto para meu Sedan roxo. Assim que chegamos em meu carro vejo o seu espanto e, como sempre faço, reviro os olhos e começo a tagarelar. — Eu sei que a cor é chamativa, não precisa olhar dessa forma. Eu amo preto e roxo, e paguei bem caro pela criação dessa cor. Precisei ir em quatro concessionárias diferentes para conseguir a cor dos meus sonhos.

    — Que espécie de engenhoca é essa? — E eu crente que ele estava espantado com a cor, mas na verdade ele estava espantado com o carro mesmo.

    Acho que ouvirei muito a palavra “engenhoca”.

    — É um carro. As pessoas usam para se locomover. Vai me dizer que nunca ouviu falar? — Mas assim que vejo a sua cara de espanto eu percebo que ele desconhece — ou apenas a mente dele ainda não se lembra.

    — Espantoso esse invento. De onde venho, utilizamos cavalos e carruagens ou, quando o trajeto é curto, vamos caminhando.

    — Um carro é como usar uma carruagem, só que ao invés de cavalos usamos combustível.

    — Esplêndido! Suponho que as viagens se tornem mais rápidas com esse... 

    — Carro?

    — Obrigado, meu amor.

    Respiro fundo, olho para Ricardo e espero que ele não seja um serial Killer, tipo aquele cara da série you, mas não tem problema. Eu tenho spray de pimenta, arma de choque e um canivete. Ele que venha de gracinha pra cima de mim que vai ver só o que vai acontecer. — Não me chame de amor. Você pode me chamar de Isa, Bella ou meu nome mesmo, mas nada de me chamar de amor.

    — Será como no começo de tudo. — Suas palavras me transmitiram tristeza.  — Vamos entrar no carro.

    — Não antes de você.

    Ele puxa a maçaneta para me acomodar, mas o carro ainda está trancado. Rio da força exagerada que ele utiliza para tentar abrir a porta, então lhe mostro a chave do carro e o pequeno dispositivo. Aperto o botão e destravo o carro, ele abre a porta e me acomoda no banco do motorista. Logo em seguida ele se acomoda no banco do carona, e assim que o ajudo a pôr o cinto dou a partida no carro.

    — O que são essas construções gigantescas? — Vejo que ele está curioso.

    — São prédios. Você nunca ouviu falar? Afinal, em que século você vive?

    — Nasci no século XIX. — Me engasgo na hora e começo a tossir.

    — Puta merda! Isso é sacanagem, né? — “Esse cara é doido”, penso comigo.

    — Senhora, isso não são modos! — Ele briga comigo.

    — Já que você diz que é do “século passado” deixa eu te atualizar que hoje em dia as mulheres são livres para  fazer o que quiserem. — Resolvo entrar na brincadeira.

    — Muito bom saber. — Ele realmente fica feliz com o que eu disse. Esse cara é doido mesmo.

    Dirijo, e um silêncio toma conta do carro. Olho para Ricardo, que parece estar perdido em pensamentos. Século XIX, isso é uma piada. Chegamos ao Burger King, e estaciono o carro. Logo que olho para Ricardo ele está com os olhos arregalados.

    — Porventura, quer fazer-me entrar nesse lugar enigmático? — Ele está mesmo com medo, sério.

    — Não tenha medo. O BK é ótimo para comermos enquanto conversamos um pouco.

    — Minha cara, esse lugar não me parece seguro. Veja como se vestem. Onde estão as cartolas dos cavalheiros e as sombrinhas das damas? Onde estão as vestimentas decentes?

    — Somos do século XXI. Nossas roupas são mais que apropriadas.

    — Esse lugar é excêntrico demais.

    — Excêntrico? Meu bem, as suas roupas são excêntricas! Você confia em mim, certo?

    — Estou vestido como um perfeito cavalheiro, e sim, confio em ti com todo meu coração.

    — Então entra comigo, e eu te asseguro que lá não tem perigo nenhum. — Ele pensa um pouco e, por fim, decide sair do carro.

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