3.
Ao sul da Isla de los Sueños, Hank abriu os olhos cristalinos. Fechou-os logo depois, ofuscado pela luz do sol. Cobriu o rosto com o antebraço esquerdo e esticou preguiçosamente a mão direita para acariciar o corpo da mulher. No entanto, a mão que procurou pelo corpo feminino encontrou apenas a rocha lisa e molhada pela água.
Ele voltou a cabeça. Girou o corpo, sentou-se. Escrutinou com cuidado toda a superfície do rochedo. A sensação de abandono era terrível. Estava sozinho, acompanhado apenas pelos cilindros de oxigênio e as nadadeiras...
Apesar das evidências, se recusou a acreditar que ela o havia deixado; que sumira da mesma maneira que aparecera, como se tivesse vindo e voltado para o nada.
Ergueu-se de uma vez, equilibrando-se mal e mal nos pés descalços. Precisou se apoiar em uma das pedras, por causa do zumbido nos ouvidos e da visão turva. Ergueu a cabeça, respirou fundo, esperando o mal estar passar. Felizmente foi rápido. Em poucos minutos estava novamente bem. No entanto, uma ardência incômoda se espalhava pelo corpo. Além disso sentia sede e muita fome!
Apesar do desconforto, não deu atenção aos pedidos do corpo. Insistiu em correr os olhos pelos rochedos, na esperança de ver a mulher brincando com os pés na água... Ou penteando os cabelos, absorta com sua imagem no espelho, como as sereias das histórias infantis...
Esticou os olhos para o mar. Só enxergou a vastidão das águas... Ainda caminhou pelos rochedos. Voltou novamente os olhos para o mar. Observou insistentemente toda a natureza a seu redor. Nada. Além dele, apenas a lancha sustida pela âncora, balança preguiçosamente ao sabor das ondas...
−Droga!
Queria chutar e esmurrar as pedras. Mas não fez nada disso. Ficou parado, enfiando as duas mãos nos cabelos, segurando a cabeça, os olhos perdidos no horizonte...
Onde ela estaria e quem era aquela mulher?! Uma turista encantada com a beleza do mar, a ponto de tirar toda a roupa e sair nadando como viera ao mundo...? Ou seria uma nativa? Uma mulher que morasse ali mesmo, na ilha, conhecedora das praias e do oceano, capaz de aparecer e desaparecer sem deixar vestígios, só para brincar de enlouquecer recém chegados, como ele...?
Certo. Talvez estivesse se enganando. Mas era-lhe custoso admitir que uma mulher fosse capaz de fazer amor daquele jeito só para se divertir e depois sumir!
Estava se sentindo tão sozinho, tão sem par que a única decisão que lhe pareceu sensata foi determinar-se a encontrá-la. Se fosse necessário iria virar aquela ilha de pernas para o ar....! Iria se apresentar a cada um dos turistas, providenciar um retrato falado, pregá-lo em cada uma das árvores e pedir informações até para as gaivotas!
− Eu vou te encontrar!!! − Hank berrou. – Se precisar, eu vasculho cada centímetro desse mar! Nem que eu precise drenar toda essa água e revirar as pedras do fundo! Nem que eu precise chegar no inferno! Mas eu garanto que vou te encontrar!!!
Apanhou seu equipamento de mergulho e se jogou no mar, para nadar em direção à lancha Ácqua II.
Depois que colocou o equipamento no interior da lancha, içou-se para dentro da embarcação com a força dos braços. De imediato, levantou a tampa do frigobar e procurou pela água.
Estava sedento e bebeu imediatamente um generoso gole de água. Mas a ardência no corpo era tão grande que lhe exigiu um banho improvisado. De repente, uma voz levemente rouca ecoou em sua cabeça, como num sonho longínquo: Tome um banho. Você precisa tomar um banho... Não se esqueça... Tem que tomar um banho...
Esparramou a água pelo rosto, pelos braços, ombros e peito. A operação para se livrar da ardência era quase dramática. Porém, um sorriso satisfeito se desenhava em sua boca. Seus pensamentos o levaram de volta à sofreguidão dos beijos, da fome com que ela se dera e com que o exigira...
−Moça...! Ah, eu vou te encontrar! − murmurou risonho, perdendo os olhos no mar. – Pode apostar nisso, garota! E eu vou fazer amor com você de novo! E de novo... e de novo...
O rádio da lancha chiou e a voz do operador do Karista emergiu do painel:
– Acqua II... Aqui Karista I, Karista I...
Hank respirou fundo. Sabia que só mesmo um assunto muito sério faria Dick Vanderbuild entrar em contato pelo rádio. Retirou imediatamente o rádio do suporte e respondeu:
− Karista I. Aqui Acqua II, Acqua II, escuto.
