Meu pai chegou antes do esperado. Quando senti seu cheiro no corredor principal da sede da alcateia, eu já soube que alguma coisa estava errada. Não era o tipo de chegada casual. Era tensa. Silenciosa demais. Como se ele tivesse voltado de um campo de batalha.Abro a porta da sala de reuniões antes mesmo que ele bata. —Está parecendo um espectro —comento, tentando suavizar o clima.— Eu preferia ser um — ele rebate, entrando. Os olhos, sempre firmes, agora carregam algo que nunca vi ali antes: incerteza.Zoe está sentada em uma das poltronas, as pernas dobradas de lado e uma xícara de chá entre as mãos. Quando ele entra, ela se ajeita rapidamente, sempre respeitosa. Meu pai a encara por alguns segundos antes de desviar o olhar para mim.— Precisamos conversar. Agora.— Lord está a caminho — aviso, puxando uma cadeira e sentando. — E minha sogra também. Todos os que precisam ouvir isso devem estar presentes.Ele solta um suspiro impaciente. — Não sei se temos tanto tempo assim para r
A porta se abriu com um rangido suave, e uma figura entrou com um ar de quem já sabia que todos os olhares estariam voltados para ela.— Gabriele? — perguntei, surpresa.— Só poderia ser ela. A garota possui cabelos cacheados lindos e uma pele morena.A bruxinha travessa sorriu como se tivesse acabado de aprontar alguma coisa. Seu vestido longo ondulava com o movimento leve, e os olhos dela brilharam ao me ver.— Olá, Zoe. Prazer finalmente conhecer você pessoalmente. — Ela olhou para Alex com um sorriso maroto. — E obrigada por me receber, alfa. Sua parceira é ainda mais poderosa do que você descreveu. Me desculpe pelo atraso. Tive alguns probleminhas na estrada.Alex resmungou, mas sorriu.— Achei que você pudesse nos ajudar a entender a origem da adaga. Nos falamos melhor sobre esses problemas mais tarde.— Claro, é por isso que estou aqui. E tudo já foi resolvido.— ela disse, se sentando e tirando da bolsa uma pequena bolsa de couro com símbolos bordados. — Mas antes, é bom que c
O ar da manhã ainda era frio quando pisei na terra macia da minha antiga aldeia. O chão úmido coberto por folhas trazia memórias que eu desejava manter guardadas, mas agora, com tudo vindo à tona, não havia mais como ignorar. O sol filtrava-se entre as árvores com certa timidez. Gabriele caminha ao meu lado, com as mãos nos bolsos da capa marrom escura que usa. Seus cabelos presos em duas tranças grossas e o tom sempre leve no olhar combinam com o estado do momento. A presença dela me trazia certa paz. Era confortável conversar com ela.— Dormiu bem? — ela perguntou, virando levemente o rosto na minha direção.— Mais ou menos — respondi, dando de ombros. — Sonhei com a adaga.— A que sua mãe encontrou?Assenti. Ela estava coberta de sangue no meu sonho. Mas o estranho é que… não era o sangue de ninguém que eu conheço. Era diferente. Escuro. Espesso. Quase como se tivesse uma energia própria.Minha mãe teve um sonho, e agora eu. Tudo ligado.Gabriele franziu o cenho e diminuiu o passo
Havia algo no ar… uma tensão sutil que parecia pulsar junto com a energia da adaga que Gabriele agora segurava entre os dedos.Ela estava ajoelhada no centro do círculo de pedras que havíamos preparado no meio da clareira. Runa por runa, Alex e Lord seguiram as instruções dela para marcar o chão com precisão. Eu me mantive ao lado da minha mãe, observando a expressão séria de Gabriele enquanto ela fechava os olhos e pousava a lâmina sobre um tecido vermelho-escuro, bordado com símbolos antigos. Símbolos que ela disse pertencerem à linguagem da Deusa.— Tudo pronto — murmurou, quase como se falasse com as próprias runas. — Se tiverem algo a dizer antes da leitura, agora é a hora.Olhei para Alex. Ele estava ao meu lado, com a mandíbula tensa e os braços cruzados sobre o peito. Sentia que ele já sabia que não gostaríamos do que estava por vir. Lord segurava a mão da minha mãe, o polegar acariciando os nós dos dedos dela com delicadeza. Ela parecia apreensiva, mas firme.— Pode começar
