Capítulo 1

Lívia:

As pessoas têm a estranha mania de fazer promessas quando estão à beira da morte. É engraçado que são promessas tão estúpidas feitas sem a menor intenção de cumprir. E não fariam a menor diferença ao redor. "Vou parar de beber" "Vou levar uma vida mais saudável" "Vou ser mais grato". Salvo algumas excessões. Não muda em nada se cumprir ou não. São coisas que faria, se quisesse e não precisa estar cara a cara com a morte para pensar nisso. É só fazer.

Eu pensava assim. Até estar presa em uma gruta, com a maré alta prestes a me engolir. E meu irmãozinho nos braços. Até ver o pavor em seus olhos e não poder fazer nada a não ser implorar a seja lá o que for que o poupe. Que envie um milagre e o deixe vivo. E prometer. Sim! Prometer ao vento ou ao plano maior que se ele sair dessa. E caso eu tiver a mesma sorte que eu me esforçaria para ser uma irmã melhor.

Que não seria tão desprezível e tentaria parar de projetar todas as minhas frustrações nele e no seu pai. Afinal eu sempre soube que Walter nunca teve culpa por meu pai ser um otário capaz de abandonar a própria filha. Ou pela minha mãe ser uma narcisista cruel que descontava todo desprezo por ele em mim. 

Na verdade Walter foi mais paternal para mim que qualquer dos dois poderia ser. Mesmo eu me esforçando para levantar todas as barreiras possíveis ele fez questão de derruba-las. As que não conseguia, contornava. E então Derek nasceu. Seu comportamento não mudou. Seguiu sendo doce e acessível. Mas eu senti inveja do meu irmão. Inveja do carinho que minha mãe dedicava a ele. Da família completa, estável e amorosa que eu nunca tive. Ele tinha avós que davam doces, presentes e mimos e eu ficava com as sobras. Ele tinha um pai que o amava e desejava. Eu nunca vi o rosto do meu. Ele tinha uma mãe, carinho, afago. Pra mim sobravam os gritos, desprezo e a questão de ressaltar todos os dias que fui o maior erro da sua vida e só lhe causei decepções.

Ele não tinha culpa, eu sei. Sempre foi um garotinho doce que queria a atenção da irmã mais velha. E eu juro, eu me esforcei pra dar isso a ele. Eu não queria ter esse sentimento cravado no meu peito. Mas eu não consegui. E graças a mim ele pode morrer agora. É desesperador segurar seu corpinho de dez anos gélido nos meus braços. Cobertos pela água fria e sentir seus batimentos diminuírem a medida que a água nos engole pouco a pouco.

- Mana... - sua voz trêmula e sussurrada atravessou meu coração como navalhas afiadas - Nós vamos morrer?

- Não... - hesitei tentando controlar a voz embargada - Claro que não! Seu pai deve trazer ajuda logo, lembra? Ele prometeu. E você sabe...

- Walter Días nunca quebra uma promessa... - sorri fraco e me aperta em seu abraço

Senti seu corpinho frágil tremer e ouvi o bater dos seus dentes. A hipotermia já o estava alcançando. Sua pele caramelizada assumiu um tom roxo. Por que tinha que vir atrás de mim garoto? Por que não ficou com seus pais? Foi só mais uma briga como tantas outras. Sua mãe jogando na minha cara o quanto sou inútil. E ela não errou, certo? Se eu não tivesse saído feito uma louca atrás de um refúgio. Se tivesse sorrido e fingido demência ou apenas tivesse voltado para casa. Você não teria sentido a necessidade de me consolar. Não teria vindo atrás de mim, mesmo eu gritando para me deixar em paz. Não me abraçaria ou diria que me ama, que a mãe está errada e eu não sou uma inútil. Não teria me seguido até um lugar perigoso.

Não teria me visto cair e prender a perna nessa droga de rocha. Nem pularia para tentar me ajudar. Sequer ficaria preso quando a maré começou a subir e ficou fundo demais pra você voltar. Não fosse por mim, você estaria brincando com seu pai na beira da praia, jogando discos para o Benji e não aqui flertando com a morte. Eu sinto muito Derek por não ser a irmã incrível que você criou nessa cabecinha doce. Se sairmos dessa eu juro que vou me esforçar pra ser.

- Alguém por favor! Me ajuda... - supliquei já sem esperanças

Se me dissessem que ele era um anjo eu acreditaria sem hesitar. Surgiu do nada em um mergulho e já estava próximo a nós. Se ele veio de onde nós viemos ou de outro lugar eu honestamente não sei. Só me lembro de ouvir sua voz soar como um sopro de calmaria sobre a minha alma quase congelada.

- Oi. Como vocês estão? - seu olhar oscilava entre mim e Derek agarrado ao meu pescoço

A água já alcançava meu queixo e eu me esforçava em mantê-lo suspenso ao máximo para que não se afogasse.

- Tira ele daqui. Por favor salva ele! - implorei para o rapaz que mantinha os olhos seremos fixos aos meus

- Eu vou tirar os dois! - garantiu ao se aproximar com cautela

- Ele primeiro! - tirei os braços de Derek do meu pescoço e o entreguei a ele 

O homem vestido uma roupa de mergulho segurou meu irmão nos braços e o carregou até uma pequena bóia que eu nem vi que estava ali até o  momento. Derek mantinha os olhos fixos em mim e mesmo sem forças sussurrou algo ao rapaz. Eu sei que foi um alerta sobre minha perna presa nas rochas pois ele voltou sua atenção a mim com um olhar preocupado embora ainda reconfortante.

- Eu volto pra te buscar. - esboçou um sorriso antes de empurrar meu irmão pela fenda estreita da gruta

Os minutos que se passaram desde que os dois desapareceram foram de uma lentidão absurda. A água já cobria minha boca e eu tentava manter o rosto o mais elevado possível. Minha perna latejava em uma dormência irritante. Se meus esforços para me soltar não a quebraram foi por puro milagre. Milagre, jamais fui uma pessoa crente em qualquer divindade ou força maior. Mas dizem que a fé aparece em momentos de desespero. E aquela altura eu precisava me apegar a qualquer coisa. Me apeguei a ele. E sua promessa de que voltaria para me buscar.

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