03

– Olá, a senhora deve ser a acompanhante da senhorita Sackville, senhora Jhonson, não é? Eu sou Vivienne, assistente da diretora.– disse a senhorita Hamlets, enquanto sorria para a governanta da família Sackville. – A partir de agora, ela estará segura aqui conosco, será uma honra instruí-la de alguma forma pelos próximos meses. Estamos muito agradecidos pela preferência da família.

– Levarei seus agradecimentos à condessa de Dorset, obrigada senhorita.

– Aqui está a carta assinada pela diretora, desejamos uma boa viagem de volta. A senhorita Sackville já foi encaminhada aos aposentos dela e em seguida irá conhecer as dependências do lugar. A partir de agora, ela já não terá nenhum contato com alguém de fora.

– Obrigada mais uma vez, partiremos então.– Disse surpresa e ao mesmo tempo satisfeita com a rigidez daquele lugar. Era tudo o que a senhorita Sackville precisava.

De posse da carta assinada pela diretora, a senhora Jhonson partiu de volta para Londres. Ela achou algo familiar na fisionomia da jovem assistente, mas, nem em seus sonhos mais loucos, ligaria aquela jovem de excelente aspecto e bons modos, a empregada mal vestida e cabisbaixa a quem trouxeram a pouco tempo, até Luton.

– Meninas, a senhora Jhonson partiu na frente, ela ainda não está bem e quer estar em Londres o quanto antes. – disse a falsa Ivy, já de volta ao escritório da diretoria.– Acho melhor vocês partirem imediatamente, para não se distanciarem tanto.

– Claro, adeus querida prima, nos vemos em seis meses. Adeus senhora McGregor, muito obrigada.

Após toda a despedida, Ivy e Lunna entraram na carruagem que havia transportado a dama de companhia e a jovem atriz, de Luton até Buckinghamshire, as duas gargalharam aliviadas no interior do veículo, afinal haviam conseguido.

– Ivy, somos duas loucas, como isso pôde dar certo?

– Eu lhe disse que a senhorita Vivienne Hamlets era uma excelente atriz, não disse? Eu e Suzan, a vimos pela primeira vez em uma de nossas aventuras, vestidas como rapazes, entramos sem querer, naquele teatro decadente e avistamos a única estrela que realmente brilhava ali. Por curiosidade, a visitamos em seu camarim e descobrimos que o pai dela tinha uma enorme dívida com o dono do lugar. Eu prometi tentar ajuda-la, mas, logo depois Suzan casou com o meu irmão, engravidou e eu nunca mais voltei lá. Pra falar a verdade, eu fui um tanto egoísta e esqueci a senhorita Hamlets por mais tempo do que deveria.

– Pelo menos, agora, uma ajudará a outra. Ela irá se passar por você e estudar etiqueta pelos próximos seis meses e você pagará toda dívida do pai dela com aquele patife. Eu o conheci, quando fui até o teatro procura-la. 

– Nunca esquecerei o que você também fez por mim hoje, Lunna. Se não fosse você, não estaríamos a caminho da Itália. Sei o quanto se arriscou ao ir procura-la sozinha, no teatro, além disso, as duas também foram extremamente ágeis na troca de carruagens em Luton e ao chegarem na frente e convencerem a diretora de que ela era eu, que a governanta vinha logo atrás com a carta de recomendação da condessa, enfim, vocês foram perfeitas!

– Pode ser, mas, o plano foi todo seu. Agora, você precisa se trocar aqui dentro, Uma lady aristocrata jamais viajaria sem um responsável para tão longe. Tem certeza de que é isso o que deseja fazer?

– Já disse que sim. Uma criada não precisa se preocupar com a reputação, ou com o que a sociedade pensa. Passaremos praticamente invisíveis se formos duas criadas numa viagem sem classe. Não deve ser tão ruim assim. Você está com as passagens?

– Sim, serão seis meses inesquecíveis! Sempre sonhei em conhecer a Itália.

– Dizem que é bem mais livre do que aqui em Londres, pelo menos foi isso o que eu ouvi do Heitor quando chegou de lá. E não correrei tanto risco de encontrar alguém conhecido.– disse, enquanto trocava os seus trajes no interior da carruagem.

Agora, a parte principal do plano havia sido executada. A atriz que ivy conhecera algum tempo atrás se disfarçou de criada e prima de Lunna, vestiu-se com uma capa feia e ficou na maioria do tempo cabisbaixa, para não chamar tanta atenção; em Luton, um pouco antes de Buckinghamshire, Lunna e Vivienne fingiram chegar ao local onde moravam seus parentes e tomaram outra carruagem, que já as aguardava no local, porém, ao invés de seguirem pela cidade, prosseguiram no caminho para Buckinghamshire, um pouco a frente da carruagem da família Dorset, enquanto Ivy ganhava um pouco de tempo na cidade para que ninguém percebesse o rumo que elas haviam tomado. Ao chegarem no internato primeiro, as duas moças disseram ser Ivy e sua dama de companhia, e afirmaram que a governanta da família e uma prima vinham logo atrás, com uma carta da condessa sobre a permanência da filha no lugar. O papel de Ivy era fazer com que a governanta não entrasse no local e percebesse a farsa, o que para ela não seria difícil, afinal, apesar de ser leal a condessa, a senhora Jhonson ainda era uma serva da família, e também respeitava algumas ordens da filha de sua senhora, desde de que não passassem por cima da vontade da mãe dela, é claro. Neste caso, a única exigência da senhora Sackville, era de que sua carta fosse assinada pela responsável e trazida de volta, como uma garantia de que o local era agora responsável pela jovem dama. 