Hank se reclinou sobre o painel, recebendo com prazer o calor do sol sobre o corpo nu. Enquanto esperava que o operador alterasse a transmissão para um canal de trabalho, procurou se lembrar onde havia deixado o calção de banho. Quando o localizou ao lado do banco, ouviu a inconfundível e pausada voz do Comandante Dick Vanderbuild:
– Acqua II, aqui Karista I. A bordo, Doutora Juliet Blair, do Centro de Preservação da Vida Marinha. Solicita esclarecimentos sobre a expedição, sob pena de embar...
Foi de repente, sem mais ne menos. Uma voz feminina se sobrepôs à do Comandante. E quebrando todo e qualquer protocolo de comunicação náutica, uma mulher visivelmente transtornada berrou do outro lado:
– Eu não desejo esclarecimentos de nada, seu cretino!
Hank chegou a afastar o corpo para trás, surpreendido pela voz e pelo tom imperioso com que ela gritava pelo rádio!
– Você está executando uma operação ilegal! Estas águas são protegidas pela Legislação Ambiental dos Estados Unidos! Se vocês não saírem daqui imediatamente, eu vou chamar a Guarda Costeira pra te colocar atrás das grades! Cretino!
Hank olhou para o rádio como se uma cobra fosse pular dali e picá-lo direto na jugular. A mulher havia arrancado o rádio das mãos de Dick! Não apenas contrariava os protocolos como passava a quilômetros do bom senso! Aquela louca estava berrando um amontoado de impropérios para ele!
A situação era ridícula. Ao ponto do próprio Dick encerrar o chamado com uma frase igualmente fora do padrão:
– Ouviu a moça, Hank. Estamos aguardando.
Era inegável a nota de divertimento que coloria a educada voz do Comandante. Se fossem outras circunstâncias, o próprio Hank também teria se divertido! O problema é que ele estava tão angustiado, se sentindo tão sozinho e abandonado, que bastou o falatório daquela Doutora Blair maluca para que a angústia se transformasse em irritação. Em segundos a irritação cresceu para uma raiva surda, absurda, explodindo de dentro dele como lava em erupção. Quando pilotou a lancha de volta ao navio, estava quase cego de tanto ódio!
4.O Comandante Dick Vanderbuild não fez nenhum comentário sobre o arroubo de Juliet Blair. Retirou o rádio de suas mãos, encerrou a comunicação com Hank e estendeu o aparelho ao operador. Só depois disso, foi que observou detidamente a mulher.As faces afogueadas e o peito arfante redobravam o interesse de ambos os oficiais que estavam na ponte do Karista I. A Doutora Blair estava espumando de raiva, o que emprestava um brilho extra aos olhos cor de água-marinha. Eram dois olhos verdes, grandes e amendoados. Brilhantes sob sobrancelhas arqueadas, conferiam à ela uma semelhança inequívoca com os seres mágicos das florestas. Um nariz reto, clássico, contrastava com uma boca soberba, de lábios muito carnudos, como que esculpida a cinzel por um artista criterioso.Espetáculo à parte, longos cabelos castanhos, repletos de reflexos dourados, emoldu
5.Quando entrou no convés do Karista I, Hank provocou um suspiro generalizado entre as mulheres da equipe de pesquisa.Muito alto, exibia um corpo de atleta coberto exclusivamente por um calção de banho preto. Era-lhe natural arrancar olhares lânguidos das mulheres, praticamente de todas as mulheres, fascinadas com sua masculinidade intempestiva, com o brilho acobreado dos cabelos louros e a claridade dos olhos azuis.Naquele momento, pouco se importou com os olhares. Aliás, nem os viu. Mas nem mesmo a “cara amarrada” e de poucos amigos foi capaz de dissuadir o público feminino aquartelado no convés principal.Dick Vanderbuild, que observava a cena, não evitou o riso. Não conseguiu deixar de comparar a Doutora Blair com Marcy, a loira escultural que todos, inclusive ele, acreditavam ser a namorada de Hank.Juliet Blair era o avesso: um corcel indomável, completamente
7.Quando Juliet Blair chegou no cais, Gavin Kimball entrava nervosamente em uma lancha, claramente disposto a ir atrás dela, no Karista I.Ela lhe acenou com a mão, um sorriso sem jeito nos lábios. Sua cota de fiascos já havia sido esgotada e não estava disposta a contabilizar mais um. Além da cena desnecessária com Hank Forbes, fora obrigada a sair do navio com o rabo entre as pernas.Pelo menos a garotada que estava no convés principal não presenciara o desfecho tragicômico de sua discussão com o Todo Poderoso. Enquanto atravessava o deque, eles mantiveram olhares desconfiados e pouco amistosos, mas nada além disso. No entanto, no meio dos universitários da San Diego destacara-se uma loira platinada, com um par de seios turbinados mal e parcamente ocultos por um biquíni preto. Ela lhe medira de alto a baixo, antes de perguntar, ríspida:
