Por Isabella Melo
Começo a gargalhar. Como pode o cara achar que é meu marido? Será que ele fugiu de algum hospício?
— Olha, moço, eu não sou sua esposa. — Digo abafando a risada.
— Jamais me enganaria. Conheço você mais do que a mim mesmo. Se você deixar, eu te explicarei. — Ele me olha com expectativa.
Dou uma bufada e o olho, e assim que nossos olhos se encontram, me sinto atraída.
— Como você se chama? — Pergunto, não conseguindo quebrar o contato visual.
— Ricardo Stefan. — Ele diz e beija as costas da minha mão.
Por que sinto o meu corpo se agitar? Nem sei de onde esse cara surgiu, mas já conseguiu mexer comigo. Sinto a mesma coisa que senti com Cadu. Meu juízo está deturpado mesmo. Os policiais se aproximam com cara de poucos amigos. — Moça, conhece esse meliante? — Um deles perguntou.
— Sim, senhor. Ele é meu amigo, porém bebeu um pouco além da conta noite passada. — Nem sei porque respondi isso. Agora me sinto meio que responsável por ele.
— Mantenha ele longe de confusão, porque da próxima vez ele entrará em cana. — Peço desculpas aos policiais, e assim que eles se afastam, Ricardo me olha.
— Por quem me tomas? Por que disse aos guardas que havia me embebedado? — Ele ficou chateado pelo que eu havia dito à polícia.
— Se eu não dissesse isso eles te levariam preso. — Ele me olha por alguns segundos, então sorri.
— Então lhe agradeço, meu amor.
Fico estarrecida com a insistência dele. Limpo a garganta e resolvo cortar logo a intimidade que não dei.
— Vamos esclarecer uma coisa: eu não sou seu amor. Não sou sua esposa, afinal, nem o conheço. — Ele abaixou a cabeça e disse algo que não consigo entender. Ricardo respira fundo e volta a me encarar.
— Tenho certeza que se parar e me escutar você irá entender. — Ele mantém esperança.
— Quem sabe uma outra hora. Você tem família por aqui? Quer pegar o meu celular emprestado para fazer uma ligação?
— O que é um celular? — Reviro os olhos e pego o meu aparelho para lhe mostrar.
— Que tipo de engenhoca é essa?
Ele fica curioso, passando o celular de uma mão para outra. Começa a bater na tela e antes que quebre, eu tomo de suas mãos.
— Essa engenhoca salva vidas. — Tá! Já entendi que o cara perdeu a memória, mas como sabe meu nome? O que vou fazer com Ricardo? Então resolvo levá-lo a uma lanchonete, e daí conversaremos um pouco para decidir o que fazer com ele.
— Já que você está um pouco desorientado, vou levá-lo para comer algo, e assim conversaremos melhor.
— Se não for incomodá-la, eu aceitarei com todo o prazer.
— Ótimo! Meu carro está estacionado logo ali. — Aponto para meu Sedan roxo. Assim que chegamos em meu carro vejo o seu espanto e, como sempre faço, reviro os olhos e começo a tagarelar. — Eu sei que a cor é chamativa, não precisa olhar dessa forma. Eu amo preto e roxo, e paguei bem caro pela criação dessa cor. Precisei ir em quatro concessionárias diferentes para conseguir a cor dos meus sonhos.
— Que espécie de engenhoca é essa? — E eu crente que ele estava espantado com a cor, mas na verdade ele estava espantado com o carro mesmo.
Acho que ouvirei muito a palavra “engenhoca”.
— É um carro. As pessoas usam para se locomover. Vai me dizer que nunca ouviu falar? — Mas assim que vejo a sua cara de espanto eu percebo que ele desconhece — ou apenas a mente dele ainda não se lembra.
— Espantoso esse invento. De onde venho, utilizamos cavalos e carruagens ou, quando o trajeto é curto, vamos caminhando.
— Um carro é como usar uma carruagem, só que ao invés de cavalos usamos combustível.
— Esplêndido! Suponho que as viagens se tornem mais rápidas com esse...
— Carro?
— Obrigado, meu amor.
Respiro fundo, olho para Ricardo e espero que ele não seja um serial Killer, tipo aquele cara da série you, mas não tem problema. Eu tenho spray de pimenta, arma de choque e um canivete. Ele que venha de gracinha pra cima de mim que vai ver só o que vai acontecer. — Não me chame de amor. Você pode me chamar de Isa, Bella ou meu nome mesmo, mas nada de me chamar de amor.
— Será como no começo de tudo. — Suas palavras me transmitiram tristeza. — Vamos entrar no carro.
— Não antes de você.
Ele puxa a maçaneta para me acomodar, mas o carro ainda está trancado. Rio da força exagerada que ele utiliza para tentar abrir a porta, então lhe mostro a chave do carro e o pequeno dispositivo. Aperto o botão e destravo o carro, ele abre a porta e me acomoda no banco do motorista. Logo em seguida ele se acomoda no banco do carona, e assim que o ajudo a pôr o cinto dou a partida no carro.
— O que são essas construções gigantescas? — Vejo que ele está curioso.
