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Um salvador para o transferido

Quando chegara naquela cidade, Gabriel não estava contente. Tampouco desejava retornar para a capital. A indiferença havia sido uma consequência de quando o seu mundo se tornara preto e branco. Nem mesmo enxergara esperança quando seus pais, repentinamente, avisaram da mudança por conta do emprego.

— É a cidade de origem da empresa. Ficar perto do dono é uma grande oportunidade para nossa família.

Certamente ficara feliz por seus pais terem conseguido a promoção na empresa, mas não sabia o motivo de aquilo se alastrar para si. Para Gabriel aquela mudança não faria diferença alguma, pois o prazer pela vida já não existia.

Até o dia em que fora comprar o seu uniforme da nova escola.

Sua mãe havia entregue o cartão e o papel com o endereço da loja onde poderia pegar seu uniforme. Seguir as orientações do caminho fora fácil, não sendo possível dizer o mesmo em encontrar a m*****a loja.

Gabriel olhava os números pregados nas paredes tentando encontrar a m*****a loja. Subira e descera a rua diversas vezes, quase perdendo a paciência.

Quando estava prestes a amassar o papel e dar meia volta para ir embora, ele ouvira algo.

— Hm... Com licença, mas você me parece perdido, precisa de ajuda?

A voz tímida e suave simplesmente arrepiara os cabelos de sua nuca. Um aroma doce como uma fruta lhe abraçou os sentidos tornando-o refém. Nunca sentira um cheiro tão delicioso em sua vida, de onde viria?

Lentamente Gabriel virou-se encontrando um par de olhos claros e angelicais o fitando com curiosidade. Um garoto de cabelos loiros bagunçados e moletom grande estava parado atrás de si no aguardo de uma resposta.

Coçando a nuca ao sentir as orelhas esquentarem, Gabriel logo respondia.

— Na verdade procuro uma loja de uniformes...

— Ah entendo. — O mundo simplesmente parara naquele momento. O garoto loiro desconhecido abrira um singelo sorriso mostrando os caninos afiados. — É aqui mesmo, nessa porta. Eu também estou indo nela para pegar meu uniforme.

Gabriel observara o garoto loiro lhe dar as costas e aproximar-se de uma porta estreita entre duas lojas. Não havia um número na parede, já que espaço era quase inexistente, e somente ao se aproximar encontrou-os entalhado na porta amadeirada.

O loiro desconhecido dera algumas batidas antes de entrar, sendo seguido por Gabriel. O espaço era tão pequeno que havia um estreito balcão com o caixa, e uma estante repleta de nichos contendo alguns uniformes.

Aproximando-se dos nichos, Gabriel logo fora procurar pelo nome de sua nova escola deparando-se com quatro deles. Dois masculinos e dois femininos. Coçando a cabeça em plena confusão, puxou os tecidos percebendo serem completamente diferentes.

Um deles era uma calça de tecido grosso de tom azul marinho. Junto vinha uma camisa de algodão simples azul claro com o emblema da escola no peito direito. Já o outro uniforme era formal, a calça e camisa eram sociais.

— E agora...

— É a calça social preta e a camisa social branca. — Dando um pulo, Gabriel olhava sobre o ombro encontrando o garoto loiro segurando uma sacola com o nome da loja, prestes a sair. Ele o olhava sorrindo gentilmente, como se o sol refletisse seus cabelos dourados. — Esse ano a escola mudou de diretoria, e por isso trocaram os uniformes para se adequarem ao novo conceito.

Voltando a encarar o uniforme em mãos, Gabriel assentia silenciosamente ao compreender a confusão. Quando erguera a cabeça para agradecer, o garoto já não estava mais na loja.

Quem era ele?

Já conhecera diversos garotos podendo garantir que nenhum deles teria um cheiro tão gostoso como ele. Um beta poderia ser assim?

Nunca se esqueceria do calor que recebera naquele gesto gentil e educado de um garoto desconhecido. Quando saiu da loja, Gabriel percebera as cores das lojas naquela pequena avenida... Pela primeira vez o mundo tinha cores.

Infelizmente ele não fazia a menor ideia qual era o nome do garoto que lhe ajudara.

