Harvey
Me lembro exatamente quando decidi me tornar bombeiro. Estava viajando com meus pais de férias e presenciei um acidente. Um soterramento. Me lembro perfeitamente de pessoas em desespero, choro e gritaria. Meus pais tentaram me proteger das cenas fortes. Mas no auge dos meus doze anos eu era bem curioso e destemido. Não me importei com as advertências e fiquei ali, assistindo a tudo.
Presenciei a chegada do caminhão dos bombeiros e o alívio dos ali presentes. Todos deram espaço para que os homens uniformizados adentrassem o prédio em escombros e realizassem seu trabalho. A cada vítima retirada com vida uma salva de palmas e comemoração. Os parentes trocaram o choro de preocupação por lágrimas de alegria. Eles não descansaram enquanto não retiraram o último sobrevivente. Uma senhora pres
Ao finalizar a ligação percebi uma série de notificações no I*******m. Um garoto chamado Derek Diaz curtiu praticamente todas as minhas postagens e me deixou algumas mensagens."Oi. Eu sou o garoto que você salvou hoje. Me chamo Derek. Tenho dez anos.""Eu só queria agradecer por não deixar minha irmã morrer. Ela é muito importante pra mim."Sorri ao ler aquilo. Nunca tive a sensação de ter um irmão. Mas imagino como deve ser ótimo ter alguém para dividir bons momentos. A preocupação de um com o outro naquele momento foi algo marcante para mim. A garota colocou o irmão acima da própria vida e ele não exitou em pedir que eu a ajudasse antes de tirá-lo de lá."Cara você é incrível. Quero muito me tornar bombeiro quando crescer."Me lembrei de mim mesmo quando me interessei pela profi
LiviaAcordei com o toque insistente da campainha. Demorou alguns segundos até minha alma retornar ao corpo. Alcancei os chinelos ao pé da cama e amarrei meus cabelos em coque. Me arrastei em direção a sala e senti umas fisgadas leves na perna machucada. Encarei o relógio e praguejei em sussurros ao ser inconveniente que decidiu me acordar às seis da manhã de um domingo. Se fossem Walter e Derek para a tal visita ao quartel eu não hesitaria em dar com a porta na cara deles.Ao abrir me deparei com Sabrina e Devon que me encaravam em um misto de preocupação e descrença. Os dois parados na porta eram meus colegas de trabalho e melhores amigos. Ambos faziam parte da minha banda. Devon, além disso trabalhava na minha pequena lojinha de artigos para parentes. Já Sabrina
— Sabrina! Que surpresa... Surpresa! — ele me encarou confuso e encabulado — Devon. — cumprimentou o rapaz que apesar do olhar devorador sobre ele manteve a compostura — Nós combinamos de ir até o quartel hoje, certo? — me indagou— Não vai dizer que esqueceu, Liv? — Derek adentrou o cômodo e parou na minha frente— Cumprimente as pessoas moleque. Tua mãe não te deu educação não? — cruzei os braços e o repreendi— Oi Sabrina. Oi Devon. — balançou as mãos para os dois que riram disfarçadamente — Você prometeu! — voltou para mim com o semblante manhoso— E eu vou cumprir. Sabrina e Devon só vieram saber como eu estou...— Então vai se trocar. Ainda está de pijamas e temos que fazer biscoitos.— E vamos sujar a minha cozinha?— A mamãe disse que não queria confusão na cozinha dela por bobagem.Desviei o olhar para Walter que suspi
Chegamos ao quartel por volta das onze da manhã. Por ser do outro lado da cidade e Walter dirigir como uma lesma. Conversamos pouco, com exceção de Derek que falava animado algo sobre técnicas de salvamento e um curso mirim de primeiros socorros oferecido no quartel.O garoto olhava encantado para as paredes do lugar como se fossem feitas de ouro. Sua admiração era tanta que ele mal conseguia falar. Nos aproximamos do balcão de informações e questionamos sobre visitas. A animação do meu irmãozinho foi por água abaixo quando ele ouviu que as visitas deveriam ser previamente agendadas.— Moça.... — encarei a loira de olhos castanhos na intenção de comovê-la com meu melhor sorriso — Eu entendo que existam regras. Mas meu irmão e eu sofremos um acidente ontem e o que impediu ele de viver um trauma terrível foi o apago instantâneo aos bombeiros que ele desenvolveu e em especial ao que nos salvou. Ele passou a manhã fazendo bis
