4.
O Comandante Dick Vanderbuild não fez nenhum comentário sobre o arroubo de Juliet Blair. Retirou o rádio de suas mãos, encerrou a comunicação com Hank e estendeu o aparelho ao operador. Só depois disso, foi que observou detidamente a mulher.
As faces afogueadas e o peito arfante redobravam o interesse de ambos os oficiais que estavam na ponte do Karista I. A Doutora Blair estava espumando de raiva, o que emprestava um brilho extra aos olhos cor de água-marinha. Eram dois olhos verdes, grandes e amendoados. Brilhantes sob sobrancelhas arqueadas, conferiam à ela uma semelhança inequívoca com os seres mágicos das florestas. Um nariz reto, clássico, contrastava com uma boca soberba, de lábios muito carnudos, como que esculpida a cinzel por um artista criterioso.
Espetáculo à parte, longos cabelos castanhos, repletos de reflexos dourados, emolduravam o rosto. Não era muito alta. Tinha pouco mais de um metro e setenta. Mas oferecia ao deleite a visão de um corpo curvilíneo com pele firme e bronzeada.
Sem exagero, a mulher era lindíssima! Mas... meu Deus do céu! – o Comandante pensou. Ela era completamente descompensada!
Quando a convidara para subir a bordo, o fizera na certeza de que bastava um pouco de educação para ela se dispor ao diálogo. Sua convicção durara até Juliet Blair arrancar o radiofone de suas mãos e ameaçar colocar atrás das grades, ninguém menos do que Hank Caruzzo!
O Comandante franziu um pouco o cenho. O futuro que se aproximava não parecia muito promissor. Hank era um homem bom e, em geral, até muito bem humorado. Mas a mulher que atraía os olhares dos oficias o acusara, aliás, aos gritos, de que toda aquela operação era ilegal. Mais: de que iria colocá-lo na cadeia!
A menos que a inspeção em alto mar tivesse sido um sucesso estrondoso, dificilmente Hank e a Doutora Blair sairiam do encontro que se aproximava sem se engalfinhariam como dois lutadores de rua...!
Foi por este motivo que achou prudente evitar que o desastre fosse público. A intenção era deixar Juliet e Hank longe das vistas e dos ouvidos da tripulação e da equipe de pesquisa.
− Aceita um café, Doutora Blair? − perguntou educadamente.
Juliet olhou para o Comandante de alto a baixo. Sério?! Ele estava lhe oferecendo um cafezinho?!
− Olhe, Comandante, eu não vim ao seu navio para tomar café, para tomar água ou para um aperto de mãos! Eu vim porque vocês estão perturbando a vida marinha...
− Eu sei, Doutora, não se preocupe...! − ele a cortou, com a voz amistosa− Mas veja: daqui a pouco o Doutor Caruzzo estará aqui e tudo será resolvido a contento. Enquanto isso, nada me impede de lhe oferecer um café, alguns biscoitos... deixá-la instalada confortavelmente. Por favor... aceite!
Que jeito?! – ela se pegou pensando, amuada. Sem alternativas, marchou outra vez atrás do Comandante, na direção do deck de alojamentos.
5.Quando entrou no convés do Karista I, Hank provocou um suspiro generalizado entre as mulheres da equipe de pesquisa.Muito alto, exibia um corpo de atleta coberto exclusivamente por um calção de banho preto. Era-lhe natural arrancar olhares lânguidos das mulheres, praticamente de todas as mulheres, fascinadas com sua masculinidade intempestiva, com o brilho acobreado dos cabelos louros e a claridade dos olhos azuis.Naquele momento, pouco se importou com os olhares. Aliás, nem os viu. Mas nem mesmo a “cara amarrada” e de poucos amigos foi capaz de dissuadir o público feminino aquartelado no convés principal.Dick Vanderbuild, que observava a cena, não evitou o riso. Não conseguiu deixar de comparar a Doutora Blair com Marcy, a loira escultural que todos, inclusive ele, acreditavam ser a namorada de Hank.Juliet Blair era o avesso: um corcel indomável, completamente
7.Quando Juliet Blair chegou no cais, Gavin Kimball entrava nervosamente em uma lancha, claramente disposto a ir atrás dela, no Karista I.Ela lhe acenou com a mão, um sorriso sem jeito nos lábios. Sua cota de fiascos já havia sido esgotada e não estava disposta a contabilizar mais um. Além da cena desnecessária com Hank Forbes, fora obrigada a sair do navio com o rabo entre as pernas.Pelo menos a garotada que estava no convés principal não presenciara o desfecho tragicômico de sua discussão com o Todo Poderoso. Enquanto atravessava o deque, eles mantiveram olhares desconfiados e pouco amistosos, mas nada além disso. No entanto, no meio dos universitários da San Diego destacara-se uma loira platinada, com um par de seios turbinados mal e parcamente ocultos por um biquíni preto. Ela lhe medira de alto a baixo, antes de perguntar, ríspida:
