O mau humor de Nicolas parecia uma atmosfera negra saindo de sua cabeça. Seu silêncio e as sobrancelhas franzidas denunciavam que em mente estaria rogando alguma maldição para alguém.
Theodore sentia pena da vítima.
Enquanto andavam pelo refeitório segurando suas bandejas, escolheram uma mesa afastada perto das enormes janelas dentro do refeitório. Com a luz do dia passando pelo vidro, poderiam ter claridade e a paz necessária para o almoço e uma boa brisa para livrá-los dos diversos aromas misturados no ambiente.
Sentando-se um de frente para o outro, Theodore olhava o amigo com receio. Queria afastar aquela nuvem negra de sua cabeça, melhorar o humor com bobagens... Talvez devesse falar do seu atual filme favorito.. Oh, certamente não era uma boa ideia. Nicolas poderia esganá-lo como tentara de manhã.
Abrindo a garrafa de suco de laranja natural, Theodore pigarreou e desviou os olhos para a sua bandeja, fingindo naturalidade.
— É uma boa notícia que o time de vôlei tenha recebido um novo jogador, não é?
— O cacete que é!
Erguendo os olhos arregalados para o amigo, Theodore percebia que Nicolas estava rosnando entre palavras.
— Olha a boca....
— Não gostei dele, nem um pouco.
— De quem? Do Gabriel?
A mera menção do nome do aluno novo fizera o moreno rosnar mais alto. Theodore bebeu um gole do suco e começara a comer de seu almoço, sem pensar em uma boa conversa que acalmasse o seu melhor amigo.
— Eu sinto nele algo que me perturba — Continuava a comentar o moreno, girando o garfo no ar — Com certeza é uma fruta podre.
— Ele foi bem educado enquanto dividíamos o livro.
Theodore encolheu os ombros quando se dera conta de ter dado pistas de alguma coisa que tentara esconder. Principalmente quando Nicolas espreitara os olhos para si.
— Vocês conversaram durante a aula de história, não é? Eu vi ele te olhando, não tente mentir para mim Theo!
— Calma, calma. Ele apenas me agradeceu por dividir o livro. Por isso estou dizendo que comigo, por enquanto, foi educado.
Enfiando um pedaço de carne na boca, Nicolas bufava na cadeira e virava a cabeça para a janela.
— Com certeza a megera já deve ter falado bosta para ele.
— Olha a boca, Nico...
— Será questão de tempo até que ele também revele a sua verdadeira face. E pode apostar, Theo, aquele alfa é podre. Sinto o cheiro de podridão nele.
— Está se preocupando demais. Gabriel é amigo de Sadie, então a última coisa que irá fazer é se amigar com a gente.
— Justamente por ser o novo chaveiro dela que estou com raiva. Terei mais um deles no meu time, argh...
— Você será um excelente capitão que guiará seu novo companheiro para trazer a vitória ao time — Aconselhava Theodore, entregando suas batatas fritas ao prato do amigo — E mesmo que seja verdade que ele tenha uma personalidade distorcida, então irá mostrar que você não é afetado por isso.
— Não estou preocupado comigo, mas com você. — Enfiando duas batatas na boca, Nicolas olhara sobre o ombro do amigo e então suspirara sôfrego — Oh não.
Theodore não tivera tempo de questionar o motivo de seu descontentamento, já que a cadeira ao seu lado fora arrastada e Gabriel se sentava ao seu lado.
Arregalando os olhos e buscando ajuda de Nicolas, Theodore parecia ter petrificado no lugar sem saber como reagir.
Por que ele tinha que se sentar ao seu lado? Pelos céus, só naquela manhã Gabriel teria visto que Mckenzie e Nicolas não se davam bem. Não poderia nem tirar a razão de seu amigo sobre a ômega ter falado alguma coisa estranha sobre Theodore. Sendo assim... Por que Gabriel insistia em se aproximar?
Certo, ele era um aluno novo, lembrara Theodore. Talvez não tenha compreendido a situação ali na escola. O que o fazia se desesperar pelo segundo motivo... Nicolas parecia furioso.
A última coisa que gostaria de ter que lidar era com uma briga de seu melhor amigo logo no começo das aulas.
Respire fundo e se acalme, se você parecer calmo seu amigo entenderá que está tudo bem... Pensava Theodore.
— Está tudo bem eu me sentar aqui?
— Já sentou — Bufava Nicolas erguendo os ombros em alerta.
— Nico... — Repreendia Theodore antes de beber o seu suco.
— Acho que você não gosta muito de mim...
— Qualquer um que seja amigável com Sadie é merecedor do meu desprezo.
