Fernanda CastellaneA luz baixa da sala é o único brilho que me acompanha, refletido discretamente no vidro da televisão enquanto a série Rainha Charlotte continua tocando. Estou largada no sofá, só de robe, as pernas dobradas sob o corpo e uma garrafa de vinho descansando preguiçosamente na minha mão.Charlotte acabou de dar uma resposta afiada para o rei, e eu dou uma risada baixa.Tão poderosa.Tão dona de si.Queria me sentir assim agora.Pego o celular para ver as horas.21h30, então vejo a mensagem dele... ele vai vim... não, já deve está chegando! porra! tem uma hora que ele enviou essa mensagem.— Droga... — murmuro, me sentando de forma mais ereta.Meus pés deslizam sobre o chão frio da cozinha. Abro a geladeira, fecho. Olho para a bancada. Nada me inspira, não, não tem nada rápido e fácil para preparar.— Não vai dar tempo de preparar nada pra ele...Meu olhar vai para o forno do fogão, a ideia simplesmente surgindo na minha cabeça. Mordo lábio.— Comer... — abro um sorriso,
Três dias depois...Fernanda Castellane:Finalmente o dia de voltar a rotina de fauldade e hospital chegou, estrango a paz de uma mulher recem casada. Tem apenas três dias que comecei a morar oficialmente com Pietro, e não consigo descrever nenhuma sensação melhor do que poder dizer que tenho uma marido .Mesmo que seja por um contrato...Não importa, enquanto for válido, Pietor é meu marido e fim.E, o que me deixa ainda mais feliz é fato de ele ter me permitido mudar para o quarto dele." Vai facilitar suas lições matinais, já que as noturnas sempre nos deixam exaustos." - minhas palavras ensaiadas ecoam, mordo o lábio segurando o riso com a lembrança.Ele soltou uma risada baixa, daquelas que ele faz quando está tentando esconder que está sorrindo. Não discutiu. Só puxou o lençol de lado e me deixou entrar. Foi no segundo dia que, depois da loucura deliciosa da noite onde fui seu jantar e tive que servi a osbremessa na cama, ele me puxou de leve para o peito dele.E foi assim que p
Fernanda Castellane:O vento sopra com força leve sobre o terraço, trazendo consigo um frio discreto que arrepia meus braços por baixo do jaleco. As luzes do hospital tremeluzem à distância, e o céu, salpicado de estrelas, parece mais silencioso do que deveria.Tiago está encostado na mureta, com os braços cruzados e o olhar perdido no horizonte. Seu corpo está aqui, mas tudo no modo como se mantém afastado me diz que ele queria estar em qualquer outro lugar, longe de mim.— Me trouxe aqui só pra ficar me encarando? — ele pergunta sem virar o rosto, o tom carregado de mágoa e ironia mal disfarçada.— Ti... — minha voz sai hesitante. — Por que está se comportando assim comigo? Eu sou sua amiga...— Não. Não somos amigos, Fernanda.As palavras dele são como um tapa inesperado. Arregalo os olhos, dando um passo para trás, como se o chão tivesse se tornado instável de repente.— Nã-ão...? — sussurro, quase sem acreditar.Tiago finalmente vira o rosto, e quando nossos olhares se encontram,
Fernanda Mendonça:Concentre-se Fernanda. Você já passou por várias simulações na faculdade, respire fundo e ajude! — Pressão arterial subindo! — A voz da enfermeira corta o ar, carregada de tensão.— Precisamos acelerar — a obstetra declara, sua postura rígida transparecendo a gravidade da situação. Ela se volta para o anestesista. — Ela está estabilizada o suficiente?— Podemos começar — o anestesista responde com um breve aceno, embora o nervosismo esteja evidente em sua voz.Meu coração parece pular do peito quando o bisturi na mão da doutora reluz sob a luz fria da sala. O ambiente ao meu redor parece diminuir, cada som ampliado como se estivesse dentro de uma bolha prestes a estourar.Droga! A simulação nunca é como a vida real.A obstetra começa a incisão, suas mãos rápidas e precisas. O sangue surge na pele pálida da paciente, e o som dos instrumentos sendo passados de mão em mão enche a sala, um ritmo quase hipnótico.— Chegando na cavidade uterina — informa a Dra.Sinto o s
