A sorte não me abandonou desde que meu anjo me resgatou. Apesar das escoriações e cortes um pouco profundos minha perna não quebrou. Doía um pouco mas nada insuportável. Derek também não teve complicações e pôde voltar para casa. Walter fez questão de me acompanhar até meu apartamento. Me ajudou a subir as escadas, pediu comida e aguardou que eu tomasse um banho para enfim poder relaxar.
— Como se sente? — questionou ao me entregar uma xícara de chá
Me ajudou a sentar e ajeitou uma almofada sob minha perna. O cuidado que Walter teve comigo desde que se casou com Mônica não difere em nada do que tem com Derek. Desde que me mudei daquele inferno ele sempre me visita. Trás minhas comidas favoritas e conversamos muito. Na verdade, nossa relação melhorou longe da influência da megera. Ele me incentivou a fazer terapia e confesso que foi a melhor decisão que tomei. Ainda tenho meus momentos, mas têm sido mais fácil lidar com meus demônios.
— Cansada. Dolorida. Culpada. — fitei Derek sentado no sofá vidrado no celular
— Você ouviu o bombeiro. Não foi culpa sua.
— Ele foi atrás de mim. Se eu não tivesse saído daquele jeito ele..
— Se Mônica não tivesse te ofendido não precisaria sair.
— Como você aguenta ela? — essa pergunta sempre habita minha mente
— Fiz uma promessa no altar.
— Walter Días nunca quebra uma promessa. — revirei os olhos e o vi sorrir
— Bom. Você precisa descansar e eu preciso amansar a fera. — se preparou para sair e sacudiu as pernas de Derek no sofá — Vamos campeão.
— Deixa eu dormir aqui pai? A Liv precisa de alguém pra cuidar dela. — seu olhar para mim foi de legítima preocupação e carinho
— Eu iria adorar um enfermeiro particular pirralho. — brinquei e o vi sorrir — Mas não quero mais problemas com a Mônica. Ela já não está feliz comigo. Se você ficar aqui ela mesma vem e me mata.
— Papai conversa com ela... Como você vai fazer as coisas com a perna assim?
— Isso aqui não é nada. Eu consigo me virar.
— Lívia tem razão. Não vamos contrariar sua mãe. Ela deve estar preocupada. — Walter reforça — Trago você aqui amanhã e bancamos a babá.
— Perfeito. — me levantei devagar — Podemos jogar alguma coisa ou assistir um filme. A pipoca é por sua conta.
— Ou podemos ir no quartel dos bombeiros visitar o Harvey! — sugeriu animado
— Harvey? — Walter e eu indagamos juntos
— O cara que salvou a gente! — se aproxima com o celular na mão — Nome dele é Harvey Prescott. Ele é tenente dos bombeiros. — rola o feed do i*******m — Ele é tão maneiro. Posta muitos vídeos legais sobre primeiros socorros, resgates, contenção de incêndio.
Enquanto meu irmão dissertou sobre sua nova paixão, os bombeiros. E o quanto Harvey é incrível. Sim, meu anjo agora tem nome. Harvey Prescott. Analisei suas fotos sérias no trabalho. Vídeos educativos e stories com seu cachorro. O quão perfeito esse homem pode ser?
— Podemos ir amanhã? Conhecer o quartel? — Derek insistia
— Eu não sei se é só chegar lá e dizer que quer visitar Derek. — informei e ele suspirou inconformado
— O Harvey disse que eu podia ir quando quisesse... — protestou impaciente
— E quando o Harvey te disse isso? — caçoei da intimidade instantânea dos dois
— Agora no direct! — o pequeno me mostrou satisfeito uma mensagem onde Harvey dizia que ficaria honrado em recebê-lo qualquer dia no quartel
Obviamente ele só quis ser educado. Mas não seria eu a dizer isso a ele. Estava disposta em ser uma irmã melhor como prometi. E fazer suas vontades inocentes sem questionar estavam inclusas no pacote. Além disso, o desejo de ver meu anjo salvador novamente gritava dentro de mim.