Theodore desistira de repreender o amigo. Era o auge. Ele estava de mau humor e não haveria nada que pudesse fazer para acalmá-lo. Preferindo manter-se neutro naquela briga, comera seu almoço silenciosamente enquanto ouvia os dois conversarem.
— Acho que entendo o motivo...— Gabriel olhava para Theodore e em seguida para Nicolas.
Theodore logo parou de mastigar ao perceber o olhar.
— Ela falou alguma coisa do Theo, não falou? — Questionava Nicolas, tendo uma veia aparente em sua testa.
A hesitação de Gabriel não fora bem vista, ou melhor, fora uma resposta muito clara. Nicolas batera as mãos contra a mesa causando um forte barulho, assustando os alunos em volta.
Theodore olhava sobre os ombros e se inclinava sobre a mesa para sussurrar.
— Se controle! Não quero uma cena no refeitório.
Respirando fundo, Nicolas balançara a cabeça voltando a comer. Gabriel fitava os dois com certa surpresa, e então descera os olhos para a sua bandeja.
Definitivamente aquela não era uma boa situação.
O loiro queria aproveitar a falta de informação de Gabriel para mostrar que ele e seu amigo eram boas pessoas. Era esperado que Mckenzie tivesse feito a sua jogada e garantido que o alfa ficasse ao seu lado. Então deveria fazer a sua jogada também, quanto menos inimigos melhor.
— Peço desculpas por Nico — Dissera Theodore baixinho, sorrindo gentilmente quando o alfa o fitara surpreso — Ele está sendo protetor apenas, não o leve à mal.
— Ei, Theo...
— Como pode ver, Mckenzie e Nico não se dão muito bem e por isso brigam toda vez que se veem.
— Entendi... E você também não se dá bem com ela?
A pergunta pegara Theodore desprevenido. Lentamente baixara seus olhos claros para o prato soltando um riso nervoso sem saber o que responder.
Uma pergunta difícil de responder quando se tinha profundas mágoas enraizadas no coração.
— Não, eles não se dão bem — Respondia Nico em um rosnado brando. — Quer um conselho? Se você for amigar com ela, fique bem longe do Theo.
Gabriel olhara de canto para Theodore percebendo que o garoto, dessa vez, não censurara o moreno. O conselho era válido, aparentemente. Batucando os dedos sobre a mesa, Gabriel logo sorria como um cavaleiro.
— Infelizmente quem decide minhas amizades sou eu. Não me importo muito com a rusga de vocês, mas se eu decidir que quero ser amigo de todos, então eu serei.
Theodore e Nicolas encaravam o aluno transferido como se fosse uma aberração com sete cabeças e diversos chifres. Se havia uma coisa que os alunos daquela escola sabiam era que ficar nos dois lados era impossível.
Mckenzie detestava Nicolas e Theodore. Não escondia isso de ninguém. E o sentimento era recíproco. A questão toda era que geralmente as pessoas se mantinham ao lado dela, por ser um ômega típica que segue a moda e atrai as pessoas com seu carisma.
Bem... Nicolas também era alguém carismático. Theodore imaginava que se eles não fossem amigos, era provável que o baixinho seria rodeado de pessoas que o admirassem. Mas por ser justamente seu amigo, os demais se mantinham afastados.
Tendo sua atenção roubada pelo professor de educação física acenando do outro lado do refeitório, Nicolas suspirou e se levantou levando sua bandeja junto.
—Técnico está me chamando, vá para sala primeiro, Theo.
— Hm? Ah certo, nos vemos mais tarde.
Passando pela mesa virando os olhos cansados para o aluno transferido, Nicolas não deixou de lhe sussurrar.
— Estou de olho em você novato. Sem gracinhas com o meu Theo.
Com sua postura cansada e curvada, Nicolas atravessava o refeitório. Theodore o acompanhava sobre o ombro até perdê-lo de vista, e quando encarara o seu prato quase vazio se dera conta de que estava sozinho com o alfa.
De novo.
O nervosismo lhe tomara o estômago e o coração disparara. Do quê deveriam conversar? Deveria dizer algo para amenizar aquela atmosfera tensa? Sabe-se lá o que ele pensava de si depois dessa discussão com Nicolas. E se aquela conversa resultara em mais uma inimizade?
Oh céus, não daria conta. Não poderia viver em paz?
— Vocês parecem bem próximos — Sussurrava Gabriel.
Theodore virou a cabeça para o aluno novo, não notando a mesma cordialidade que vira na aula de história. Gabriel mantinha os olhos baixos enquanto cutucava a comida com o garfo, com um semblante frio e os olhos escuros.
Completamente diferente do que pudera ver mais cedo.