9.Hank recostou-se nos travesseiros e esticou as longas pernas sobre a cama.Já havia tomado um banho e atacado sem piedade uma generosa bandeja de comida. Enquanto comia no escritório contíguo à sua cabine, vigiara com paciência a sucessão de folhas depositadas na bandeja da impressora. Eram os relatórios de pesquisa da Doutora Juliet Blair, enviados via e-mail por sua secretária. Agora ele os estava lendo, com um meio sorriso curvando os lábios.A Doutora era técnica. Objetiva e clara, não dava muitas chances à imaginação do leitor. No entanto, a composição geral do texto era tão bem feita que lê-lo tornava-se tarefa muito prazerosa. Definitivamente Juliet Blair sabia escrever! E, vindo de uma bióloga, aquilo era muito interessante!Ao todo, quatro relatórios foram enviados. Nos dois primeiros, ela narrava p
11.Juliet manobrou o Jipe para a garagem improvisada. Depois que estacionou, deixou escapar um suspiro profundo. Estava exausta. Parecia que toda a sua energia havia sido minada.Mesmo sentindo um cansaço extremo, estava determinada em cumprir seu ritual de entardecer. Iria se sentar nas pedras diante do seu bangalô e observar o sol desaparecer no horizonte, até a chegada da noite.Que dia difícil! Não bastasse a arrogância, a violência e o convencimento do Doutor Caruzzo, ele tinha o dom de atrair todo tipo de atenção! E aquilo tornara seu dia no Centro de Preservação da Vida Marinha um verdadeiro inferno!As balsas haviam chegado lotadas, repletas de turistas espocando celulares de última geração na direção do Karista. A todo o momento grupos barulhentos irrompiam no Centro, repetindo as mesmas e ansiosas perguntas: Quando o Karista
13.Juliet Blair deslizava. Flutuava por entre as mesas, etérea, envergando um vestidinho azul sobre o qual brilhava, despretensiosamente, uma corrente de ouro com um pingente de strass em forma de peixe.O vestido bailava de um lado para o outro, incitando a imaginação: o que estava coberto seria tão deliciosamente moreno e firme como se apresentavam as coxas à mostra...?Hank passou a língua nos lábios. Seus olhos lambiam as pernas de Juliet, subindo na direção do ventre. Quase sentiu o gosto agridoce de um creme hidratante lambuzado na pele macia...A imaginação beijou vagarosamente as coxas... Que mulher gostosa!Deixou-se levar pela sensação imaginária de prová-la. Subiu a língua para uma delicada calcinha azul, de rendas. Por puro fetiche, desceu-a até o meio das suas pernas. Sorriu. Imaginou s
15Hank acordou da fantasia. Depois da bofetada, a mulher lhe virara abruptamente as costas e saíra de perto dele. Ainda viu os cabelos castanhos dançarem diante de seus olhos, enquanto levava a mão ao rosto afogueado. No primeiro momento não pensou em nada. A não ser, em se recriminar:− Puta merda, que é que eu fiz?! − resmungou.Entendeu que deveria ir atrás dela e pedir desculpas. Ainda que Juliet não lesse pensamentos, convenhamos: aquela frase havia sido uma completa falta de respeito! Por mais que continuasse preso à sensação de delírio, facilmente jogado numa tempestade de fantasias que, sim, estavam se sobrepondo à realidade, nada justificava a forma com que havia falado com ela! Talvez fossem mesmo a “porra” dos corais que ainda faziam seu estrago. Mas nem a mais insana das chapações lhe daria o dir
17.− Juliet, espere! Juliet! – Hank gritou. Ela não esperou. E tampouco lhe deu atenção. Subiu num jipe velho, deu partida e saiu dirigindo a toda velocidade.− Droga! – ele bufou de raiva.Levou as mãos aos cabelos e quase chorou de tanta frustração. Obviamente se sentia um cretino.− Parece que Dick foi embora...! − Marcy reclamou, aparecendo na varanda, atrás dele.Hank se voltou para ela.− Quer saber, Marcy? Acho que você e eu somos as criaturas mais imbecis desse planeta! Sabe quem foi que dançou nessa história de beijo e ciuminhos? Você e eu!− Bobagem! −ela insistiu. − Vai ver como amanhã ela vai estar mansinha! Conheço o tipo!− Conhece nada, Marcy! – esbravejou inconformado.Resolveu dar as costas para a loira e ir camin