Harvey
Gosto de manter certa rotina embora meu trabalho não seja o mais estável. Plantões não programados, emergências de última hora, mudanças constantes de escalas. Mas minhas folgas eu gosto de programar. Já me acostumei a acordar cedo e levar Prince para passear no parque. Ele adora correr na grama e nadar no lago. Como passa muito tempo sozinho e longe de mim. Acho importante manter essa tradição.
Sempre que pode, Donna vai comigo e leva as crianças. Prince os ama e os três se divertem muito. Ela faz um ótimo trabalho como mãe. Diana e Arthur são crianças adoráveis e muito educadas. Gosto de passar tempo com eles. Ouvir os fatos curiosos que a garota tem a contar que eu não faço ideia de como ela descobriu isso. Como o tempo de gestação de um elefante ou quantas estrelas tem a constelação de Orion. A menina é a própria Wikipédia.
Já Arthur, como um bebê de três anos não faz tantas perguntas ou tem tantas informações
Ela faz tudo ao som de música e eu acho isso lindo. É como se sua vida tivesse uma trilha sonora. E é do tipo que documenta tudo na redes. Algo compreensível já que precisa construir uma imagem. Trabalha com público e pelo que vejo sabe muito bem cativa-lo. Eu não deveria saber tanto sobre ela, mas não posso evitar. Me sinto um tipo de perseguidor maluco. A ponto de me preocupar pelo fato de não haver atualizações essa manhã.Tentei dissipar esses pensamentos com um banho quente. Me arrumei mais cedo para a consulta e decidi sair com calma. Geralmente minhas consultas são terças a noite mas aproveitei a folga para antecipar. Comecei a terapia assim que cheguei na cidade por orientação do meu tenente. Ele faz questão que todos tenhamos acompanhamento psicólogo por lidar com muita pressão. Não era algo que estava acostumado. Me abrir com um perfeito estranho. Mas com o tempo comecei a gostar. Suzana me ajudou a identificar questões que eu nem fazia ideia do quanto me incomodava
- Como está, Harvey?- Bem. - respondi prontamente, quatro anos de terapia e ainda tenho a sensação de que ela está julgando- Alguma razão para ter adiantado sua consulta?- Eu tive uma folga extra e achei que seria melhor vir hoje que amanhã a noite.- Certo. - arqueou a sobrancelha - como foi a semana? Muito trabalho?- Foi uma semana agitada. - cruzei as mãos e as repousei sobre a perna, Suzana analisava cada movimento atenta - Dois incêndios, um soterramento, uma garotinha perdida no bosque, um afogamento e uma queda de um penhasco.- Algum desses acontecimentos mexeu com você de forma mais intensa?- A queda do penhasco. - suspirei e apertei as mãos - Foi ontem pela manhã. Um garotinho estava acampando com a família e acabou caindo. O pai tentou pegá-lo e caiu também.- Você conseguiu resgata-los? Ficaram bem?<
Saí do consultório ao meio dia e decidi almoçar na rua mesmo. Caminhei até um restaurante na baía, ali perto mesmo. Me sentei em uma cadeira com vista para o mar e pedi uma torta de carne com purê de batatas e um suco de frutas vermelhas para acompanhar. A praia estava cheia para o horário. Crianças brincando na areia. Jovens jogando e tomando sol. Entre a multidão identifiquei Romeo fotografando algumas turistas de biquíni. Ele é um ótimo fotógrafo e algumas vezes se aproveita de seu talento para flertar. Alcancei meu telefone no bolso e lhe enviei uma mensagem."Crie vergonha e pare de assediar turistas"Romeo demorou alguns instantes para checar a mensagem. Após ler ele correu os olhos pela praia a minha procura. Acenei algumas vezes até ser notado. Ele guardou os equipamentos, se despediu das garotas e veio até mim.- E aí cara? - puxou uma cadeira e se sentou - Como vai a folga merecida?- Esta ótima. L
Um rapaz bem vestido subiu no palco acompanhado da moça que nos recebeu. Ele assumiu seu lugar em uma mesa de som ao fundo e ela em um dos microfones ao centro. Algumas garotas e rapazes com roupas padronizadas se posicionaram entre ela. As pessoas em volta começaram a aplaudir e o homem saiu do palco. Mas antes a ajudou a subir.Lívia estava linda, como sempre. Cabelos soltos em ondas que caíam sobre seus ombros. Usava um vestido curto rodado acima das coxas. Deslumbrante. Se posicionou no centro do palco e pegou o microfone. Eu simplesmente não conseguia tirar os olhos dela. Nossa mesa era a mais próxima ao palco e eu podia até sentir seu cheiro.- Perai... - Zac foi o primeiro a se pronunciar - Essa daí não é a...- Lívia. O nome dela é Lívia. - Donna informouSenti os olhares dos três em minha direção mas ainda mantinha o foco nela. Que sorria e brincava com o público.