Até que chegasse o seu primeiro dia de aula.

Gabriel receberia a ajuda da filha do dono da empresa em que seus pais trabalhavam para se adaptar à escola. Imaginava que fosse uma menina doce e gentil, como esperava de qualquer pessoa do interior. Mas quando ouvira os gritinhos eufóricos no instante em que pisara no pátio, já se decepcionara.

O mesmo tipo de infelicidade que lhe cercara na capital parecia ter lhe seguido para o interior do estado. As garotas ômegas com os mesmos comportamentos, com os mesmos gostos, mesmo modo de falar... Cercando-lhe incansavelmente.

Infelizmente não poderia simplesmente afastar as meninas com a sua falta de interesse, já que a garota em questão era filha do chefe de seus pais. Dependendo do modo como agisse com ela, poderia trazer problemas à sua família.

Gabriel não queria isso.

Imaginando que sua vida estudantil seria um verdadeiro inferno por ser gentil com pessoas que não lhe interessavam, Gabriel aproveitou a tagarelice da garota para procurar uma saída, e então... Ele o vira.

Deitado no gramado debaixo de uma tabebuia florida. Escondido na sombra com o vento balançando seus cabelos loiros espalhando um aroma sutil. De olhos fechados em uma serenidade que parecia não se incomodar com nada.

Quando os gritinhos eufóricos de Sadie se tornaram mais altos, Gabriel lhe agradecia em mente, pois fora capaz de ser notado por aquele garoto. Aquele garoto que havia lhe ajudado.

Se ele o reconhecesse iria até si e o tiraria daquele inferno feminino? Seria demais pedir que recebesse a sua ajuda pela segunda vez?

Sua esperança fora quebrada quando o garoto loiro simplesmente desviara o olhar. Iria fingir que não se conheceram algumas semanas atrás?

A confusão apenas aumentara quando um garoto mais baixo se aproximou e se sentou perto do loiro. Ali Gabriel pudera ver o seu salvador sorrindo animado e conversar com o outro garoto como se sua presença fosse um nada.

— Ah, certo, certo, venha irei te mostrar onde fica a nossa sala. E então vou te levar para a sala dos professores, onde poderá mostrar os papéis da transferência.

Desviando os olhos para Mckenzie, com seus cabelos lisos e bem cuidados, Gabriel apenas concordou com a cabeça e se deixara levar para dentro do prédio, perdendo por completo a sua chance de descobrir o nome do garoto salvador.

Suas esperanças só voltaram à vida quando esbarrara em alguém na porta da sala de aula. A felicidade em saber que não somente iriam para a mesma escola como pertenciam à mesma classe, enchera o seu peito. Mais uma vez o sol brilhava mostrando as cores do mundo.

Era a chance perfeita para se aproximar e agradecê-lo pela ajuda na loja de uniformes. Aproveitaria cada chance possível.

Mas novamente sua chance era interrompida por um garoto baixo com olheiras. A troca de farpas entre Mckenzie e o baixinho fora uma grande surpresa para Gabriel, já que até então a garota era todo sorriso e dengo para si, tendo agora uma careta e desgosto estampado no rosto.

Até que gostou de ver algo atrás daquela máscara de mimada.

Seu salvador escapara de si pela segunda vez. A terceira chance chegara na aula de história, onde puderam dividir um livro e trocar bilhetes. Graças aos céus a sua chance viera na aula, pois o garoto loiro não poderia escapar de Gabriel.

Pelos céus como era gostoso o seu cheiro. O alfa inspirava profundamente sentindo o sangue correr rapidamente por suas veias. Fechava os dedos em punho para controlar os impulsos que começavam a desejar afundar-se naquele pescoço para inalar seu cheiro.

Diferente da aula de educação física, onde o aluno novo percebera que seu grande empecilho estava encarnado em um garoto baixo com olheiras e uma aura assassina que mirava em si. Gabriel não tinha uma boa impressão de Nicolas, responsável por afastar seu salvador de si.

A pequena discussão no refeitório no outro dia piorara tudo. Nicolas simplesmente não desgrudava de Theodore, impedindo que Gabriel se aproximasse. Era só dar um passo em sua direção, que o seu salvador era empurrado na direção contrária.