Pietro Castellane:— Sei que o momento é delicado para o senhor — minha secretaria começa. — Mas os novos estagiários chegaram ontem, você ainda não se apresentou a...A frase dela é interrompida pelo som agudo do meu celular vibrando em meu bolso.— Um momento, Emile — tiro o aparelho do bolso e vejo o nome da médica da minha esposa na tela. Meu coração acelera. — O que aconteceu? — Atendo imediatamente, minha voz soando mais firme do que me sinto por dentro.O silêncio do outro lado dura uma fração de segundo, mas é longo o suficiente para que meu estômago se contraia em um nó.— Senhor Castellane, o estado da sua esposa piorou. A pressão dela está perigosamente alta. Precisamos fazer o parto de emergência agora. Não há tempo, ou perderemos os dois.O peso das palavras atravessa o meu peito como um soco. A sala ao meu redor desaparece em um turbilhão de vozes abafadas e formas indistintas, como se o mundo tivesse perdido o foco. A única coisa que ouço, clara como um trovão, é o som
Pietro Castellane:Ela está pálida, o rosto marcado por uma expressão que mistura cansaço, nervosismo e algo mais... culpa? Por um instante, fico paralisado pela surpresa de vê-la ali, mas a preocupação com Marina e o bebê rapidamente me tira do transe.— Minha esposa... — meus olhos caem para suas mãos cheias de sangue.Ela respira fundo, os lábios se comprimindo como se estivesse escolhendo as palavras com cuidado. O silêncio dela é ensurdecedor.— Seu filho... — ela começa, a voz baixa e hesitante. — Ele nasceu. Está na UTI neonatal agora. Mas...Meu mundo gira. A palavra "mas" ecoa na minha mente como uma sentença. Minha garganta aperta, e preciso reunir todas as forças para perguntar:— E Marina? Ela está bem?Fernanda desvia o olhar, os olhos brilhando com lágrimas não derramadas. Meu coração para. Cada músculo do meu corpo fica tenso, esperando pelo golpe.— Eu sinto muito, Pietro. Fizemos tudo o que pudemos... — ela diz, e sua voz falha no final.As palavras me atingem como um
Pietro CastellaneObservo a noite lentamente se render ao dia através da grande janela da minha sala no Vivaz. O céu, antes carregado de escuridão, ganha nuances de rosa, anunciando o nascer do sol. A luz tímida atravessa o vidro, mas não aquece. Não consigo sentir nada.Deslizo o jaleco pelos ombros, ajustando-o com gestos automáticos. Meus movimentos são precisos, mas vazios.Desço os corredores do hospital como se estivesse no piloto automático, cumprimentando rostos que não registro.Não sinto sono.Não sinto fome.Não sinto sede.Só existe uma coisa na minha mente, um único propósito que ainda me faz colocar um pé à frente do outro.Eu só quero ver o meu filho.O silêncio da ala neonatal é sufocante, quebrado apenas pelo som constante dos monitores. Meu olhar está fixo no pequeno corpo do meu filho dentro da incubadora, tão pequeno que parece que vai desaparecer a qualquer momento.As luzes frias da sala acentuam sua pele translúcida, cada batida do coração dele registrada no mon
Pietro Castellane:Adélia.Ela entra como um furacão, trazendo consigo uma presença que preenche a sala de maneira sufocante. Seus saltos ressoam no chão frio, e seu olhar varre o ambiente, passando por Fernanda como se ela não existisse, antes de fixar-se em mim.— Pietro, finalmente te encontrei — sua voz é firme, seria, imediatamente fico em alerta.Respiro fundo, tentando conter o incômodo que cresce no peito.— Adélia, agora não é um bom momento — meu tom é controlado, mas sei que ela não vai aceitar um “não” tão facilmente.Ela ergue uma sobrancelha, desdenhosa, então avança, ignorando minhas palavras.— Não é um bom momento? — O sarcasmo em sua voz me faz cerrar os punhos. — Meu herdeiro está nessa incubadora, e você acha que não é um bom momento para discutirmos o futuro dele? Acha que pode me impedir de vê-lo?Sinto o sangue ferver, mas mantenho a calma.— Adélia — meu tom soa baixo, como um aviso. — Não tem nem vinte e quatro horas que perdi a minha esposa, respeite o meu lu