Sou um cara bem vivido para minha idade, mas tenho que confessar que toda aquela história de disfarce estava sendo emocionante pra mim.
Wanda, como de costume, foi fundamental na execução do plano, a começar pelo meu figurino.
- Querido, vou fazer você parecer um gatinho dez anos mais jovem. - falou, ao me entregar as roupas que tinha comprado.
E ela tinha razão; a calça jeans, a camiseta manga curta sobreposta a manga longa, o tênis all star e o óculos de grau fake realmente me rejuvenesceram.
- Não tá meio forçado isso aqui não? - perguntei.
- Falta um detalhe.
Wanda bagunçou meu cabelo e depois , com a ajuda de uma escova e um spray, arrepiou meu cabelo.
Me olhei no espelho e fiquei impressionado. Eu parecia um nerd! Mas um nerd quase jovem, o que atendia perfeitamente o plano.
- Wanda, eu te amo.
- Sei disso, eu também me amo. Mas não vai adiantar essa produção toda se você não convencer na atuação. Lembre que você é um estagiário, então você vive com pouco dinheiro, sua família é pobre e só usa roupas baratas. Não Ferrari, sim ônibus. Entendido?
- Tá aí Wanda um desafio grande pra mim. Eu não sei como é ser pobre.
- Então querido, vai ter que aprender. Deu nossa hora. A Dollar S.I. nos espera. E o dono da empresa odeia atrasos .
- Tenho certeza que o dono é um idiota Wanda.
- Eu também tenho certeza disso, palhaço! Agora vamos, senão vão desconfiar.
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Já na empresa, Wanda seguiu o protocolo de apresentação dos estagiários.
A primeira vista achei a equipe bem profissional, especialmente Pam, Susan e Ed. Não vi a garota da bicicleta.
Mas tão logo a Wanda saiu, o clima mudou.
- Aff finalmente a cão de guarda saiu . Ninguém merece aquela cara feia dela. - falou a tal Megan, que num primeiro momento se mostrou tão gentil.
- Agora me expliquem, porque mais um estagiário? Era melhor que aumentassem o salário de alguém que já está aqui. - disse Susan.
- O meu por exemplo né ! O Dieguinho aqui já deu muito lucro pra essa empresa viu.
- Lucro dei eu, fazendo mágica pra conseguir promover esses projetinhos meia-boca de vocês - falou com tom superior Adele.
- Se voce é tao autosuficiente, porque nao monta um negocio pra você? Ninguém aqui ia se importar. - rebateu Megan.
Adele não deixou barato:
- Ninguém ia sentir falta é destas tuas roupas cafonas.
E a discussão continuou.
Nesse ponto eu já estava boquiaberto. Eu até pensava que a equipe poderia estar um pouco desmotivada, mas não achei que iam ter esse nível de comportamento. Éramos uma empresa modelo, conhecida pelos métodos inovadores - inclusive de gestão de pessoas - e aquilo que eu tinha presenciado parecia inadequado até para os moldes antigos de negócio.
Enfim, eu teria que pensar nisso depois. O importante era me concentrar no traidor. E ali, pelo que percebi, suspeitos não iam faltar.
Pam então parou com a algazarra da equipe, e cada um foi cuidar de suas coisas. Eu fiquei auxiliando Tom a planilhar alguns dados.
- E então Johnny, assustado com o trabalho? - perguntou.
- Não não... pra mim é tudo bem novo, mas acho que vou dar conta . Vou tentar pelo menos.
- Eu sei que o salário de estagiário deve ser uma droga , mas quando pensar em desistir, olha pra uma dessas gostosas que tem aqui e imagina que ela tá te dando mole. Comigo funciona.
Acenei com a cabeça, concordando.
"Caramba viu! Que tipo de perfil nosso RH anda procurando?" - pensei - "eu mesmo sugeri uma campanha falando da valorização das mulheres. Mas que mer..."
- Você tem companhia pra almocar?
Fui despertado dos meus pensamentos por aquela voz conhecida. Me virei e ela estava lá, me olhando com aqueles olhos castanhos, escondidos pelos óculos brancos: a garota da bicicleta.
- Eu? Na verdade não tenho não. Sou novo aqui, prazer, Johnny, o novo estagiário . - falei e estendi a mão para cumprimenta-la. Prontamente ela correspondeu.