Gabriel jura ter escutado um rosnado vindo de Nicolas.

— Sei que vocês estão adorando me ouvir falar aqui na frente, mas está na hora de fazerem o primeiro trabalho do ano.

Os alunos do segundo ano começaram uma onda de reclamação, que faziam o professor rir na frente da classe.

— Não se preocupem, é algo fácil. Apenas responder alguns exercícios do livro e me entregarem. Irei dividir as duplas e não quero saber de preguiça, viu!

Gabriel apoiava o queixo sobre a palma da mão sem interesse em acompanhar o sorteio das duplas. Era muito mais interessante ler os bilhetes colados no final de seu caderno, que arrancaram sorrisos ternos seus.

Theodore.

O nome do seu salvador era Theodore. Infelizmente ele não parecia se lembrar de si, mas ser capaz de conversarem era o suficiente. Talvez poderia agradecê-lo ao pagar um lanche na cantina... Ou ajudá-lo com algum dever de casa.

Cerrando as sobrancelhas, Gabriel apenas suspirava. Nada parecia ser digno de ser usado como agradecimento.

Enquanto o professor escolhia as duplas ignorando os resmungos de seus alunos, Gabriel mantinha a cabeça no mundo da lua. Ou melhor, no sol. Pois a pessoa em quem pensava tinha cabelos loiros iguais aos raios de sol no desenho de uma criança.

Somente despertara do seu devaneio quando ouvira seu sobrenome ser chamado pelo professor. Erguendo a cabeça com leve desinteresse, conteve a vontade de sorrir quando o ouvira anunciar.

— Jones, faça dupla com Moss.

Apesar de ter contido o sorriso, o mesmo não pudera ser feito quanto a olhar seu parceiro de trabalho. Imediatamente Gabriel virou os olhos para o sujeito de cabeleira loira, que demonstrava surpresa e retribuía ao seu olhar.

Uma chance!

No instante em que a aula chegara ao fim, aproveitando que os alunos se espreguiçavam e saíam de seus lugares, Gabriel se levantou aproximando de Theodore.

— Olá, colega de trabalho! — Sorria gentilmente o garoto, recebendo um sorriso nervoso do outro. — Como podemos nos organizar pra fazer o trabalho?

Reabrindo o livro de história, Theodore procurou pela página dita pelo professor mais cedo, contando doze exercícios ao todo.

— É bastante coisa. — Murmurava o loiro sem desgrudar os olhos do livro. — Vai levar um tempo para fazermos isso.

— Podemos fazer na biblioteca, o que acha?

— Eu até consigo, mas você tem treino, não? — Lembrara o ômega, erguendo o rosto para o seu colega. Gabriel prendera a respiração em perceber que aquilo Theodore lembrava. — Todos os dias, depois da aula...

— Bem.. É verdade, mas se for pra fazer trabalho não tem problema em faltar um dia.

— Nico não vai gostar nada disso. — Sussurrava o garoto loiro perdido em pensamentos.

Um nó se formava na garganta de Gabriel. Theodore parecia preocupado com o capitão do time de vôlei iria pensar? Era verdade que o garoto baixinho sonolento não havia gostado de si, deixara isso bem claro no outro dia, contudo não achava que Theodore o evitaria a fim de não irritar o capitão.

Que confusão.

Que inveja.

Engolindo em seco, manteve a compostura. Continuou com a gentileza estampada em seu rosto, mesmo que um gosto amargo revirasse seu estômago.

— Está tudo bem, Theodore. É apenas um dia.

— O time de vôlei está se preparando para as eliminatórias, e você é um titular, não? — Gabriel sentia as orelhas esquentarem ao perceber que Theodore parecia saber de si. Dessa vez o sorriso foi incontrolável. — Se você faltar a um treino, Nico e o professor de educação física irão pirar.

Ah, não tinha como ir contra.

O alívio que crescia em seu peito desfizera o gosto amargo de antes. Não estava preocupado com o que Nicolas acharia da aproximação deles, mas sim que um trabalho da escola estaria atrapalhando os treinos.

