Capítulo 3

Capítulo 3

Helena despertou com o som de algo sendo mexido na cabana. Sua mente ainda estava enevoada pela exaustão da noite anterior. Os últimos acontecimentos passavam em sua mente como flashes: a fuga desesperada, a queda no abismo, o encontro com Erik… e, claro, aquela mordida que ainda ardia em seu pescoço.

Ela abriu os olhos lentamente, encontrando a luz suave da manhã que entrava pelas frestas das janelas. O som era rítmico, como alguém cortando ou esmagando algo. Ao erguer-se da cama improvisada de peles, viu Erik próximo à lareira, mexendo em um pote sobre as chamas.

Ele estava sem camisa, as costas largas e musculosas iluminadas pela luz da manhã. Seus movimentos eram metódicos enquanto ele triturava algo em uma tigela.

— Está me observando? — A voz rouca de Erik cortou o silêncio, surpreendendo-a.

Helena corou, desviando o olhar rapidamente.

— Você estava fazendo barulho. Foi o que me acordou.

— Bom. Precisamos conversar, de qualquer forma. — Ele não olhou para ela, continuando a misturar o conteúdo do pote.

— Sobre o quê? — Helena perguntou, cruzando os braços e se levantando.

— Sobre onde você está. E por que não há como voltar. — A resposta dele foi direta, mas o tom era calmo, quase indiferente.

Helena sentiu um aperto no peito ao ouvir aquilo. Ela caminhou até a mesa onde ele trabalhava, percebendo que ele cortava ervas e pedaços de algo que parecia carne.

— O que quer dizer com “não há como voltar”? — sua voz vacilou.

Erik finalmente parou o que fazia, erguendo os olhos dourados para ela.

— Eryndor não é o tipo de lugar que permite escapatória, Helena. Você caiu aqui, como tantos outros antes de você, mas sair… — Ele balançou a cabeça, voltando sua atenção para o que fazia.

— Não pode ser impossível — ela insistiu. — Deve haver um caminho, algum portal ou…

— Esqueça. — Ele a interrompeu, o tom firme. — Quanto mais cedo aceitar isso, mais fácil será.

Helena sentiu uma onda de frustração.

— Você está me dizendo que estou presa aqui para sempre?

Erik deu de ombros.

— Presa, livre… depende de como você vê as coisas.

Ela se aproximou mais, forçando-o a encará-la.

— Por que você não me conta logo o que está acontecendo? O que é este lugar? O que você é?

Ele suspirou, como se ela estivesse sendo inconveniente, mas finalmente colocou o que fazia de lado e sentou-se em uma cadeira próxima à lareira. Ele gesticulou para que ela se sentasse na cadeira oposta.

— Certo. Você quer saber sobre Eryndor? Vou lhe contar. Mas preste atenção. — Seus olhos fixaram-se nos dela com intensidade.

Helena sentou-se, hesitante, mas ansiosa por respostas.

— Este lugar é um mundo entre mundos. Nem completamente humano, nem divino. Eryndor é o lar daqueles que foram amaldiçoados por Aurinia, uma deusa que governava os limites entre o humano e o animal.

— Aurinia? Nunca ouvi falar dela. — Helena franziu o cenho.

Erik inclinou a cabeça, o traço de um sorriso surgindo em seus lábios.

— Isso não me surpreende. Ela foi esquecida pelos humanos há séculos. Mas antes disso, Aurinia era adorada por sua habilidade de controlar o equilíbrio entre o instinto animal e a racionalidade humana.

Helena se inclinou para frente, intrigada.

— E o que aconteceu?

Erik olhou para o fogo, sua expressão endurecendo.

— Os homens de um plano superior a desafiaram. Eles acreditavam que estavam acima das leis da natureza, acima da própria deusa. Aurinia, em sua ira, os condenou a viver como aquilo que mais desprezavam: animais. — Ele voltou os olhos para ela. — Mas não apenas isso. Ela os tornou transmorfos, presos entre duas formas, incapazes de escapar completamente da natureza animal.

Helena sentiu um arrepio percorrer sua espinha.

— Então todos aqui… são amaldiçoados?

— Sim. Todos nós carregamos o peso da ira de Aurinia. Humanos que ousaram se julgar deuses.

Ela o olhou com atenção, tentando processar tudo aquilo.

— E você? — sua voz era quase um sussurro.

Erik sorriu, mas o sorriso não alcançou seus olhos.

