Sentimentos

Ao chegar em casa, Alice tomou um banho e logo esparramou-se no sofá. O dia de trabalho havia sido intenso e ela estava satisfeita por ele ter acabado. Se serviu da comida que sua mãe havia preparado para o jantar e após comer juntou-se à ela e seu pai na sala, para assistir a novela.

Alice sabia que príncipes encantados não existiam, mas não podia negar que seu relacionamento com Johnny era digno de um belo filme de romance. Além de amá-lo demais, sentia que era imensamente correspondida. Johnny demonstrava no dia-a-dia seu sentimento por ela, preocupando-se com sua saúde, bem estar e todo tipo de realização pessoal e profissional. Parecia que eles se conheciam desde sempre, desde outra vida.

Entretanto, algumas coisa precisavam ser melhoradas; Johnny visitava frequentemente a família de Alice, mas não podia-se dizer o mesmo dela. Apesar dos pais de Johnny sempre a tratarem com muito amor, simplicidade (no máximo que a condição de bilionários lhes permitia) e respeito, não era fácil para ela conviver com todo o resto: funcionários que a olhavam desconfiados, parentes que a tratavam com desdém, protocolos aos quais ela não estava acostumada.

- Mas quanto barulho lá fora! Quem tá fazendo essa bagunça a essa hora? – perguntou Janete, a mãe de Alice.

- Parece barulho de caminhão. Alguém deve estar se mudando.

- Será Tadeu? Mas a essa hora? No escuro?

Vencida pelo cansaço, Alice permaneceu concentrada na novela, enquanto seus pais debatiam os possíveis motivos da movimentação que estava ocorrendo da rua.

O barulho de coisas sendo movidas aumentou, e à ela se uniu o zumzumzum de diversas vozes; num misto de preocupação e curiosidade, Janete se levantou e foi até a janela.

- Tadeu do céu! Você não vai acreditar no que tá acontecendo aqui! É um mundaréu de gente carregando coisas!

- Mas foi isso que eu falei Janete! Mudança é assim mesmo. Carregar coisas... bater papo. Deixa eu assistir minha novela.

- Então tão mudando a vila inteira, porque é muita gente!

Esse cenário continuou até o barulho da movimentação se tornar tão alto que não era mais possível escutar os diálogos da novela; Alice então se levantou.

- Nossa, mas esse barulho tá fora do normal mesmo. Será que foi algum acidente?

- Já que eu não consigo ver minha novela sossegado, vamos lá fora ver o que é! – disse Tadeu, enquanto caminhava em direção a porta – Como é difícil ter um pouco de paz!

Ao saírem da casa, ficara momentaneamente perplexos com o que viram.

A rua estava interditada em dois pontos, numa distância total que dava a largura de cinco casas, sendo que a de Alice estava bem no centro. A rua estava repleta de poltronas, dispostas em fileiras e num formato retangular; em frente à elas, uma tela gigante, suspensa por dois caminhões munck. Cercando tudo isso, diversas luminárias clareavam a rua, tornando aquela imagem um cartão postal romântico.

- Alice do céu, isso não parece um...

- Um cinema ao ar livre, mãe... Nada mais, nada menos, que um cinema no meio da nossa rua...

Muitas pessoas se aglomeravam no local: vizinhos curiosos que andavam examinando tudo, outros mais à vontade já se sentavam nas poltronas, e várias pessoas que estavam terminando a montagem dos equipamentos.

O pai de Alice ficou aflito.

- Mas de onde veio tudo isso? Eles deixaram algum aviso pra gente Janete, sobre ter um evento aqui?

Antes que a mãe de Alice respondesse, um garoto parou na frente dos três com um saco de pipoca.

- E aí galerinha, tudo em ordem? Podem sentar, que tá todo mundo convidado pro cinema!

- Betinho!!! – exclamou Alice – Que bom te ver! Mas o que você tá fazendo aqui garoto? Você está sozinho? Você sabe me dizer o que significa tudo isso?

- Então tia... dizer eu não posso não, mas fica susse que logo  descobre. Querem pipoca?

- Ah eu aceito, obrigado. – Tadeu assentiu com a cabeça e estendeu a mão, na mesma velocidade em que Betinho puxou o saco de pipoca.

