Pai metalúrgico, mãe doméstica, três irmãos mais novos, casa alugada, colégio público, metrô: resumindo, essa é minha vida. Treze palavras e você já consegue perceber que minha família é pobre ou - na melhor das hipóteses - classe média baixa. Beeem baixa.
Sendo assim, ninguém tem grandes expectativas relacionadas ao meu futuro. Isso é bom? Seria, se eu também não tivesse expectativas, mas passar o resto da vida contando cada centavinho para pagar as contas estava longe do que eu queria para mim.
Sempre corri atrás de me qualificar, até porque quem não corre não avança. Com dizem por aí, quem não faz pó, come pó (na vila onde moro, a frase poderia ser trocada por "quem não fabrica pó, cheira pó", se é que vocês me entendem).
Fiz inglês, informática e sempre tirei boas notas na escola. Logicamente que isso nos dias de hoje é quase nada, mas já é melhor que nada.
Quando recebi no w******p a informação que a Dollar S.I. estava selecionando estagiários, vi que era minha grande chance. A Dollar era conhecida por ser uma empresa inovadora, que investia muito na equipe e remunerava muito bem aqueles que se destacavam.
Agarrei com unhas e dentes a oportunidade.
Na análise do currículo, já fiquei em desvantagem. Na dinâmica de grupo, porém, tive a chance de tirar o atraso.
Os outros candidatos tinham muito conhecimento teórico, mas as dificuldades me ensinaram uma coisa que foi o diferencial: iniciativa. A necessidade te ensina a ter iniciativa.
Na última etapa, a entrevista individual, confesso que não foi fácil. Fui recebida por uma mulher que parecia saída de uma novela mexicana: bem maquiada, cabelo arrumado, perfumada, unhas bem feitas, I-R-R-E-T-O-C-Á-V-E-L.
Após algumas perguntas, ela não parecia muito satisfeita.
- Bem Alice, você tem um perfil interessante, mas está bem distante do perfil que a Dollar normalmente contrata. Há mais alguma coisa que queira acrescentar?
- Gostaria de fazer uma pergunta. - respondi.
- Pois não.
- Eu tenho um perfil muito diferente do restante da equipe?
- Sim, tem.
- Que bom! - respondi, com ar de entusiasmo.
- Que bom? - falou, com cara de dúvida.- Querida, acho que você não entendeu. Você não tem um perfil como o da equipe.
- Exatamente. Para uma empresa conhecida por ser inovadora, ter um perfil diferente deve ser um ponto muito positivo, não é? Não há inovação onde não há diversidade.
Sorri, mas ela não correspondeu.
Fui contratada.
Para o meu primeiro dia na Dollar S.I. planejei estar espetacular. OK, espetacular é um pouco de exagero, mas confesso que minha expectativa estava bem alta.Emprestei da minha vizinha uma saia preta (com o comprimento na altura do joelho, para não ficar vulgar), coloquei uma blusa vermelha de mangas longas com um decote retangular e um sapato de salto médio. A princípio prendi o cabelo em coque, mas achei que para minha idade estava senhora demais. Cabelo solto? Hummm, não posso perder a seriedade, e cabelo solto ficaria informal demais. Bem, um rabo-de-cavalo clássico resolveria. Pronto, discreta e chique. E a cereja do bolo: meu óculos com armação branca.Cheguei na Dollar confiante; mas toda essa confiança ficou já na porta de entrada. Eu imaginava que o lugar seria grande e bem decorado, mas o que eu vi era imensamente melhor. Sofisticado seria a palavra adequada para o descrever. Imenso
"Sejam bem vindos à Dollar S.I. Meu nome é Wanda, e ajudarei vocês no período de adaptação. É bom não me darem trabalho, ou terei que me livrar de vocês."Esse é meu discurso de boas vindas aos novos estagiários. Sou responsável por recebê-los, analisar o perfil deles e então decidir em que setor ficarão pelo período de experiência, que dura seis meses. Embora eu pareça rabugenta, gosto muito de trabalhar com isso. Gente novata sempre traz boas energias. Eles chegam cheios de sonhos, e as vezes é bom ver alguns realizá-los. Também é bom ver alguns cretinos darem o fora, e eu posso fazer isso.Entretanto, essa é a parte divertida do meu trabalho. Minha função principal é outra. Tenho 52 anos, e sou assistente pessoal do dono da empresa, John Dollar, há 20 anos. Fui contratada pelo p
A Wanda era durona, mas era legal. Algum tempo depois da nossa primeira conversa fiquei sabendo que ela era a assistente pessoal do sr. John Dollar, ou seja, não devia ser nenhuma maluca irresponsável. Mesmo assim, todos a chamavam de "cão de guarda".No primeiro dia na Dollar S.I. já conheci minha equipe de trabalho, super agradável! #sqnQuando Wanda e eu entramos na sala de Projetos estava a maior bagunça. Duas mulheres, uma loira e uma morena, estavam em pé discutindo, enquanto o restante do pessoal assistia. Se não fosse pela bela aparência de ambas, passariam fácil por duas vizinhas barraqueiras.- Você não sabe do que está falando, então não se meta! - esbravejou a loira.- A loira aqui é você! Você que é burra e não entende nada! - berrou a morena.- Eu não te chamei de burra, mas j&aacut