9.Hank recostou-se nos travesseiros e esticou as longas pernas sobre a cama.Já havia tomado um banho e atacado sem piedade uma generosa bandeja de comida. Enquanto comia no escritório contíguo à sua cabine, vigiara com paciência a sucessão de folhas depositadas na bandeja da impressora. Eram os relatórios de pesquisa da Doutora Juliet Blair, enviados via e-mail por sua secretária. Agora ele os estava lendo, com um meio sorriso curvando os lábios.A Doutora era técnica. Objetiva e clara, não dava muitas chances à imaginação do leitor. No entanto, a composição geral do texto era tão bem feita que lê-lo tornava-se tarefa muito prazerosa. Definitivamente Juliet Blair sabia escrever! E, vindo de uma bióloga, aquilo era muito interessante!Ao todo, quatro relatórios foram enviados. Nos dois primeiros, ela narrava p
11.Juliet manobrou o Jipe para a garagem improvisada. Depois que estacionou, deixou escapar um suspiro profundo. Estava exausta. Parecia que toda a sua energia havia sido minada.Mesmo sentindo um cansaço extremo, estava determinada em cumprir seu ritual de entardecer. Iria se sentar nas pedras diante do seu bangalô e observar o sol desaparecer no horizonte, até a chegada da noite.Que dia difícil! Não bastasse a arrogância, a violência e o convencimento do Doutor Caruzzo, ele tinha o dom de atrair todo tipo de atenção! E aquilo tornara seu dia no Centro de Preservação da Vida Marinha um verdadeiro inferno!As balsas haviam chegado lotadas, repletas de turistas espocando celulares de última geração na direção do Karista. A todo o momento grupos barulhentos irrompiam no Centro, repetindo as mesmas e ansiosas perguntas: Quando o Karista
13.Juliet Blair deslizava. Flutuava por entre as mesas, etérea, envergando um vestidinho azul sobre o qual brilhava, despretensiosamente, uma corrente de ouro com um pingente de strass em forma de peixe.O vestido bailava de um lado para o outro, incitando a imaginação: o que estava coberto seria tão deliciosamente moreno e firme como se apresentavam as coxas à mostra...?Hank passou a língua nos lábios. Seus olhos lambiam as pernas de Juliet, subindo na direção do ventre. Quase sentiu o gosto agridoce de um creme hidratante lambuzado na pele macia...A imaginação beijou vagarosamente as coxas... Que mulher gostosa!Deixou-se levar pela sensação imaginária de prová-la. Subiu a língua para uma delicada calcinha azul, de rendas. Por puro fetiche, desceu-a até o meio das suas pernas. Sorriu. Imaginou s
15Hank acordou da fantasia. Depois da bofetada, a mulher lhe virara abruptamente as costas e saíra de perto dele. Ainda viu os cabelos castanhos dançarem diante de seus olhos, enquanto levava a mão ao rosto afogueado. No primeiro momento não pensou em nada. A não ser, em se recriminar:− Puta merda, que é que eu fiz?! − resmungou.Entendeu que deveria ir atrás dela e pedir desculpas. Ainda que Juliet não lesse pensamentos, convenhamos: aquela frase havia sido uma completa falta de respeito! Por mais que continuasse preso à sensação de delírio, facilmente jogado numa tempestade de fantasias que, sim, estavam se sobrepondo à realidade, nada justificava a forma com que havia falado com ela! Talvez fossem mesmo a “porra” dos corais que ainda faziam seu estrago. Mas nem a mais insana das chapações lhe daria o dir
17.− Juliet, espere! Juliet! – Hank gritou. Ela não esperou. E tampouco lhe deu atenção. Subiu num jipe velho, deu partida e saiu dirigindo a toda velocidade.− Droga! – ele bufou de raiva.Levou as mãos aos cabelos e quase chorou de tanta frustração. Obviamente se sentia um cretino.− Parece que Dick foi embora...! − Marcy reclamou, aparecendo na varanda, atrás dele.Hank se voltou para ela.− Quer saber, Marcy? Acho que você e eu somos as criaturas mais imbecis desse planeta! Sabe quem foi que dançou nessa história de beijo e ciuminhos? Você e eu!− Bobagem! −ela insistiu. − Vai ver como amanhã ela vai estar mansinha! Conheço o tipo!− Conhece nada, Marcy! – esbravejou inconformado.Resolveu dar as costas para a loira e ir camin
19.Juliet Blair estava em seu laboratório, no Centro de Preservação da Vida Marinha. Dividia-se entre a alegria de ter, finalmente, isolado um dos compostos bioativos do Haemastoma e a apreensão pelo tabefe que enfiara na cara de Hank Forbes.Uma sensação bem ruim se seguia à lembrança de seus dedos marcando o rosto barbeado. Na verdade, a lembrança evocava a apreensão exatamente naquele ponto. Mas, quando sua memória trazia de volta um Hank gritando por ela na escuridão... seu corpo se consumia numa tristeza profunda. Nesse ponto, nem as ampolas com as amostras eram capazes de alegrá-la. Sabia que dali a pouco ele estaria ali... Porém, definitivamente, não tinha a menor ideia de como reagiria ao recebê-lo!− Ah! Aí está você!Gavin entrara no laboratório desmunhecando tanto qu