- Aí véi, essa pipoca é minha, se quiser pode pegar uma pra você ali na barraquinha do pipoqueiro.

Sezão apareceu ao lado do garoto e arrancou de suas mãos o saco de pipoca.

- Oi pessoal. Desculpem o mau jeito do meu filho, mas ele não tá muito acostumado a conviver em sociedade, sabe? – sorriu e entregou o saco de pipoca para o pai de Alice, que aceitou, ainda meio espantado com a situação toda.

- Agora vai pegar outra pipoca pra você filho, vai lá.

O garoto olhou para o pai com cara de bravo e saiu andando em direção ao pipoqueiro.

- Sezão, o que está acontecendo?

- Então Alice, logo logo todo mundo vai descobrir né. Vamos sentar, vamos. Venha seu Tadeu, dona Janete, venham aqui, fiquem a vontade, se sintam em casa... eita, na verdade vocês estão praticamente em casa né! – Sezão explodiu numa gargalhada, mas vendo os demais ainda sérios – sem entender nada – voltou a ficar sério também.

Alice puxou Sezão em um canto.

- O Johnny tem alguma coisa a ver com isso Sezão?

O Homem, normalmente tão despojado, corou.

- Alice, veja bem...

Neste momento as luzes se apagaram e começou uma contagem regressiva no telão.

- Vem Alice, vamos sentar. Depois a gente conversa.

Começaram a passar no telão imagens em preto e branco de Johnny e Alice, enquanto tocava "Thinking Out Loud' de Ed Sheeran.

Olhando as imagens, Alice lembrou de tudo pelo que passaram: o atropelamento, o primeiro encontro, o primeiro beijo, a briga, a separação, a reconciliação... a sensação de achar que Johnny havia morrido. A sensação de solidão, de perda de si mesma; não pôde conter as lágrimas. Como explicar um amor como o deles?

Entre vários suspiros e "ooowwnn" o vídeo foi finalizado, mas as luzes não se acenderam; somente um mini-palco, próximo ao telão, ficou iluminado.

Alice então viu Johnny no palco, sentado em uma cadeira em frente a um microfone, com um violão apoiado no joelho.

- Boa Noite pessoal. Obrigado pela presença de todos, tanto àqueles que me ajudaram a montar tudo isso, quanto àqueles que nem fazem ideia de quem eu sou. Bem, meu nome é Johnny e eu estou aqui por um motivo muito especial: eu preciso falar do amor incalculável que eu sinto pela minha amada, a minha princesa, a mulher da minha vida, Alice. Estou aqui pra testemunhar como o amor pode transformar a vida de um homem; como esse amor pôde me tornar uma pessoa melhor. Eu poderia ficar falando aqui por horas, mas eu não sou muito bom pra falar de sentimentos... então, eu resolvi me arriscar de outra forma. Alice, eu posso não ser o melhor cantor do mundo, mas pode ter certeza que amar você faz eu me sentir capaz de qualquer coisa. Então... lá vai...

Johnny então começou a tocar o violão e, à sua maneira, cantou a música "De Janeiro a Janeiro", de Roberta Campos.

"Não consigo olhar no fundo dos seus olhos

E enxergar as coisas que me deixam no ar, deixam no ar

As várias fases, estações que me levam com o vento

E o pensamento bem devagar

Outra vez, eu tive que fugir

Eu tive que correr, pra não me entregar

Às loucuras que me levam até você

Me fazem esquecer que eu não posso chorar

Olhe bem no fundo dos meus olhos

E sinta a emoção que nascerá quando você me olhar

O universo conspira a nosso favor

A consequência do destino é o amor

Pra sempre vou te amar

Mas talvez você não entenda

Essa coisa de fazer o mundo acreditar

Que meu amor não será passageiro

Te amarei de janeiro a janeiro

Até o mundo acabar

A plateia, comovida, se manifestou numa explosão de palmas e assovios, enquanto Alice ainda enxugava as lágrimas.

Johnny desceu do palco e foi até ela; se ajoelhou, e tirou do bolso da calça uma caixinha.