— São prédios. Você nunca ouviu falar? Afinal, em que século você vive?
— Nasci no século XIX. — Me engasgo na hora e começo a tossir.
— Puta merda! Isso é sacanagem, né? — “Esse cara é doido”, penso comigo.
— Senhora, isso não são modos! — Ele briga comigo.
— Já que você diz que é do “século passado” deixa eu te atualizar que hoje em dia as mulheres são livres para fazer o que quiserem. — Resolvo entrar na brincadeira.
— Muito bom saber. — Ele realmente fica feliz com o que eu disse. Esse cara é doido mesmo.
Dirijo, e um silêncio toma conta do carro. Olho para Ricardo, que parece estar perdido em pensamentos. Século XIX, isso é uma piada. Chegamos ao Burger King, e estaciono o carro. Logo que olho para Ricardo ele está com os olhos arregalados.
— Porventura, quer fazer-me entrar nesse lugar enigmático? — Ele está mesmo com medo, sério.
— Não tenha medo. O BK é ótimo para comermos enquanto conversamos um pouco.
— Minha cara, esse lugar não me parece seguro. Veja como se vestem. Onde estão as cartolas dos cavalheiros e as sombrinhas das damas? Onde estão as vestimentas decentes?
— Somos do século XXI. Nossas roupas são mais que apropriadas.
— Esse lugar é excêntrico demais.
— Excêntrico? Meu bem, as suas roupas são excêntricas! Você confia em mim, certo?
— Estou vestido como um perfeito cavalheiro, e sim, confio em ti com todo meu coração.
— Então entra comigo, e eu te asseguro que lá não tem perigo nenhum. — Ele pensa um pouco e, por fim, decide sair do carro.
Também saio, travo o carro e empurro a porta da lanchonete, mas antes que entremos, ele me dá o braço, como os cavalheiros antigamente, e acabo aceitando. Já dentro do BK, Ricardo ficou assustado com as mesas e cadeiras de plástico duras. E quando ele viu as luzes então? Ficou completamente doido querendo que eu explicasse como funciona a tecnologia, e lá fui eu tentar lembrar dos meus tempos de física para explicar para ele. Vou fazer o pedido dos lanches enquanto o deixo sentado e assustado. Nossa, ele deve ter batido a cabeça feio. Peço os lanches e, assim que eles são anotados, volto para a minha mesa. Olho para Ricardo, e ele continua assustado. — Então, me fale de você? — Ele me encara por uns instantes e começa. — Eu sou Ricardo Stefan. Acabo de completar 30 anos. — Vou fazer 30 anos logo, logo. Me fala uma coisa, onde está a sua família? — Antes que ele possa me responder, os nossos lanches chegam, e ele fica espantado olhando para os embrulhos e para o
Ele fala com tanta admiração de sua esposa, e acabo compreendendo o motivo que o fez ficar louco e meio que me identifiquei com, pois depois que Cadu me deixou eu também beirei a loucura. Perder a pessoa que se ama não é fácil, e talvez ele não tenha pessoas que o ajudem a passar pelo momento de luto. Nesse momento sinto imensa compaixão por ele. Começo a perguntar sobre sua esposa, e ele me conta que ela lutava por direitos feministas. — Ela não lutava só pelo direito feminino, mas também pela liberdade de sua raça. — Raça? — Agora ele me deixou confusa. — Sim. Ela era você, quer dizer, se parecia exatamente como você. — Olhei para minha pele, se ela era como eu, ela era… Virei bruscamente para ele, e o carro acabou dando um solavanco. O motorista de trás me xingou, pois quase bateu em meu carro. Retribuí o xingamento e coloquei a mão para fora, lhe mostrando o dedo do meio. Ricardo me olhou com repúdio, e antes que ele pudesse dizer algo idiota o lembrei dos direitos f
Por Ricardo Stefan Bem que a velha senhora avisou-me sobre a diferença desse século. Depois que Isabella mostrou-me sua residência e seus inventos, ela levou-me para meus aposentos, e pelo menos aqui é um território conhecido por mim. Reconheço a cama, a mesa de cabeceira e o guarda-roupas, porém sinto falta da banheira e do lugar onde se faz certas necessidades. Ela deve manter um quarto dentro de sua propriedade para tais. Isabella retorna com algumas vestimentas mais apropriadas para esse século e me entrega, vasculho as peças de roupas e como não vejo a peça que procuro, resolvo perguntar mesmo com a face afogueada. — Desculpe-me por aborrecê-la, mas gostaria de saber se você tem ceroulas. — Ela ri de mim, e franzo o cenho, pois não entendo o motivo do escárnio. Assim que ela vê meu desconforto, para de rir. — Não queria rir da sua cara, Rick, é que não existem mais ceroulas, elas foram substituídas pelas cuecas. — Ela tenta segurar o riso enquanto me entrega um pacote