O céu já escurecia quando me afastei da casa. Caminhei em silêncio até o limite da clareira, onde a floresta começava a se tornar mais densa. O ar estava fresco, e o som dos galhos balançando nas árvores era a única coisa que me fazia companhia. Sabia que Gabriele me esperava ali, como tinha prometido. Ela sempre dizia que conversar embaixo das estrelas fazia a magia dela fluir melhor.— Achei que fosse me deixar esperando a noite inteira — disse ela quando me aproximei.Estava sentada sobre uma pedra coberta de musgo, com as pernas cruzadas, brincando com um pequeno galho entre os dedos. O cabelo ruivo solto brilhava sob a luz da lua, e seus olhos claros me encararam com aquela vivacidade que só a Gabriele tinha.— Eu precisava de um momento sozinha antes de vir — murmurei, me sentando ao lado dela.— É, dá pra ver. Está com a energia meio caótica — ela ergueu uma sobrancelha, divertida, e logo em seguida ficou mais séria. — Como estão suas marcas?— Estão normais… quer dizer, um pou
Acordei com os braços de Alex ao meu redor, firmes e possessivos, como se ele soubesse exatamente o momento em que eu pensaria em me mover. Sua respiração batia tranquila contra a curva do meu pescoço, quente e constante. Era quase impossível sair dali… quase.Me mexi devagar, tentando não acordá-lo. Só precisava ir ao banheiro, nada demais. Mas antes que eu conseguisse sequer tirar as cobertas de cima de nós, seu braço me apertou pela cintura.— Onde pensa que vai, minha lobinha? — ele murmurou com a voz ainda rouca de sono.Soltei uma risada baixa, sentindo o calor subir pelas minhas bochechas. — Banheiro. Só isso.— Não. Fica. — Ele me puxou de volta, colando meu corpo ao dele. — As marcas ainda estão quentes. Tão gostosa.Era verdade. As marcas estavam queimando com mais intensidade do que nos dias anteriores. E quanto mais o tempo passava, mais evidente se tornava que o cio estava próximo. Muito próximo.— Acha que é hoje? — perguntei, virando meu rosto para olhar em seus olhos.
Ainda estou nos braços dele.O corpo de Alex é uma muralha quente atrás de mim, o braço firme me envolvendo com tanto cuidado que chega a parecer um escudo. Seus dedos fazem círculos preguiçosos no meu quadril, como se quisessem memorizar cada centímetro da minha pele. A manhã lá fora já deve estar avançando, mas aqui, entre os lençóis, o tempo parece ter desacelerado só pra nós dois.Eu poderia ficar assim pra sempre.— Gosto disso, alfa— murmuro, com os olhos ainda fechados.— Disso o quê? — ele pergunta, e sua voz grave vibra contra minhas costas. — De dormir comigo ou de acordar comigo te abraçando?— Dos dois. Mas gosto mais ainda da forma como você me faz sentir quando está perto. Especial… segura. Como se nada no mundo pudesse me machucar.Sinto o beijo que ele deposita bem abaixo da minha orelha. Suave. Quase reverente.— É assim que você é pra mim também, minha loba. A coisa mais preciosa que existe.Eu viro de lado, me aconchegando melhor nele, com meu rosto agora colado ao
Saí da cama com relutância, sentindo Alex ainda quente e preguiçoso atrás de mim. Mas eu precisava conversar com a minha mãe antes que o cio se aproximasse demais. Antes que tudo mudasse. Alex se levantou comigo, nossos dedos entrelaçados com naturalidade, como se nunca tivessem sido separados.Descemos juntos até o cômodo principal da casa, e a encontrei na sala, sentada próxima à lareira, organizando algumas ervas secas com todo o cuidado do mundo. O cabelo dela estava preso de qualquer jeito, e um lenço claro cobria parte dos ombros. Mas mesmo assim, havia uma leveza nova nela, algo que antes parecia apagado, e agora começava a reaparecer, tímido, mas constante.— Mãe? — chamei com suavidade.Ela virou na hora, e aquele sorriso de acolhimento me atingiu com força. Ela abriu os braços, e eu me aconcheguei ali, sentindo o cheiro de chá e terra seca que sempre me trazia alguma paz. Depois, ela me olhou, e depois olhou para Alex, que ficou um pouco atrás, respeitando nosso momento.— D