- Alice, eu pensei em um milhão de maneiras de demonstrar o quanto eu te amo e o quanto você significa em minha vida; mas nem que eu subisse no monte mais alto, ou descesse no vale mais profundo, eu conseguiria achar algo à sua altura e nem à altura do que eu sinto por você. Então eu me toquei que não importaria o que eu fizesse, nunca seria o suficiente. O único modo de eu te provar o quanto meu amor é forte e incessante é fazendo você acreditar nele todos os dias, a cada minuto da sua vida. E isso, Alice, eu só posso fazer se você me der a honra de passar a minha vida ao seu lado.

Johnny abriu a caixinha e mostrou uma aliança dourada, cravada com delicados diamantes.

- Alice, você aceita se casar comigo?

O silêncio foi tamanho, que Johnny parecia poder ouvir as batidas do próprio coração.

Alice, com os olhos marejados e um sorriso iluminado, respondeu:

- É claro que eu aceito!

Todos aplaudiram a cena de pé, enquanto o casal selava o momento com um beijo apaixonado.

Passaram-se cerca de duas horas até que todos os presentes acabassem de cumprimentar o casal.

Alice viu que mais pessoas conhecidas estavam lá torcendo por eles, como Wanda, Ed, Tom, Diego e até mesmo o pequeno Willy. Todos, tanto para ela quanto para Johnny, faziam parte da família.

- Ei tio Johnny, falou bonito hein. Meio sentimental demais, mas foi bonito.

- Valeu Betinho. Era pra ser sentimental mesmo, afinal falei de coração.

Sezão não perdeu a deixa:

- Viu só filho, tem que estudar, pra aprender a falar bonito igual o Johnnão.

- Sabe pai que me deu até uma vontade de ser político? Subir no palco e ficar falando essas coisas sobre ajudar os outros? Como chama isso?

- Comício. – respondeu Johnny.

- Isso aí tio. Fazer um comício nervoso.

- Até que não é má ideia filho. Tamo precisando de uns políticos bons mesmo, que representem os pobres.

Betinho fez cara de reprovação.

- Representar os pobres? Por quê eu vou representar os pobres?

Sezão fez uma expressão de quem não havia entendido a pergunta.

- Por quê você vai representar os pobres? Seria porque VOCÊ É POBRE?

O garoto ficou boquiaberto.

- Eu? Eu sou pobre?

Nós somos pobres Betinho. A gente ganhou uma bela duma casona do Jonnhy, mas a gente ainda tá longe de ser rico.

- Então quando os políticos falavam que iam fazer as coisas para ajudar os pobres, eles tavam falando de ajudar a gente?

- Isso mesmo Betinho. Ajudar todos os pobres, inclusive a gente.

- Mas que coisa mais sem sentido. Na escola, eu vi no dicionário que pobre é quem é menos favorecido e não tem o que é considerado necessário e básico pra viver. - O garoto virou de costas para Johnny e Sezão e saiu caminhando, enquanto falava - Mas eu sempre tive uma família maneira, gente que me ensinou o que é certo, sempre tive o amor da minha mãe . E eu sou pobre? Eu tenho o que é necessário pra viver. Pobre é quem é ladrão, bandido, pilantra. Quem não tem amor. Tá loko hein véi, sociedade mais sem noção. Eu posso ser humilde, mas pobre eu não  não.

Johnny e Sezão se entreolharam.

- Talvez seu filho tenha razão. Nosso conceito de pobreza está equivocado.

Sezão sorriu.

- Ele vai ser um ótimo presidente.

Wanda estava escondida no banheiro da casa de Alice, retocando a maquiagem. Não queria que ninguém a visse daquele jeito, toda borrada de tanto chorar. Todos sabiam que ela adorava Johnny como a um irmão mais novo, mas demonstrar fraqueza era algo que ela detesta fazer.

Já estava quase pronta quando seu celular tocou.

- Alô. Sim, é a Wanda. Quem é?

Wanda precisou se sentar, tamanho o atordoamento que teve ao escutar o que lhe contaram. Desligou o telefone e correu para encontrar Johnny.

- Johnny, desculpa estragar o clima, mas nós precisamos ir para a Dollar S.I. AGORA.

- Calma Wanda, respira. O que houve?

- No caminho eu te conto. Você dirige; eu preciso ligar para a polícia.

- Polícia? É tão grave assim?

- É Johnny. E levante as mãos para o céu se eu não precisar ligar para o IML.

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