Derek foi embora satisfeito com a promessa de que iríamos ao quartel no dia seguinte. Fiz um pequeno lanche que Walter pediu e finalmente fui para a cama. Meu corpo pedia ardentemente por um pouco de inércia. Tomei um remédio para dor antes que minha perna voltasse a latejar. Alcancei meu celular antes de me deitar confortável e quentinha. Procurei no I*******m o perfil que anotei mentalmente @harveyprince. Achei engraçado, mas depois de alguns minutos stalkeando percebi que o Prince era do cachorro. Um lindo husky de olhos tão azuis quanto os do dono e pelo mesclado entre branco e chocolate. Impecável assim como o dono.
Prince dominava o feed juntamente com os vídeos e fotos sobre o trabalho que Derek tanto amou. Algumas fotos de família e amigos. Nada de garotas. Não hesitei em espalhar curtidas em suas fotos e seguir o perfil. Curiosamente minutos depois ele seguiu de volta. Mas não curtiu nada. Meus olhos pesados e corpo dolorido começaram a reclamar. Coloquei o celular na mesinha de cabeceira e me entreguei ao sono mais profundo que já tive em anos.
HarveyMe lembro exatamente quando decidi me tornar bombeiro. Estava viajando com meus pais de férias e presenciei um acidente. Um soterramento. Me lembro perfeitamente de pessoas em desespero, choro e gritaria. Meus pais tentaram me proteger das cenas fortes. Mas no auge dos meus doze anos eu era bem curioso e destemido. Não me importei com as advertências e fiquei ali, assistindo a tudo.Presenciei a chegada do caminhão dos bombeiros e o alívio dos ali presentes. Todos deram espaço para que os homens uniformizados adentrassem o prédio em escombros e realizassem seu trabalho. A cada vítima retirada com vida uma salva de palmas e comemoração. Os parentes trocaram o choro de preocupação por lágrimas de alegria. Eles não descansaram enquanto não retiraram o último sobrevivente. Uma senhora pres
Ao finalizar a ligação percebi uma série de notificações no I*******m. Um garoto chamado Derek Diaz curtiu praticamente todas as minhas postagens e me deixou algumas mensagens."Oi. Eu sou o garoto que você salvou hoje. Me chamo Derek. Tenho dez anos.""Eu só queria agradecer por não deixar minha irmã morrer. Ela é muito importante pra mim."Sorri ao ler aquilo. Nunca tive a sensação de ter um irmão. Mas imagino como deve ser ótimo ter alguém para dividir bons momentos. A preocupação de um com o outro naquele momento foi algo marcante para mim. A garota colocou o irmão acima da própria vida e ele não exitou em pedir que eu a ajudasse antes de tirá-lo de lá."Cara você é incrível. Quero muito me tornar bombeiro quando crescer."Me lembrei de mim mesmo quando me interessei pela profi
LiviaAcordei com o toque insistente da campainha. Demorou alguns segundos até minha alma retornar ao corpo. Alcancei os chinelos ao pé da cama e amarrei meus cabelos em coque. Me arrastei em direção a sala e senti umas fisgadas leves na perna machucada. Encarei o relógio e praguejei em sussurros ao ser inconveniente que decidiu me acordar às seis da manhã de um domingo. Se fossem Walter e Derek para a tal visita ao quartel eu não hesitaria em dar com a porta na cara deles.Ao abrir me deparei com Sabrina e Devon que me encaravam em um misto de preocupação e descrença. Os dois parados na porta eram meus colegas de trabalho e melhores amigos. Ambos faziam parte da minha banda. Devon, além disso trabalhava na minha pequena lojinha de artigos para parentes. Já Sabrina
— Sabrina! Que surpresa... Surpresa! — ele me encarou confuso e encabulado — Devon. — cumprimentou o rapaz que apesar do olhar devorador sobre ele manteve a compostura — Nós combinamos de ir até o quartel hoje, certo? — me indagou— Não vai dizer que esqueceu, Liv? — Derek adentrou o cômodo e parou na minha frente— Cumprimente as pessoas moleque. Tua mãe não te deu educação não? — cruzei os braços e o repreendi— Oi Sabrina. Oi Devon. — balançou as mãos para os dois que riram disfarçadamente — Você prometeu! — voltou para mim com o semblante manhoso— E eu vou cumprir. Sabrina e Devon só vieram saber como eu estou...— Então vai se trocar. Ainda está de pijamas e temos que fazer biscoitos.— E vamos sujar a minha cozinha?— A mamãe disse que não queria confusão na cozinha dela por bobagem.Desviei o olhar para Walter que suspi