Tudo tinha corrido bem, e agora partiram rumo ao porto, vestidas como servas para que não fossem barradas no local. Com essa parte, Lunna já estava familiarizada, servia as famílias ricas de Londres desde a sua infância, antes disso, sua mãe e tias já o faziam a muito tempo. Por isso não viu perigo algum, ao entrar na parte mais marginalizada de Londres, à procura de Vivienne.

 Na verdade, já conhecia quase todos ali e uma boa porção dessas pessoas tinham algum grau de parentesco com ela, aquela era a região onde os mais pobres, que muitas vezes vinham do campo em busca de um emprego em Londres, poderiam morar.

Quando começou a ajudar sua mãe na limpeza da mansão dos Dorset, Lunna conheceu a pequena e astuta Ivy, que lhe tirava escondida do seu serviço para brincarem juntas e assim que virou mocinha pediu ao pai que lhe desse uma dama de companhia e que tinha que ser Lunna.

Mesmo jovem demais para ter uma dama, o conde sempre gostou de fazer as vontades da filha mais nova. Sabia que no fundo ela estava pedindo uma amiga, já que não tinha irmãos com a sua idade, e nem outras crianças próximas. Para servir bem a sua filha, Lunna parou de limpar e passou a frequentar as aulas de etiqueta, música e qualquer outra coisa que Ivy fizesse, e sempre se trataram entre si, como amigas, quase irmãs.

– Chegamos ao porto, Ivy, veja!

A jovem de Dorset nunca havia visto algo como o porto. Abarrotado de pessoas desconhecidas, muitos estrangeiros, servos e servas de um lado para o outro, com baús e malas de viagem, homens gritando pra vender seus produtos, crianças maltrapilhas correndo tão alegres.

– Isto é... tão incrível.

– Vai precisar de carregador madame? duas moedas e eu levo tudo. – perguntou um jovem com o rosto bronzeado do sol e aspecto cansado.

– Sim, estamos com pressa. – respondeu Lunna, apontando o navio em que deveriam partir.

– Estão mesmo! Os granfinos já entraram todos, a última classe já está terminando de subir, chegaram em cima da hora.– continuou o jovem enquanto carregava todas as bagagens até o píer, onde subiram as escadas até a entrada do imenso navio.

– Venha Ivy, não costumam esperar os atrasados da terceira classe. – disse Lunna, para a amiga deslumbrada que ainda observava tudo ao seu redor com curiosidade.

Na entrada do navio, dois homens recebiam os bilhetes e liberavam a entrada. Com exceção dos seus decotes, mal olharam para as duas, nem se apressaram em conseguir um carregador para levar as bagagens até às cabines no andar de baixo, para onde deveriam ir. 

– Acho que posso carregar as bolsas, se der duas viagens, talvez.

– Claro que não, agora somos duas servas, você não pode ficar trabalhando pra mim. Não podemos pagar alguém para isso?

– Duas servas não gastariam dinheiro com isso.

– Então, vamos, as duas, eu também consigo fazer alguma coisa.

As duas não levaram muita coisa, segundo as instruções de Lunna, as criadas não andavam com onze malas de vestidos, jóias e chapéus, como as ladys costumavam fazer. No máximo duas malas para cada e agora Ivy entendia o porquê. 

Apesar de ser pouca coisa, estava muito pesado e era horrível carregar aquilo. Com toda certeza, não estava nenhum pouco acostumada com aquilo. Alguns cavalheiros ainda passavam por elas, mas, bastava um olhar para decidirem não se importar e passar direto. Se estivesse como de costume, com um vestido elegante e as jóias da família, certamente não teria que carregar todo esse peso.

Apenas depois de com muito esforço para chegarem ao andar econômico do navio, um cavalheiro teve a gentileza de ajuda-las com o peso e leva-las até a cabine.

– Muito obrigada pela ajuda, senhor. Achei que os meus braços caíriam.

– Não há de quê, senhoritas. Esses granfinos não costumam se importar com gente como a gente mesmo. Mas, vocês não parecem com a maioria daqui... Não vieram pra classe errada?

– De forma alguma! – interrompeu Lunna.– Não fazemos serviços pesados, é verdade, mas, somos servas da mesma forma, e na hora de viajar é aqui que temos que ir, enquanto os granfinos aproveitam o luxo lá em cima.

– Isso é pura verdade. Se precisarem de mim, o meu nome é Jeff. Estou naquela cabine ali– disse o rapaz, apontando para uma das portas no corredor estreito.

– Um prazer conhecê-lo, Jeff. Eu sou Lunna e essa é Vivienne. 

Assim que Jeff saiu, Lunna fechou a porta da cabine atrás de si. O interior era pequeno e pouco iluminado. 

– Quando desconfiarem do seu disfarce de serviçal, fale mal dos seus senhores, a maioria dos servos faz isso, parece que funcionou agora.

– Como ele desconfiou? Esses vestidos são tão feios!

– Olhe para você, Ivy. Deve ser a criada mais bonita de toda Inglaterra. E dizer que os braços cairiam com duas malinhas, também não ajudou muito. Agora, preciso comer qualquer coisa e dormir, esse dia foi exaustivo.

– Acho que uma criada também não reclamaria sobre um dia exaustivo apenas por ter andado muito tempo sentada em uma carruagem. Está muito mimada, senhorita Lunna.

As duas riam e brincavam uma com a outra, enquanto arrumavam suas coisas na cabine. No dia seguinte iriam explorar o navio e traçar um novo plano para quando pisassem no solo italiano.

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