Eu estava muito preocupado. Wanda percebeu isso logo que entrou em minha sala e me viu olhando fixamente para a tela do computador. Poucas pessoas me conheciam tão bem quanto ela. - Oi Wanda. Vem cá, puxa a cadeira e senta aqui perto. - O que houve Johnny? Essa sua cara está me dando calafrios. - Olha aqui na tela. Me diz o que você vê. Wanda colocou os óculos e fez uma careta, forçando para poder enxergar. Em outra ocasião eu acharia graça. - É um aplicativo para controle financeiro. - É um aplicativo quase idêntico ao que vamos lançar semana que vem. -Quase idêntico?Mas que droga Johnny! Você acha que seremos acusados de plágio? - Se fosse só isso eu não estaria tão preocupado. O problema é que este é o segundo caso em menos de seis meses. Eu acho é que o nosso aplicativo foi copiado. Wanda ficou paralisada, como se estivesse em estado de choque. - John, você acha q
Aquele primeiro dia não havia sido nada fácil, mas finalmente tinha acabado. Absolutamente diferente de qualquer coisa que eu pudesse ter imaginado.O pessoal do setor de projetos parecia um bando de loucos; mesmo os mais legais, como o Diego e o Ed, não eram muito normais. Será que foi por isso que a Wanda me colocou lá? Vai ver eu também não sou muito normal.Seja como for, estava na hora de eu ir pra casa. Fui ate o estacionamento e peguei minha bicicleta. Na hora de escolher minha roupa não me dei conta do quanto era inapropriada para andar de bicicleta. Dica: sempre se vista de forma apropriada ao seu meio de transporte. A parte boa é que na volta eu tinha uma preocupação a menos que na vinda: podia amassar a roupa.Saí do estacionamento da empresa e seguia tranquilamente pela ciclovia; parei no semáforo e aguardei ele "fechar" para os carros. Quando o sinal fic
Apesar de ainda estar preocupado, terminei o dia um pouco mais aliviado por já ter um plano.Seguia de carro para casa e Wanda estava comigo . Fazia questão de lhe dar carona todos os dias, simplesmente porque conversar com ela me ajudava a clarear minhas idéias. Era como uma segunda mãe.Conversávamos sobre um assunto qualquer, quando Wanda gritou, enquanto apontava para algo fora do carro:- Johnny olha!!! Naquele outdoor, a propaganda do aplicativo concorrente! Desgraçados...Eu examinava o outdoor quando Wanda deu um novo grito e senti um leve baque no carro. Freei de imediato.Foi exatamente nessa sequencia: grito-outdoor-grito-baque-freio.Olhei pra frente e vi uma moça e uma bicicleta caídos no chão. Fui sair imediatamente, mas Wanda segurou meu braço.- Não sai Johnny.-Tá louca Wanda, eu preciso ver se a garota s
Sou um cara bem vivido para minha idade, mas tenho que confessar que toda aquela história de disfarce estava sendo emocionante pra mim.Wanda, como de costume, foi fundamental na execução do plano, a começar pelo meu figurino.- Querido, vou fazer você parecer um gatinho dez anos mais jovem. - falou, ao me entregar as roupas que tinha comprado.E ela tinha razão; a calça jeans, a camiseta manga curta sobreposta a manga longa, o tênis all star e o óculos de grau fake realmente me rejuvenesceram.- Não tá meio forçado isso aqui não? - perguntei.- Falta um detalhe.Wanda bagunçou meu cabelo e depois , com a ajuda de uma escova e um spray, arrepiou meu cabelo.Me olhei no espelho e fiquei impressionado. Eu parecia um nerd! Mas um nerd quase jovem, o que atendia perfeitamente o plano.- Wanda, eu te amo.- Sei di
- Alice, nós estamos passando a entrada do restaurante.- Estamos passando a entrada do restaurante dos efetivados, a dos estagiários fica mais pra frente.- Desculpa, não sei se entendi. Os estagiários tem que almoçar em local separado?- Isso mesmo colega. Olha só, é aqui.Admito que não conhecia aquela parte da empresa; desconhecia inclusive essa regra de restaurantes separados. Absurda, por sinal. No mínimo os buffets deveriam ser iguais, mas constatei que tudo ali era inferior: menos opções de comida, espaco menor, cadeiras piores, poucos aparelhos de ar condicionado. Como aquilo passou batido por mim?- E só os estagiários almoçam aqui? - questionei, indignado.- Não, o restaurante atende estagiários, pessoal da limpeza e da segurança. Não entendo como a alta direção da empresa permitiu