Um frio na barriga deixara o loiro em alerta. Empurrando o prato desistindo de comer, Theodore cruzou os braços sobre a mesa escolhendo aproveitar a pouca privacidade que tinham para saber qual caminho escolher, se amigaria ou evitaria Gabriel.
— Ele é meu melhor amigo há anos.
Gabriel virou os olhos de canto, espreitando-os para o loiro em clara desconfiança.
— São apenas amigos? Sadie disse que estavam juntos...
— É claro que ela disse — Sussurrava Theodore.
Quando fitara Theodore com mais cuidado, Gabriel arregalava seus olhos castanhos. O loiro tinha um sorriso nos lábios, mas os olhos transpareciam tristeza enquanto fitavam a mesa.
— Ela está errada sobre isso?
Retribuindo ao olhar, Theodore encontrava algumas palavras escondidas nas entrelinhas. Desejava não tê-las encontrado. Agora teria de responder à elas.
Sabia muito bem que tipo de rumores Sadie Mckenzie espalhava na escola à seu respeito. Já que não foram nem uma e nem duas vezes que eles tiveram um entreveiro. Nicolas fora quem lhe salvara todas as vezes, puxando briga para si e lhe protegendo.
No final das contas o seu melhor amigo começara a fazer parte dos rumores. Diferente de Theodore que seria evitado pelos garotos da turma, Nicolas era tolerável por conta de sua habilidade esportiva e língua afiada quando de mau humor.
Ninguém conseguia ir contra Nicolas quando ele estava de mau humor.
O que era completamente diferente de Theodore, que se considerava um alvo fácil. Magoava com facilidade, era sensível... Principalmente por se encantar no primeiro olhar.
Gabriel poderia ser um bom garoto, gentil e honesto... Apesar de análise de Nicolas apontar o contrário. De toda forma, ele não teria nada a ver com aquela briga com Mckenzie. Envolver-se consigo o tornaria o mais novo alvo dela, enquanto que envolver-se com ela o tornaria mais um a ser evitado por si.
Qual deles seria o melhor para aquele garoto que recém entrara na escola?
— Não, ela não estava errada. — Admitia Theodore após um longo momento em silêncio — Eu sou um ômega gay.
Quando chegara naquela cidade, Gabriel não estava contente. Tampouco desejava retornar para a capital. A indiferença havia sido uma consequência de quando o seu mundo se tornara preto e branco. Nem mesmo enxergara esperança quando seus pais, repentinamente, avisaram da mudança por conta do emprego.— É a cidade de origem da empresa. Ficar perto do dono é uma grande oportunidade para nossa família.Certamente ficara feliz por seus pais terem conseguido a promoção na empresa, mas não sabia o motivo de aquilo se alastrar para si. Para Gabriel aquela mudança não faria diferença alguma, pois o prazer pela vida já não existia.Até o dia em que fora comprar o seu uniforme da nova escola.Sua mãe havia entregue o cartão e o papel com o endereço da loja onde poderia pegar seu uniforme. Seguir as orientações
O time de vôlei era mediano, mas muito bom e forte. O professor Marcos era bacana com seus alunos, mas rígido com seus atletas durante dos treinos. Com o olhar afiado, não perdia nenhum detalhe ou informação dentro da quadra. Para alguém que nunca participou de uma partida de vôlei, Gabriel estava agradecido por ser devidamente guiado.A sequência de treinos de saque era o último exercício do treino daquela tarde. Pela quadra coberta o eco dos tênis no amadeirado se espalhava junto com os gritos dos dez garotos que formavam o time oficial da escola.Enfileirados para cumprir com o exercício, Gabriel prestava atenção no garoto baixinho cuja braçadeira apontava como capitão do time. Diferente dos demais jogadores, Nicolas saía correndo em disparada para dar um grande salto e fazer o corte na bola sobre a rede. Seu corte era forte o suficiente para que o impa
A semana passara se arrastando para alguém que ansiava a chegada da sexta-feira.Theodore acreditava que ter sido honesto desde o começo fora o melhor para evitar problemas, uma vez que Gabriel se afastou de si até o dia em que o professor passara o trabalho.Pelo o que pudera ver, Gabriel ficara próximo de Sadie Mckenzie e do time de voleibol da escola. Como esperado sua popularidade crescia na medida em que seu talento atlético era lapidado pelo técnico.O aluno transferido brilhava como o sol no verão, sob os olhos claros de Theodore. O brilho era tanto que só podia ser admirado de longe.Fora um tanto quanto desapontador, admitia Theodore, não ter sido capaz de desenvolver uma boa amizade com o alfa. Mas era bem melhor do que aguentar ele e Nicolas brigando como fizeram no refeitório duas semanas atrás.Parecia que sua rotina retornara ao normal até um certo pro
