Aquele momento carregava um peso emocional que vinha sendo cultivado ao longo dos anos. Eles haviam construído uma intimidade profunda, mas sempre velada, um desejo que nunca ousaram satisfazer plenamente. Althea e Eryon compartilhavam um laço que transcendia o entendimento comum, um vínculo nascido de olhares silenciosos e toques furtivos, reprimidos pelas circunstâncias e pelos medos mais sombrios de Eryon.Desde cedo, ele carregava o fardo das ausências. Cresceu como um órfão, acolhido pelas sacerdotisas do templo de Veyara, e por isso era um "Daelen". Não tinha outro sobrenome, não pertencia a um clã. Somente ao lado de Althea, durante os anos no território Lykir, descobriu o significado de cumplicidade e carinho. No entanto, à medida que se aproximava a idade para sua primeira transformação, a ausência do lobo dentro de si o fazia sentir-se quebrado, ainda mais incompleto. Ele temia arrastar Althea para as sombras do desconhecido, para o abismo de suas próprias inseguranças. Mas
Era um campo infinito, recheado de uma paisagem que mudava constantemente — montanhas se tornavam rios, florestas se dissolviam em desertos. No centro desse mundo mutável, duas presenças que pareciam emanar uma energia ancestral emergiram: uma radiante e envolta em luz prateada, a outra cercada por sombras escuras, mas com olhos dourados que cintilavam.Suas formas pareciam familiares. Cada gesto, cada movimento trazia uma sensação de déjà vu. Elas não falavam, mas suas presenças comunicavam uma história de eras passadas, de uma luta eterna entre luz e escuridão, onde ambos coexistiam em um intrincado equilíbrio.Althea sentiu um arrepio percorrer sua espinha. O aperto de Eryon era vívido ao redor de sua mão.— Sua presença é tão real! Mas tenho quase certeza de que estou sonhando.Eryon assentiu, os olhos fixos nas figuras.— Sim. Também sinto você aqui, mas esse sonho é meu ou seu?Althea apertou a mão de Eryon de volta, tentando encontrar sentido na experiência.— Não sei dizer. Pa
A vila estava agitada, o tão esperado eclipse, aguardado por trinta anos, aconteceria no último dia da próxima Lua dos Antigos. Membros de todos os clãs chegavam a todo momento, transformando os arredores em uma grande celebração. O grupo aguardou Kamar, enviado como batedor, retornar com notícias do templo. A expectativa era de encontrar o local fortemente protegido, e eles precisavam encontrar uma maneira de acessa-lo. Mas sua expressão indicava algo diferente. — O templo está... totalmente desprotegido! — Anunciou o Varkos, sem esconder sua surpresa. — Não há guardas, nem mesmo sinal das sombras que enfrentamos antes. Althea e Eryon trocaram um olhar preocupado. Algo não estava certo. Eles contavam encontrar Eirlys lá, com suas grotescas criaturas, para garantir que ninguém impediria seus planos. — Pode ser uma armadilha — murmurou Althea, a suspeita tingindo suas palavras. — Ou então, chegamos cedo demais — acrescentou Eryon. Eles discutiram entrei si sobre os próximos passo
Após a longa noite de vigília, o grupo de lykor finalmente se reuniu na clareira, sob a luz pálida do amanhecer. O cansaço era visível nos rostos de todos.Kael, com seu olhar habitualmente incisivo, tomou a palavra primeiro:— Como líder, informo que tenho um quarto reservado na estalagem Chama do Crepúsculo — anunciou, sua voz firme, mas com uma ponta de exaustão. — Preciso de uma boa cama e um banho decente.Todos trocaram olhares, tinham até desacostumado com o som de sua voz, já que Kael estava mais calado do que o habitual. Althea sabia que a presença da essência de Eryon em seu corpo pesava sobre ele. Os sentimentos que Kael nutria por ela ainda eram intensos, e a rivalidade com Eryon só se agravara ao saber que ele havia experimentado o que Kael desejava com todo o seu ser.— Vamos todos para a vila, então — sugeriu Eryon, tentando desviar a atenção. — Com o festival do Eclipse em andamento, a Vila de Veyara estará lotada. Precisamos de uma estratégia para nos misturar.A propo
