2.
O Comandante Dick Vanderbuild era um homem amistoso, de gestos e palavras afáveis. Quando recebeu Juliet Blair na popa do navio, imediatamente lhe estendeu a mão e lhe dirigiu um sorriso, desculpando-se pelo transtorno:
− Já adianto as desculpas do Doutor Caruzzo, Doutora Blair. Tenho certeza de que tudo isso é um grande mal-entendido!
Juliet apertou-lhe a mão com ar desconfiado. Não adiantava brigar, se o próprio Comandante lhe dizia que o responsável por aquele trambolho nas águas da Isla de los Sueños não era ele!
− Pode chamá-lo, por favor?
−Infelizmente o Doutor Caruzzo não está a bordo. Ele saiu de lancha, logo pela manhã, para reconhecimento do local. Mas vou me comunicar com ele, pelo rádio. Gostaria de me acompanhar?
Juliet olhou em volta. Ali mesmo, na praça de popa, um grupo de jovens envolvidos com equipamentos eletrônicos, dividia-se entre a tarefa de checar os instrumentos e observá-la com visível antipatia.
− Obrigada, Comandante, eu gostaria sim, por favor.
Juliet seguiu o Comandante Vanderbuild. Na escada, ainda olhou para trás, a tempo de capturar o gesto obsceno que uma das moças fazia para ela. Quando foi pega em flagrante, ao invés de encolher-se como uma colegial amedrontada, a garota juntou as mãos na cintura nua e encarou-a com o queixo erguido.
− O Karista I foi construído pela Rolls Royce, Doutora Blair. − o Comandante lhe contou− Seu design e seus equipamentos foram projetados especialmente para pesquisas com sensoriamento remoto. Estamos equipados com o que existe de melhor em matéria de comunicação, sobretudo via satélite. Rapidamente localizaremos o Doutor Caruzzo...!
− Que tipo de pesquisa o Karista está realizando, Comandante?
O Comandante lançou à ela um olhar surpreso. Parecia custar à acreditar que ela não sabia do que se tratava. Mas quando entendeu que Juliet não fazia a menor ideia da expedição, ele disfarçou o constrangimento com uma evasiva:
− Eu prefiro que o Doutor Caruzzo lhe explique, porque eu posso não ser um bom interlocutor...
Juliet não gostou. E como o Comandante não dava mostras de que adiantaria o assunto, ela mudou de estratégia:
− Tá. Está bem, Comandante! Mas, por favor, esse Caruzzo... ele é doutor em quê, afinal de contas?!
À frente dela, o Comandante afastou o corpo, lhe convidando para que entrasse na ponte. Respondeu naturalmente, sem um pingo de afetação:
− Ele é doutor em Arqueologia Marinha. Também é Chefe do Departamento de Arqueologia da Universidade de San Diego.
− Hummm – ela resmungou azeda, porque a resposta continuou sem lhe dizer nada! De onde conhecia aquela droga de nome?!
Bastou um rápido olhar nos equipamentos da ponte para Juliet perceber que o Karista I era um navio de ponta! Embora fosse um navio de pesquisas, sua ponte era idêntica à de grandes navios de cruzeiro. Uma bancada em “U”, disposta de frente para a proa e imensas janelas frontais, era equipada com uma profusão alarmante de monitores com telas led, comandos de navegação, computadores e toda a sorte de botões e parafernálias coloridas. Como estava ancorado, apenas dois oficiais uniformizados estavam no local.
O Comandante Vanderbuild dirigiu-se ao operador:
− Senhor Harris, contate o Doutor Caruzzo na Ácqua II, por favor.
O oficial assentiu e voltou-se para um dos aparelhos de transmissão radiofônica do navio. Aguardou dois minutos. Depois de localizar e sintonizar uma frequência de comunicação, iniciou o procedimento de comunicação marítima:
− Ácqua II, Ácqua II, Ácqua II. Aqui Karista I, Karista I, Karista I....