Era um verdadeiro desafio não se apaixonar por Gabriel Jones.Principalmente quando ele estava tão perto ao ponto de sentir seu perfume amadeirado, ou então de ouvi-lo suspirar enquanto seus olhos castanhos passavam pelas linhas do caderno. Principalmente quando era simplesmente impossível não ficar olhando-o tão de perto, sem conseguir controlar seu coração de bater tão acelerado.Era simplesmente impossível.Theodore sentia vontade de se mexer à todo momento mesmo que quisesse permanecer parado. Sua nuca coçava, sua perna adormecia, sentia a bunda adormecer na cadeira. Tudo incomodava.Não... O que incomodava era a presença do alfa lendo suas respostas com tanta atenção e proximidade.O que mais lhe perturbava a mente era a incapacidade em não conseguir evitar de olhá-lo. Queria observá-lo.Theodore rendera-s
A família Mckenzie era muito conhecida naquela pequena cidade. Não seria para menos, uma vez que um pequeno garoto que sonhava em viajar pelo país crescera e tivera a ideia de criar uma rede de hotéis espalhado pelo território brasileiro. Mesmo que a prosperidade agraciasse a família Mckenzie, aquele homem – que um dia fora um garoto sonhador – não abandonou suas raízes no interior.Por ter tamanho prestígio carregado em seu sobrenome, Sadie fazia questão de manter a dignidade da família até na sua respiração. Pagasse o preço que fosse, nada poderia sujar o sobrenome. Dedicaria cada esforço seu para que a prosperidade advinda do sonho de seu pai apenas aumentasse.Justamente por visar um futuro brilhante, é que seus maquiados olhos castanhos recaíram sobre um alfa inteligente e dedicado que combinava exatamente com seu sonho. Gabriel
Batucando os dedos sobre a mesa de estudos, Gabriel ponderava sem desgrudar os olhos do perfil de Theodore no Orkut. Havia enviado a solicitação de amizade que até então se mantinha pendente, o que lhe incomodava.Já havia dado uma olhada no perfil de Sadie, visitando o perfil de cada pessoa cujo sobrenome fosse Mckenzie. Havia encontrado um rapaz jovem e bonito que tinha amizade tanto com Sadie quanto com Theodore. Jake Mckenzie parecia ser bonito, mas aos olhos de Gabriel ele era a encarnação do capeta.Seus cabelos eram platinados e tinha olhos claros, sendo o típico garoto alfa que as meninas surtariam por puro prazer. A principio não concluíra o seu desgosto ao primo de sua amiga, mas ao ler os depoimentos mais antigos no perfil de Theodore, o desgosto fora concretizado como uma lei universal.“Se você acordarE EstiverSendo C
O que fazer quando você percebe que alguém está te evitando?Retribuir o silêncio criando um espaço que deve ser respeitado, enquanto se espera a pessoa tomar a iniciativa em resolver o problema? Ou então ir atrás dela e perguntar o que raios estava acontecendo?Theodore ponderava sobre a primeira, já que ele não tinha tanta coragem em erguer o queixo e encabeçar uma discussão. Principalmente quando alguns dias atrás ele mesmo queria que Gabriel se distanciasse. Agora conseguiu.Deveria estar contente por ter conseguido, não? Contudo, Theodore se pegava constantemente olhando na direção do seu novo colega de classe. Olhadas rápidas e discretas, só pra saber o que ele estava fazendo.Na sala de aula Gabriel parecia concentrado nos estudos, fazendo anotações sem se importar em ser vigiado. No pátio ele se reunia com seu g
Theodore esperou que todos os jogadores tivessem saído do vestiário quando entrara segurando uma cesta de palha. Com o silêncio abundante, ele entrara tranquilamente para guardar os uniformes do time oficial nos armários. Como assistente do time, Theodore era responsável por cuidar dos uniformes, por isso os recolhia no sábado e os lavava para devolver na segunda-feira. Além de também cuidar da alimentação dos jogadores em dias de partidas, entre tantas outras tarefas. Entretanto, quando os rumores sobre sua sexualidade e classe começaram a se espalhar, sua tarefa se tornara mais difícil. Os jogadores simplesmente não ficavam mais à vontade com ele. Sempre o expulsavam do vestiário quando era final de treino, já que os rapazes tomavam uma ducha. Para piorar, ninguém quis tomar o lugar de Theodore como assistente. Na verdade até queriam, mas os jogadores já estavam acostumados com os mimos que o ômega loiro dava à eles. Que pessoa iria levar uniformes para lav