- Novo estagiário ? Não lembro de ter te visto durante o processo seletivo.
- Na verdade eu participei de um processo anterior. Só entrei agora porque parece que alguém desistiu.
- Nossa, como alguém tem coragem de desistir daqui? É o melhor lugar do mundo pra trabalhar. Que a Pam não me escute, mas eu seria capaz de trabalhar todo o tempo do estágio de graça, só pra tentar ser efetivada aqui.
Puxa, que empenho. Ela realmente era diferente. Talvez o elogio à empresa tenha me influenciado um pouco, mas gostei da conversa dela. Muito melhor que do restante da equipe.
- Enfim... quer almoçar comigo então? Eu também sou estagiaria, me chamo Alice.
- Eu adoraria Alice... digo... claro, vamos sim. Você vai chamar o resto do pessoal?
Alice sorriu, se enganchou em meu braço e fomos caminhando.
- Johnny, se tem uma coisa que eu aprendi no meu primeiro dia aqui foi o significado da palavra "segregação ".
Aquilo não me pareceu um bom prognostico.
Mas fiquei satisfeito com o convite. Ja sabia que Alice era muito sincera, seria bom ter a opinião dela sobre os membros da equipe. Talvez falasse algo que me ajudasse a descobrir o traidor.
Nessa hora lembrei do sonho, e senti meu coração acelerar.
Agora meu sonho tinha nome. Alice.
Doce Alice.
- Alice, nós estamos passando a entrada do restaurante.- Estamos passando a entrada do restaurante dos efetivados, a dos estagiários fica mais pra frente.- Desculpa, não sei se entendi. Os estagiários tem que almoçar em local separado?- Isso mesmo colega. Olha só, é aqui.Admito que não conhecia aquela parte da empresa; desconhecia inclusive essa regra de restaurantes separados. Absurda, por sinal. No mínimo os buffets deveriam ser iguais, mas constatei que tudo ali era inferior: menos opções de comida, espaco menor, cadeiras piores, poucos aparelhos de ar condicionado. Como aquilo passou batido por mim?- E só os estagiários almoçam aqui? - questionei, indignado.- Não, o restaurante atende estagiários, pessoal da limpeza e da segurança. Não entendo como a alta direção da empresa permitiu
Nos encontramos num restaurante no centro da cidade, conforme o combinado. Ele chegou às 12 horas, pontualmente. Era a primeira vez que o via, mas sabia que era ele por causa do bordado na pasta que carregava: "Templateh Company".- Bom dia, sente-se por favor. - falei.- Obrigado.- Quer que chame o garçom?- Não, agradeço, mas estou com uma certa pressa.- Que bom, eu também. Vamos logo ao assunto então. Você é o dono da empresa, certo?- Na realidade, sou um representante. Ele me enviou.Me levantei.- Então acho que há um equívoco aqui. Deixei bem claro que desta vez só aceitaria falar com o dono. Vou embora. Passe bem.- Espere. Ele sabia o quanto você dava valor que ele estivesse presente, mas teve um imprevisto. Em compensação ele já mandou um demonstrativo de seu interesse no neg&o
- Ele é bem gato, pena que é mais um pobretão. - disse Adele.- Ou seja, o homem perfeito para uma boa diversão. - rebateu Megan.As duas conversavam serenamente, sentadas no sofá da ante sala do setor de projetos. Quem as via ali, não imaginava a quantidade de barracos que já protagonizaram. Eu já estava lá quando elas chegaram, mas como de costume, agiram como se eu nem estivesse presente.- Ah não sei se rende diversão não. Apesar de bem cuidado, ele não é tão novinho assim. Pra ainda ser estagiário não deve ter muita inteligência.Nossa, só podiam estar falando do Johnny, o novo estagiário. Ele entrou um dia depois que eu, mas aparentemente foi melhor aceito pelo grupo; enquanto ele ajudava o Tom a fazer planilhas, eu ainda estava so buscando café ou digitalizando documentos. Eu não sabia o porqu&ecir