3.Ao sul da Isla de los Sueños, Hank abriu os olhos cristalinos. Fechou-os logo depois, ofuscado pela luz do sol. Cobriu o rosto com o antebraço esquerdo e esticou preguiçosamente a mão direita para acariciar o corpo da mulher. No entanto, a mão que procurou pelo corpo feminino encontrou apenas a rocha lisa e molhada pela água.Ele voltou a cabeça. Girou o corpo, sentou-se. Escrutinou com cuidado toda a superfície do rochedo. A sensação de abandono era terrível. Estava sozinho, acompanhado apenas pelos cilindros de oxigênio e as nadadeiras...Apesar das evidências, se recusou a acreditar que ela o havia deixado; que sumira da mesma maneira que aparecera, como se tivesse vindo e voltado para o nada.Ergueu-se de uma vez, equilibrando-se mal e mal nos pés descalços. Precisou se apoiar em uma das pedras, por causa do zumbido nos ouvidos e da vis&a
4.O Comandante Dick Vanderbuild não fez nenhum comentário sobre o arroubo de Juliet Blair. Retirou o rádio de suas mãos, encerrou a comunicação com Hank e estendeu o aparelho ao operador. Só depois disso, foi que observou detidamente a mulher.As faces afogueadas e o peito arfante redobravam o interesse de ambos os oficiais que estavam na ponte do Karista I. A Doutora Blair estava espumando de raiva, o que emprestava um brilho extra aos olhos cor de água-marinha. Eram dois olhos verdes, grandes e amendoados. Brilhantes sob sobrancelhas arqueadas, conferiam à ela uma semelhança inequívoca com os seres mágicos das florestas. Um nariz reto, clássico, contrastava com uma boca soberba, de lábios muito carnudos, como que esculpida a cinzel por um artista criterioso.Espetáculo à parte, longos cabelos castanhos, repletos de reflexos dourados, emoldu
5.Quando entrou no convés do Karista I, Hank provocou um suspiro generalizado entre as mulheres da equipe de pesquisa.Muito alto, exibia um corpo de atleta coberto exclusivamente por um calção de banho preto. Era-lhe natural arrancar olhares lânguidos das mulheres, praticamente de todas as mulheres, fascinadas com sua masculinidade intempestiva, com o brilho acobreado dos cabelos louros e a claridade dos olhos azuis.Naquele momento, pouco se importou com os olhares. Aliás, nem os viu. Mas nem mesmo a “cara amarrada” e de poucos amigos foi capaz de dissuadir o público feminino aquartelado no convés principal.Dick Vanderbuild, que observava a cena, não evitou o riso. Não conseguiu deixar de comparar a Doutora Blair com Marcy, a loira escultural que todos, inclusive ele, acreditavam ser a namorada de Hank.Juliet Blair era o avesso: um corcel indomável, completamente
7.Quando Juliet Blair chegou no cais, Gavin Kimball entrava nervosamente em uma lancha, claramente disposto a ir atrás dela, no Karista I.Ela lhe acenou com a mão, um sorriso sem jeito nos lábios. Sua cota de fiascos já havia sido esgotada e não estava disposta a contabilizar mais um. Além da cena desnecessária com Hank Forbes, fora obrigada a sair do navio com o rabo entre as pernas.Pelo menos a garotada que estava no convés principal não presenciara o desfecho tragicômico de sua discussão com o Todo Poderoso. Enquanto atravessava o deque, eles mantiveram olhares desconfiados e pouco amistosos, mas nada além disso. No entanto, no meio dos universitários da San Diego destacara-se uma loira platinada, com um par de seios turbinados mal e parcamente ocultos por um biquíni preto. Ela lhe medira de alto a baixo, antes de perguntar, ríspida:
9.Hank recostou-se nos travesseiros e esticou as longas pernas sobre a cama.Já havia tomado um banho e atacado sem piedade uma generosa bandeja de comida. Enquanto comia no escritório contíguo à sua cabine, vigiara com paciência a sucessão de folhas depositadas na bandeja da impressora. Eram os relatórios de pesquisa da Doutora Juliet Blair, enviados via e-mail por sua secretária. Agora ele os estava lendo, com um meio sorriso curvando os lábios.A Doutora era técnica. Objetiva e clara, não dava muitas chances à imaginação do leitor. No entanto, a composição geral do texto era tão bem feita que lê-lo tornava-se tarefa muito prazerosa. Definitivamente Juliet Blair sabia escrever! E, vindo de uma bióloga, aquilo era muito interessante!Ao todo, quatro relatórios foram enviados. Nos dois primeiros, ela narrava p
11.Juliet manobrou o Jipe para a garagem improvisada. Depois que estacionou, deixou escapar um suspiro profundo. Estava exausta. Parecia que toda a sua energia havia sido minada.Mesmo sentindo um cansaço extremo, estava determinada em cumprir seu ritual de entardecer. Iria se sentar nas pedras diante do seu bangalô e observar o sol desaparecer no horizonte, até a chegada da noite.Que dia difícil! Não bastasse a arrogância, a violência e o convencimento do Doutor Caruzzo, ele tinha o dom de atrair todo tipo de atenção! E aquilo tornara seu dia no Centro de Preservação da Vida Marinha um verdadeiro inferno!As balsas haviam chegado lotadas, repletas de turistas espocando celulares de última geração na direção do Karista. A todo o momento grupos barulhentos irrompiam no Centro, repetindo as mesmas e ansiosas perguntas: Quando o Karista
13.Juliet Blair deslizava. Flutuava por entre as mesas, etérea, envergando um vestidinho azul sobre o qual brilhava, despretensiosamente, uma corrente de ouro com um pingente de strass em forma de peixe.O vestido bailava de um lado para o outro, incitando a imaginação: o que estava coberto seria tão deliciosamente moreno e firme como se apresentavam as coxas à mostra...?Hank passou a língua nos lábios. Seus olhos lambiam as pernas de Juliet, subindo na direção do ventre. Quase sentiu o gosto agridoce de um creme hidratante lambuzado na pele macia...A imaginação beijou vagarosamente as coxas... Que mulher gostosa!Deixou-se levar pela sensação imaginária de prová-la. Subiu a língua para uma delicada calcinha azul, de rendas. Por puro fetiche, desceu-a até o meio das suas pernas. Sorriu. Imaginou s
15Hank acordou da fantasia. Depois da bofetada, a mulher lhe virara abruptamente as costas e saíra de perto dele. Ainda viu os cabelos castanhos dançarem diante de seus olhos, enquanto levava a mão ao rosto afogueado. No primeiro momento não pensou em nada. A não ser, em se recriminar:− Puta merda, que é que eu fiz?! − resmungou.Entendeu que deveria ir atrás dela e pedir desculpas. Ainda que Juliet não lesse pensamentos, convenhamos: aquela frase havia sido uma completa falta de respeito! Por mais que continuasse preso à sensação de delírio, facilmente jogado numa tempestade de fantasias que, sim, estavam se sobrepondo à realidade, nada justificava a forma com que havia falado com ela! Talvez fossem mesmo a “porra” dos corais que ainda faziam seu estrago. Mas nem a mais insana das chapações lhe daria o dir