Um detalhe sobre mim é que, tirando aquele momento e o que os precederam, não sou de me envergonhar com facilidade. Falo por impulso e as vezes solto frases constrangedoras completamente no automático. Ouvi o risinho satisfeito da moça acompanhar a risada anasalada do rapaz. Vi os braços de Harvey tensionados a minha frente e só então percebi que o chamei de gatinho. Eu não menti. Mas com certeza foi uma fala um tanto inoportuna. Não tanto quanto seu colega tentar me cantar, mas foi.- Aqui. - alcancei o bloquinho e retirei um cartão com o nome de Erick, meu tatuador. Além de grande amigo e dono do Starstruck - Ele é ótimo. Garanto que vai gostar. - o entreguei o cartão- Valeu. - ele olhou para Harvey e riu insinuativo - Donna, vamos mostrar o helicóptero pro garoto... - puxou a garota pelo braço. Ela também sorriu para o homem ao meu lado ainda imóvel, com minha bolsa nos braços- Obrigada. - fechei a bolsa e a peguei de vol
HarveyGosto de manter certa rotina embora meu trabalho não seja o mais estável. Plantões não programados, emergências de última hora, mudanças constantes de escalas. Mas minhas folgas eu gosto de programar. Já me acostumei a acordar cedo e levar Prince para passear no parque. Ele adora correr na grama e nadar no lago. Como passa muito tempo sozinho e longe de mim. Acho importante manter essa tradição.Sempre que pode, Donna vai comigo e leva as crianças. Prince os ama e os três se divertem muito. Ela faz um ótimo trabalho como mãe. Diana e Arthur são crianças adoráveis e muito educadas. Gosto de passar tempo com eles. Ouvir os fatos curiosos que a garota tem a contar que eu não faço ideia de como ela descobriu isso. Como o tempo de gestação de um elefante ou quantas estrelas tem a constelação de Orion. A menina é a própria Wikipédia.Já Arthur, como um bebê de três anos não faz tantas perguntas ou tem tantas informações
Ela faz tudo ao som de música e eu acho isso lindo. É como se sua vida tivesse uma trilha sonora. E é do tipo que documenta tudo na redes. Algo compreensível já que precisa construir uma imagem. Trabalha com público e pelo que vejo sabe muito bem cativa-lo. Eu não deveria saber tanto sobre ela, mas não posso evitar. Me sinto um tipo de perseguidor maluco. A ponto de me preocupar pelo fato de não haver atualizações essa manhã.Tentei dissipar esses pensamentos com um banho quente. Me arrumei mais cedo para a consulta e decidi sair com calma. Geralmente minhas consultas são terças a noite mas aproveitei a folga para antecipar. Comecei a terapia assim que cheguei na cidade por orientação do meu tenente. Ele faz questão que todos tenhamos acompanhamento psicólogo por lidar com muita pressão. Não era algo que estava acostumado. Me abrir com um perfeito estranho. Mas com o tempo comecei a gostar. Suzana me ajudou a identificar questões que eu nem fazia ideia do quanto me incomodava
- Como está, Harvey?- Bem. - respondi prontamente, quatro anos de terapia e ainda tenho a sensação de que ela está julgando- Alguma razão para ter adiantado sua consulta?- Eu tive uma folga extra e achei que seria melhor vir hoje que amanhã a noite.- Certo. - arqueou a sobrancelha - como foi a semana? Muito trabalho?- Foi uma semana agitada. - cruzei as mãos e as repousei sobre a perna, Suzana analisava cada movimento atenta - Dois incêndios, um soterramento, uma garotinha perdida no bosque, um afogamento e uma queda de um penhasco.- Algum desses acontecimentos mexeu com você de forma mais intensa?- A queda do penhasco. - suspirei e apertei as mãos - Foi ontem pela manhã. Um garotinho estava acampando com a família e acabou caindo. O pai tentou pegá-lo e caiu também.- Você conseguiu resgata-los? Ficaram bem?<