Livia- Como você se sente, Lívia? Em relação a esse acidente? Como têm sido seus dias? - o questionamento de Karen ecoou em meus ouvidosEu não estava no meu melhor estado naquele momento. Uma noite mal dormida, meia garrafa de vinho, estômago vazio. Tudo o que ela dizia soava longe e eu levava alguns segundos para processar. Até aquele instante todos me fizeram essa pergunta mas não senti a necessidade tão intensa de avaliar e responder com sinceridade. É esse o intuito da terapia, não é?- Eu tive pesadelos essa noite. Sonhei com um caixão. Estava fechado, eu não conseguia ver que estava lá dentro. Só consigo lembrar do vazio que eu senti, do peso, da dor. Eu estava sozinha, aos pés do caixão e... Não conseguia chorar, era como se estivesse seca por dentro.- Você tinha a impressão de conhecer quem estava no caixão?- Acho que... Era eu... - encarei a expressão firme de Karen aguardando que eu prosseguisse - Em um momento, Mônica apareceu. Coloc
Um rapaz saiu do consultório de Dra Suzana como um tornado e quase me levou com ele. Perdi o equilíbrio e esbarrei a perna na mesinha de centro. Iria me espatifar no chão se não fossem as mãos firmes de Harvey envolverem minha cintura. Apoiei as mãos em seus ombros fortes os senti tensionar. Seus olhos azuis cintilantes me analisaram intensamente fazendo meu corpo ferver. Ele apertou meus quadris de forma involuntária, acho que nem notou. Se não estivéssemos em um consultório eu certamente cederia aos meus instintos e o beijaria ali mesmo. Senti sua respiração pesada sobre meu rosto e pude jurar que ele quem me beijaria.Dra Suzana o chamou e me afastei. O observei entrar na sala antes de sair. Quais as probabilidades de frequentarmos o mesmo consultório e nunca termos nos visto até aquele momento? Como o destino gosta de brincar com as pessoas. Atravessei a rua e fiz um lanche rápido. O álcool estava começando a evaporar dos meus poros e com isso a fome e a dor d
Encontrei Harvey sentado a minha frente e é como se meu coração errasse as batidas. Ele me olhava de um jeito que faz meu corpo tremer por inteiro. Não é possível que seja coincidência nos encontrarmos tanto em um curto período de tempo. O universo deve querer nos m****r algum recado. Desci do palco em sua direção e sussurrei provocações em seus ouvidos. Vi seus pelos arrepiarem e isso me causou norme satisfação. Seus amigos o olharam insinuativos mas ele manteve os olhos em mim, apenas em mim durante todo o show. Finalizei a apresentação e sorri para ele antes de sair e retornar ao camarim.- Amiga! - Sabrina veio logo atrás desesperada por informações - Que babado é esse? Quem é aquele gostoso que não tirava os olhos de você?- O bombeiro que me salvou do afogamento. - separei minhas roupas limpas e apanhei uma toalhaO camarim tinha um pequeno banheiro para uma ducha rápida após os shows. Sempre gostei de aproveitar a noite
- Mães... - mordi os lábios e dei de ombrosCaminhei até a lixeira ao seu lado e apaguei o cigarro na borda. Ele me seguiu com o olhar em total silêncio. Joguei a bituca apagada no lixo, alcancei uma caixa de chicletes e um frasquinho de álcool em gel com cheiro no bolso da minha calça. Sou fumante mas não preciso feder a cigarro. Higienizei as mãos e abri a caixa. Tirei uma fita fina de chiclete de tutifruti e o abri com calma. Ouvi a respiração pesada de Harvey sobre minhas costas e me virei em sua direção.- Aceita? - lhe estendi a caixinha e ele apanhou um mesmo que um pouco hesitante- Você não devia fumar... - finalmente abriu a boca- É, eu sei. A coisa toda com a saúde e tal... Mas é difícil largar.- Já falou sobre isso na terapia? - questionou despercebido- Sobre parar de fumar? Não. - arqueei a sobrancelha- Fui invasivo de novo. - deu uma