— Eu? Sou um lobo. Mas acho que você já percebeu isso.

Helena sentiu o peso das palavras dele, mas não conseguiu evitar a pergunta que queimava em sua mente.

— E essa marca? Por que você me marcou?

Erik pareceu hesitar por um momento antes de responder.

— A marca é uma ligação. Um vínculo que impede que você seja reclamada por outra criatura. Este lugar… é perigoso para alguém como você, Helena.

— Alguém como eu? — ela perguntou, confusa.

Ele se levantou, caminhando até a lareira e pegando a tigela com a mistura que preparava.

— Você não é apenas uma humana comum. Ainda não entendeu isso? Este lugar te chamou por um motivo.

Helena ficou em silêncio, tentando encontrar sentido nas palavras dele.

— Então você me marcou para me proteger? — Ela perguntou, desconfiada.

Erik riu, um som rouco e quase sombrio.

— Vamos dizer que foi um benefício mútuo.

Helena sentiu o rosto esquentar, mas antes que pudesse responder, ele colocou um prato simples com comida à sua frente.

— Coma. Você vai precisar de forças.

Ela olhou para o prato, percebendo que, apesar de tudo, estava faminta. Enquanto comia, o silêncio entre eles era preenchido apenas pelo crepitar do fogo.

— E quanto a Aurinia? Ela ainda está por aí? — Helena finalmente quebrou o silêncio.

Erik a olhou por um longo momento antes de responder.

— Alguns dizem que ela ainda observa este mundo, esperando por algo… Ou alguém.

Helena franziu o cenho, uma sensação estranha crescendo dentro dela.

— Eryndor é cheio de segredos, Helena. — Erik inclinou-se para frente, os olhos brilhando à luz do fogo. — Mas não se preocupe. Você ainda vai descobrir cada um deles. Se sobreviver, é claro.

Ela sentiu um arrepio, mas não desviou o olhar. Algo naquele homem, ou melhor, naquele lobo, era ao mesmo tempo ameaçador e irresistivelmente magnético. E, mesmo contra sua vontade, ela sabia que estava presa a ele.

Terminando de mastigar, ela ergueu os olhos para Erik, que ainda a observava com aquela intensidade enervante.

— Certo… Você diz que este lugar é perigoso para alguém como eu. — Ela apoiou os cotovelos na mesa, a curiosidade crescendo. — Mas o que exatamente está lá fora? Que tipo de outros… Seres existem em Eryndor?

Erik soltou uma risada baixa e sombria, inclinando-se contra o encosto da cadeira com um ar de quem apreciava a pergunta.

— Eryndor é um lugar onde as regras da sua antiga realidade não se aplicam. Aqui, cada maldição de Aurinia tomou sua forma única. Não são apenas lobos como eu. Há felinos, serpentes, aves de rapina…

— Todos eles transmorfos como você? — Helena interrompeu, os olhos arregalados.

— Em parte. — Ele inclinou a cabeça para o lado, o olhar se estreitando. — Nem todos conseguem controlar a transformação como eu. Alguns perdem a humanidade completamente e vivem como bestas. Outros vivem no limite, instáveis, perigosos… Especialmente para forasteiros como você.

Helena engoliu em seco, mas tentou manter a expressão neutra.

— E eles me atacariam porque sou uma humana?

— Não é só isso. — Erik sorriu de lado, mas havia algo frio naquele gesto. — Você é diferente, Helena. Algo em você atrai esse lugar, e os outros vão sentir isso. Eles vão querer você.

Ela sentiu o estômago afundar, mas forçou-se a manter a voz firme.

— E você? Você também me quer?

O sorriso de Erik sumiu, e ele a encarou com seriedade.

— Eu já te marquei. Isso deveria ser resposta suficiente.

Ela abriu a boca para responder, mas ele ergueu uma das mãos, cortando-a antes que pudesse dizer algo.

— Vou te dar um conselho. Não se preocupe com quem quer ou não quer você. Apenas mantenha distância de qualquer coisa que não seja eu.

Helena arqueou uma sobrancelha, cruzando os braços.

— Ah, claro. Porque você é tão confiável assim.

Ele riu, o som baixo e perigoso.

— Não sou. Mas, neste mundo, sou a única chance que você tem de sobreviver.

Erik sabia mais sobre Eryndor do que ela, e se quisesse viver, precisaria manter-se perto dele. Pelo menos por enquanto.

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