Em sua cabeça a teia de justificativas apontavam para uma única ideia. Theodore estaria preocupado consigo.

Ganhara o seu dia só com aquilo.

Pegando o lápis do estojo de Theodore, Gabriel se inclinou para assinalar as seis últimas questões do livro.

— Faremos assim seis para cada. E então podemos nos reunir para ver como ficou e arrumar o que for necessário antes de entregar. Pode ser?

Bendita a hora em que erguera a cabeça para ouvir sua opinião, pois Gabriel contemplara um singelo sorriso mostrando as presinhas de Theodore. O mundo poderia congelar naquele momento, nada mais importaria.

As cores pareciam ganhar contraste naquela manhã.

— Fechou! É melhor assim. Quando será o prazo?

— Consigo fazer até sexta-feira.

— Nos encontramos na biblioteca antes da aula de sexta, então?

Gabriel não sabia dizer exatamente o porquê daquele olhar, repleto de expectativa, o fazia se sentir tão feliz. Theodore parecia ansioso para encontrá-lo, apesar de ele saber se tratar de uma mera formalidade. O seu salvador era alguém gentil e educado com as pessoas, apenas isso.

— Tudo bem, nos encontramos na sexta.

Não queria ir embora. Ficaria ali parado na frente do loiro apenas o olhando ficar envergonhado do seu olhar por horas. Contudo, não queria deixá-lo desconfortável. Dando as costas para retornar à sua carteira, surpreendeu-se quando sentiu algo segurar a barra de sua camisa.

Virando a cabeça sobre o ombro, deparou-se com Theodore comprimindo os lábios em nervosismo o impedindo de se afastar.

— Theodore?

— Está tudo bem mesmo você fazer trabalho comigo?

A pergunta repentina pegara Gabriel desprevenido. Virando-se para o loiro, ao invés de lhe responder apenas arqueou a sobrancelha em dúvida. Contudo, Theodore permanecia a fitá-lo com ansiedade nítida.

— Não sei se estou te entendendo. Não há motivos para não fazermos o trabalho.

— Não foi isso o que eu quis dizer — Suspirava Theodore finalmente soltando da camisa de Gabriel para coçar a própria cabeça em confusão — Só quero saber se está desconfortável comigo.

— Por que estaria?

O rosto de Theodore logo avermelhou-se. Recusava a dizer, percebia Gabriel.

Deixando as mãos no bolso da calça, Gabriel inclinava a cabeça analisando o seu colega de classe. Tentou buscar qualquer lembrança de uma possível justificativa pra aquela pergunta tão estranha. Fora então que sentira um sutil aroma adocicado, percebendo ser emanado do rapaz.

Um doce bom demais para um beta comum.

Logo se lembrou.

No refeitório.

— Ah... Aquilo. O que tem?

— Como assim o que tem? — Resmungava Theodore, olhando em volta verificando se alguém estava perto antes de inclinar-se para Gabriel e lhe sussurrar — Sabe que sou...

— Ômega? Gay? — Vendo o outro confirmar com a cabeça, Gabriel apenas sorria para seu salvador — E?

Surpreso, Theodore cruzava os braços sobre o peito fitando o aluno transferido com curiosidade e desconfiança.

— Não está enojado... Medo de que eu dê em cima de você ou algo do tipo? Tipo... É um alfa.

Fora a vez de Gabriel coçar a cabeça dando um sorriso nervoso.

Seria mentira dizer que não pensara nas palavras ditas por Theodore naquele dia do refeitório. Foi uma grande surpresa, certamente, e aquela seria a primeira conversa que teriam uma conversa desde o fatídico almoço.

Era a primeira vez que encontrava um garoto ômega. Estava intrigado com seu cheiro e presença.

— Não, eu não estou enojado ou incomodado. E você, se sente incomodado em eu saber disso?

— Saberia de qualquer forma já que se transferiu para cá. Nos vemos sexta então.

Gabriel não tivera oportunidade em continuar a conversa quando a professora de matemática entrara na sala de aula. Tendo de retornar para sua carteira, incomodou-se com a ligeira sensação de que as palavras de Theodore continham algum outro significado.

Um significado que ele incompreendia.

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