Isabella Melo Pensei que seria complicado conviver com outra pessoa, mas na verdade até que tem sido bem divertido. Ricardo se mostrou alguém bem prestativo e amigável. Ele fez amizade com Márcio, Luíza e Bernardo, e até minha avó passou a gostar dele. Por falar nela, dona Hilda está bem melhor. Até os médicos se surpreenderam com sua melhora. Nesta semana Ricardo foi para o hospital e leu para ela todos os dias, e ainda tem me ajudado com a boutique, que aumentou a freguesia feminina depois de sua chegada. Fico incomodada com o tanto de mulher que baba em cima dele. Não é que eu esteja com ciúmes, afinal, nos tornamos amigos. Ele fala tanto de sua família que tenho vontade de conhecer Abby e Elizabeth. Quanto mais ele fala de sua pequenina, mais eu tenho vontade de conhecê-la. Ricardo me contou o que sua irmã passou nas mãos de um idiota. Gostaria que ela pudesse viver aqui, onde as pessoas não se importam se você é virgem ou não. Todas as suas histórias parecem interessa
— Bom dia, cavalheiro! Creio que ainda não fomos apresentados. — Seu rosto está fechado, e isso me diverte. — Rick, esse é o Lucas, um cliente antigo, e, Lucas, esse é Ricardo, um amigo que está hospedado na minha casa. — O apresento, ainda de bom humor. — Ah, você é o cara que está com amnésia. Muito prazer, Rick, estava convidando sua amiga para dar uma ida ao cinema. Que tal você ajudar o amigão? Lucas estica a mão, vejo Rick apertar com força desnecessária e reviro os olhos. — Ricardo para o senhor, já que não somos próximos, e creio que a dama terá que recusar, pois ela havia marcado um compromisso comigo. O semblante de Lucas cai, e eu fico estarrecida. É sério que estou vendo Ricardo com ciúmes? Não sei porquê, mas a vontade de rir é enorme. Porém me contenho assim que vejo a cara de poucos amigos de Ricardo e Lucas, deixo os dois de lado e atendo dona Fran, que é uma cliente assídua e muito bondosa. Assim que Ricardo a cumprimentou ganhou sua admiração, e
Ricardo Stefan Esses dias ao lado de Isabella tem sido maravilhosos. Aos poucos ela está se abrindo para mim, e já faço parte de sua rotina e da vida de seus amigos. Ando até estudando o dialeto deles para não fazer vergonha a ela, mesmo ela me dizendo que não precisa. Estou construindo uma relação de amizade com seus amigos. Bernardo é de quem mais me aproximei, ele é como um irmão para Bella e me aceitou de primeira, sem muitos questionamentos, ao contrário de Márcio, que não para de me indagar. Tenho certeza que ele nutre sentimentos amorosos pela minha amada. Pode ser um devaneio meu, porém seu olhar para ela é estranho. Ontem cometi uma gafe. Isabella acabou recebendo uma visita, e eu acabei sendo pego desnudo por uma de suas amigas. Pegou-me desprevenido, pois como somos apenas Bella e eu, acabo não trancando a porta. — Mil perdões, senhora. Acabei indo banhar-me e, como não sabia que tínhamos visitas, acabei não trancando a porta. — Não precisa se desculpar,
Isabella Melo Acabo de perder minha única parente viva. Não sei porque o universo escolheu a mim para catástrofes. Teria desmoronado de vez se não fossem meus amigos e Rick, que se tornou mais que especial em minha rotina. Sally, Bete e Stef, três amigas queridas, que chegaram no momento certo e estão tentando me animar de tudo que é forma. Lu, minha irmã de alma, Bê e Márcio, que também considero meus irmãos, estão aqui ao meu lado me animando, e agradeço ao universo por pelo menos tê-los aqui comigo. — Você não vai e está decidido. — Minha amiga está aqui gritando que não posso ir ao cemitério visitar minha família. — Amor, deixa a Bella decidir. Se ela diz que precisa vê-los, quem somos nós para impedir. — Fica quieto, Bernardo. — Ela olha para ele com o olhar mais gélido que a própria rainha de gelo. — E você, já disse que não vai e pronto. — Ela põe as mãos na cintura, e sua barriga de sete meses fica mais evidente. As outras meninas tentam argumentar e recebe
Na madrugada acordei com braços ao redor do meu corpo e me depois lembrei-me que Rick havia dormido comigo, me levantei da cama e fui até a janela sendo recebida pela leve brisa gelada, mesmo eu sabendo que a qualquer momento minha avó poderia partir eu maninha a esperança que o milagre aconteceria e minha vozinha se recuperaria ou que ao menos teria mais alguns anos de vida, mas infelizmente a vida não é como a gente quer. Olhei para os céus e com lágrimas nos olhos deixei minha mente divagar para o momento em que vovó Hilda e eu receberiamos a pior noticia de nossas vidas. *Flashback On*Sentada nervosamente na sala de espera do médico, segurando a mão trêmula da minha amada avó, Hilda, eu estava com o coração acelerado. A ansiedade tomava conta de mim, enquanto esperávamos pela consulta que revelaria o que estava acontecendo com a saúde dela. Eu podia sentir a tensão no ar, sufocando-me lentamente.Finalmente, a porta se abriu e o médico nos chamou para entrar. Segurando firme a m