Aquele era o primeiro dia do ciclo mais importante da Lua dos Antigos, a lua cheia que culminaria com o eclipse aguardado por toda uma geração. A luz prateada filtrava-se suavemente pelas copas das árvores, clareando a floresta. Althea, em sua forma lupina, sentia a terra sob suas patas como uma extensão de si mesma, enquanto Eyle corria ao seu lado. Suas respirações estavam sincronizadas, o ritmo da caça fluindo como uma melodia ancestral. A corsa que perseguiam saltava adiante, ágil e elegante, mas Althea sabia que era só uma questão de tempo até encurralá-la.Elas estavam na floresta desde a noite anterior, e a corrida era mais do que uma mera atividade física; era uma celebração silenciosa de tudo o que haviam compartilhado, da conexão com seus instintos e dos momentos de apoio mútuo. Para Eyle, essa experiência marcava uma aceitação de si mesma e a consciência de que era chegado o momento de fazer suas escolhas. Para Althea, um ato de retribuição, uma oportunidade de cuidar de qu
O silêncio profundo na biblioteca do templo era quebrado apenas pelo suave folhear das páginas sob as mãos de Eryon. A vastidão das prateleiras parecia conter todos os segredos do mundo, mas nenhum livro tinha o poder de silenciar as perguntas que ainda ecoavam em sua mente, depois do encontro de ontem. Sua busca por informações sobre seus pais o trouxe até ali. Nas últimas horas, ele havia descoberto seus nomes e isso abriu portas para novas revelações, mais profundas e complexas, que o desafiavam a entender o que realmente estava por trás de tudo. Ele parou um momento, respirando fundo, deixando a mente vagar. A familiaridade que sempre sentira pelos Seylir agora fazia sentido. Sua mãe, Lyra, pertencia aquele clã. O povo que ele sempre respeitou e se sentiu ligado, na verdade, estava em sua própria história. A imagem dela, com seu sorriso suave, olhos e cabelos castanhos, permanecia viva em sua mente, embora não fosse fruto de lembranças reais. Tudo o que tinha, vinha da visão qu
Apesar da experiência com Nykros, da qual Althea pouco comentou com Eyle, ambas estavam aproveitando o momento de conexão com a natureza. A cada respiração, sentiam o ar puro da floresta clarear suas mentes e fortalecer seus espíritos. Era o terceiro dia que passavam ali, em um retiro que parecia constantemente renovar suas forças.Eyle, notando uma diminuição em seu fluxo, percebeu que a hora de retornar à vila se aproximava. Compartilhou com Althea, que recentemente passara pela experiência de seu segundo cio, e juntas decidiram aproveitar um pouco mais a cachoeira antes de se prepararem para a jornada de volta.A água cristalina despencava de uma altura majestosa, formando uma cortina cintilante que refletia os raios do sol em um espetáculo de cores. As rochas ao redor estavam cobertas por musgo verdejante, e pequenas flores selvagens brotavam nas fendas, adicionando um toque de vida ao cenário, que parecia perfeito para o propósito de reconexão com seus instintos primitivos. O som
A cabana não ficava muito distante da cachoeira onde, minutos antes, elas descansavam.— Não me lembro de ter visto essa cabana aqui. — Althea observou.— Nem eu. — Elas se entreolharam, desconfiadas.Mas aquele choro as compeliu para dentro do local, que estava escuro e tinha forte cheiro de mofo. O som do bebê guiava sua atenção para um ponto específico do que parecia ser o único cômodo da habitação, e num canto, envolto em penumbras, elas viram um pequeno cesto de vime, que balançava levemente, como que acomodando um filhote inquieto.A criança agora quase gritava, em um apelo desesperado, fazendo com que as lobas de Althea e Eyle uivassem em suas mentes, ansiosas para acalentar aquele filhote. A líder se adiantou na direção do berço improvisado, tropeçando em obstáculos que não conseguiu identificar no meio daquele ambiente de parca luz.Eyle percebeu que seus sentidos estavam embotados e sentiu, no fundo da sua consciência, que algo não estava certo. Tentou alertar Althea:— Espe