Chegamos ao quartel por volta das onze da manhã. Por ser do outro lado da cidade e Walter dirigir como uma lesma. Conversamos pouco, com exceção de Derek que falava animado algo sobre técnicas de salvamento e um curso mirim de primeiros socorros oferecido no quartel.O garoto olhava encantado para as paredes do lugar como se fossem feitas de ouro. Sua admiração era tanta que ele mal conseguia falar. Nos aproximamos do balcão de informações e questionamos sobre visitas. A animação do meu irmãozinho foi por água abaixo quando ele ouviu que as visitas deveriam ser previamente agendadas.— Moça.... — encarei a loira de olhos castanhos na intenção de comovê-la com meu melhor sorriso — Eu entendo que existam regras. Mas meu irmão e eu sofremos um acidente ontem e o que impediu ele de viver um trauma terrível foi o apago instantâneo aos bombeiros que ele desenvolveu e em especial ao que nos salvou. Ele passou a manhã fazendo bis
Um detalhe sobre mim é que, tirando aquele momento e o que os precederam, não sou de me envergonhar com facilidade. Falo por impulso e as vezes solto frases constrangedoras completamente no automático. Ouvi o risinho satisfeito da moça acompanhar a risada anasalada do rapaz. Vi os braços de Harvey tensionados a minha frente e só então percebi que o chamei de gatinho. Eu não menti. Mas com certeza foi uma fala um tanto inoportuna. Não tanto quanto seu colega tentar me cantar, mas foi.- Aqui. - alcancei o bloquinho e retirei um cartão com o nome de Erick, meu tatuador. Além de grande amigo e dono do Starstruck - Ele é ótimo. Garanto que vai gostar. - o entreguei o cartão- Valeu. - ele olhou para Harvey e riu insinuativo - Donna, vamos mostrar o helicóptero pro garoto... - puxou a garota pelo braço. Ela também sorriu para o homem ao meu lado ainda imóvel, com minha bolsa nos braços- Obrigada. - fechei a bolsa e a peguei de vol
HarveyGosto de manter certa rotina embora meu trabalho não seja o mais estável. Plantões não programados, emergências de última hora, mudanças constantes de escalas. Mas minhas folgas eu gosto de programar. Já me acostumei a acordar cedo e levar Prince para passear no parque. Ele adora correr na grama e nadar no lago. Como passa muito tempo sozinho e longe de mim. Acho importante manter essa tradição.Sempre que pode, Donna vai comigo e leva as crianças. Prince os ama e os três se divertem muito. Ela faz um ótimo trabalho como mãe. Diana e Arthur são crianças adoráveis e muito educadas. Gosto de passar tempo com eles. Ouvir os fatos curiosos que a garota tem a contar que eu não faço ideia de como ela descobriu isso. Como o tempo de gestação de um elefante ou quantas estrelas tem a constelação de Orion. A menina é a própria Wikipédia.Já Arthur, como um bebê de três anos não faz tantas perguntas ou tem tantas informações
Ela faz tudo ao som de música e eu acho isso lindo. É como se sua vida tivesse uma trilha sonora. E é do tipo que documenta tudo na redes. Algo compreensível já que precisa construir uma imagem. Trabalha com público e pelo que vejo sabe muito bem cativa-lo. Eu não deveria saber tanto sobre ela, mas não posso evitar. Me sinto um tipo de perseguidor maluco. A ponto de me preocupar pelo fato de não haver atualizações essa manhã.Tentei dissipar esses pensamentos com um banho quente. Me arrumei mais cedo para a consulta e decidi sair com calma. Geralmente minhas consultas são terças a noite mas aproveitei a folga para antecipar. Comecei a terapia assim que cheguei na cidade por orientação do meu tenente. Ele faz questão que todos tenhamos acompanhamento psicólogo por lidar com muita pressão. Não era algo que estava acostumado. Me abrir com um perfeito estranho. Mas com o tempo comecei a gostar. Suzana me ajudou a identificar questões que eu nem fazia ideia do quanto me incomodava