- Wanda, eu preciso da sua ajuda. Acho que só você vai conseguir me ajudar.Nem precisei insistir muito para que a Wanda soubesse que eu estava falando sério, afinal não era comum eu aparecer na casa dela a noite, ainda mais sem avisar.- Claro Johnny, entra. Senta aí. Quer algo pra beber?- Não, obrigada. Desculpa vir a essa hora.- Você sabe que entre nós não tem essas formalidades. Agora me fala, o que houve?- Eu agi por impulso Wanda. Uma droga de um impulso. Justo eu, tão controlado. Agora eu tô com um problema que não tem MBA no mundo que me ajude a resolver. Mas você pode. De todo mundo que eu conheço, só você pode.___________________________________________Para você entender como fui chegar nesse ponto, preciso voltar um pouco no tempo, mais precisamente no começo do dia.Cheguei na empresa e
- Vamos fazer um jogo garotão; você vai me falando o que você planejou pro encontro e eu digo se entra na categoria popular ou não, ok?Wanda era terrível quando resolvia ser sarcástica, mas eu estava aliviado dela estar ali pra me ajudar.- Primeiro: onde você está pensando em levar ela?- Como vamos sair a noite, o ideal é um restaurante. Talvez aquele italiano na...- Resposta errada!- Puxa vida... Entao pode ser um restaurante mais simples Wanda, você pode me indicar um.- Pra ser compatível com seu salário, o restaurante vai ser de um nível , tipo, péssimo. É isso mesmo que você quer pro primeiro encontro?- Não, não é. E então? Um cachorro quente na rua?- Viu só, já tá pensando mais humildemente, mas acho que não precisa tanto também. Uma pi
Aquele dia foi um dos mais longos da minha vida. E aquela angústia toda que eu sentia não fazia o menor sentido para mim. Eu já havia saído com muitas mulheres, de várias idades e de várias classes sociais, então aquele encontro deveria ser só mais um. Mas eu me sentia diferente. Talvez vez fosse pelo fato de que dessa vez não seria tudo de acordo com meu gosto; eu ia viver uma outra realidade.Vi Alice logo que entrei no escritório e imaginei que ela estaria nervosa, mas eu estava muito enganado.- Oi Johnny, tudo bem? Pronto pra mais um dia de luta?Ela não parecia nem um pouco alterada.- Sempre. Tenho que trabalhar né, então o jeito é encarar. Pelo menos o fim do dia vai ser melhor do que de costume - falei com um sorriso discreto.- Fim do dia? Por que? Vai ter alguma diferente aqui hoje?John, seu estúpido. T&atild
Finalmente o dia chegou ao fim. Saí dez minutos antes, para poder encontrar a Wanda numa parte privada do estacionamento da empresa, pegar o carro e as flores.Quando cheguei no local logo avistei ela, e ao seu lado uma Duster. Fui logo mostrando minha satisfação?- Gostei de ver! Sabe que eu estava levando a sério aquela história de carro velho? Esse carro até que tá bem legal.- Tá falando do que sonhador? - Wanda retrucou - Esse carro aqui é meu. O teu é aquele ali. - falou, apontando para um fusca estacionado num canto.- Po Wanda!!! Tudo bem um carro velho, mas tinha que ser justo um fusca? O que aconteceu com o uno, o gol? Um pálio que fosse?- A única pessoa que tinha um carro velho e que eu tinha intimidade pra pedir emprestado era meu ex-cunhado, entao pega aqui a chave e nao reclama. Vai ser ate bom, vai ser mais convincente.Eu se
A pizzaria não era tão ruim assim; ou talvez minha visão do local estivesse distorcida devido a alegria de Alice. A verdade é que depois daquele vexame com o fusca, encarar qualquer coisa seria fácil.Ela estava extremamente a vontade, o que confirmava a hipótese de que para ela aquilo era um encontro de amigos. Mas isso não me preocupava; eu não tinha pressa.Falamos de trabalho, de passado, de família, de internet. Eu escutei muito mais do que falei, até porque não podia falar a maioria das coisas da minha vida sem entregar meu disfarce.Já estávamos lá há umas duas horas e eu ainda não havia conseguido uma deixa para perguntar se ela tinha algum compromisso. Foi quando ela comentou sobre o divórcio de uma amiga que aproveitei a oportunidade:- E pra você, o que é fundamental para um relacionamento dar certo? Dinheiro... be