CAPÍTULO 09

Lucian...

Depois de sair daquele hospital, retornei a minha casa e fui confrontado com milhares de perguntas, às quais nem me dei ao trabalho de responder. Dirigi-me diretamente ao meu escritório e apanhei uma garrafa de uísque, virando-a de uma vez na boca.

A bebida descia como um calmante cuja validade expirara; de nada adiantou, eu me encontrava na mesma situação ou até pior do que antes.

Joguei-me no sofá do escritório, que ficava de frente para a grande janela de vidro. As luzes estavam apagadas; a única iluminação provinha da enorme lua cheia. Coloquei o braço sob a testa e fechei os olhos, imaginando Aurora em meus braços.

"Essa mulher me faz perder o controle com uma facilidade surpreendente."

"Por que ela atrai tanto a minha atenção?"

Seu jeito de andar e falar me deixa rendido aos seus pés, pronto para servi-la. Nunca me senti tão atraído por ninguém, mas Aurora, apenas com um olhar, despertou em mim o sentimento mais possessivo que um lobo poderia ter. Ela entrou em meu caminho e ficará nele, nem que seja à força, e ai daquele que ousar chegar perto dela.

"Quanta possessividade por uma desconhecida, Lucian."

Deveria sentir isso por Isabel e não por uma mulher que nunca vi. Mas é tudo ao contrário; sinto que Aurora me pertence, e Isabel eu desejo a maior distância possível e um pouco mais.

Ouvi batidas na porta.

Não respondi. Continuei na mesma posição, mas o ranger da porta me fez levantar para ver quem era.

Revirei os olhos quando identifiquei o cheiro além das sombras.

__ O que quer, Isabel?

__ O que eu quero, meu lobo? Eu quero você, e esta noite serei sua.

Isabel apareceu onde a lua iluminava melhor, na minha frente. Ela estava totalmente despida e sorria com o canto da boca.

"Eu mereço."

__ Saia daqui, antes que eu...

Ela não me deixou terminar e saltou sobre mim, beijando meus lábios com precisão.

(...)

Aurora...

__ Tem certeza de que vão embora tão cedo? - Perguntou Lucinda enquanto acompanhava cada passo dado por nós.

Ontem, ao chegarmos em casa, tratamos logo de arrumar nossas coisas o mais rápido possível. Ainda tive que convencer meu pai de que eu estaria melhor onde estava antes. Depois de muita insistência, ele acabou cedendo.

__Sim, Lucinda. - Respondi pela milésima vez enquanto descia as escadas com as mãos cheias de malas.

__Deveriam ficar aqui até o assassino ser capturado.

Virei para ela.

__ Eu vivo em meio aos humanos.

__Tem razão. Você sabe lidar bem com o perigo.

Rimos.

...

Vanessa já estava no carro me esperando terminar de pôr as malas no porta-malas com a ajuda do meu pai.

__ Parece cansada. - Ele virou meu rosto para o lado.

__Estou um pouco. - Confesso.

__ Tem certeza que quer ir?

Faço que sim.

__ Tudo bem, só não deixe de me ligar todos os dias. Fui claro?

E lá estava o Alfa Eric dando ordens.

__ Sim, papai. - Sorrio.

__ Boa viagem e dirija com cuidado, Vanessa. - Ele abaixou um pouco para olhá-la.

__ Não se preocupe, senhor Eric. - Ela diz.

Ele se despede me dando um beijo na testa.

Quando entrei no carro, Vanessa não demorou mais nem um segundo para dar a partida.

__ Que viagem! - Falamos juntas.

__ Vamos chegar lá que horas? - Perguntei.

__ Pelo meio-dia. Você sabe, pela estrada, a viagem é mais longa do que se fôssemos transformadas pela floresta.

__ É... seria uma boa opção, mas não dá pra levar as malas e o carro na boca.

Rimos juntas.

__ Por falar em transformação, eu não vi você transformada em loba durante toda aquela guerra de ontem, por quê? - Ela desviou a atenção da estrada para me olhar.

__Por opção mesmo.

"Ou porque eu não consegui."

__ Eu não acredito em você.

__ Por que não?

Comecei a mexer nos botões de minha jaqueta, tentando disfarçar o quanto estava desconfortável com aquela pergunta.

__ Não sei. Sinto que tem algo que não está me contando, mas... claro que você não omitiria nada pra mim. Não é mesmo? - Havia ironia em sua voz.

Ela semicerrou os olhos.

__ Claro que não! Tipo o quê?

__ Tipo aquela profecia está se cumprindo. Hum?

Gelei.

Há dois anos atrás, minha loba estava enfraquecendo. Resolvi então procurar uma das bruxas vidente do clã de minha família, já que minha mãe se recusou a me ajudar, pra variar. Durante os testes esquisitos que envolveram o uso de sangue de rato, ela descobriu que se eu não encontrasse meu companheiro logo, minha loba adormeceria, e eu só voltaria a me transformar quando o encontrasse. Na época, não acreditei nessa história; achei que ela estava tentando me afetar simplesmente por eu ser filha de Cristal Havelle, que se separou do clã. Mas me enganei e descobri isso ontem, quando tentei me transformar e minha loba não respondeu.

Contar isso para Vanessa agora não seria uma boa ideia, não por não confiar nela, e sim porque eu preciso digerir primeiro essa ideia, dentre várias outras novas coisas que me aconteceram em uma só noite, como, por exemplo, um lobo supremo na minha cola.

__ Não tem nada de errado comigo, está imaginando coisas. - Disse depois de um tempo em silêncio.

__ Tudo bem. Então vamos deixar esse assunto de lado.

__ Acho uma ótima ideia. - Digo.

Vanessa não falou mais nada, mas eu poderia ter certeza de que ela não tinha engolido aquela história ainda.

...

Já faziam horas que estávamos na estrada; Vanessa ainda permanecia pensativa. Achei que estava chateada comigo ou algo assim.

__ Estou entediada. - disse ela - Vamos jogar um jogo?

__Qual você sugere?

Não estava afim de jogar, mas faria qualquer coisa pra sair do tédio daquela viagem.

__ Não sei. - ela pausou - que tal... eu digo uma palavra qualquer e você me diz o que ela te lembra?

__ Pode ser. - Dei de ombros.

__ Deixa eu pensar em uma. - Ela tirou uma das mãos do volante para levar até o queixo.

Olhei para a estrada enquanto ela se decidia. O céu estava coberto por nuvens escuras; na larga pista não havia outros carros, apenas o nosso. Às vezes, muito às vezes, passava outro por nós. Os primeiros respingos da chuva começavam a cair; os que batiam no vidro do carro me causavam um certo incômodo, pois parecia que milhares de pessoas estavam batendo os dedos ali.

__Já sei - Vanessa chamou minha atenção - verão.

Olhei para ela.

__ Verão?

__ Sim, Verão. O que isso te lembra?

Pensei um pouco.

__ Me lembra nossa viagem para a Itália no primeiro ano da faculdade.

__Boa, agora sua vez.

__ Hospital.

__ Hospital? Sério?

__ Foi o que consegui pensar.

__Hum. - vi um sorriso travesso surgir em seus lábios - isso me lembra você e o Santiago transando.

Arregalei os olhos quando a ouvi.

__ Que foi? Vocês não foram nada discretos nos barulhos, considerando que estávamos em um hospital cheio de sobrenaturais com uma audição e tanto. - Ela sorriu.

Não sabia se falava ou cobria o rosto com as mãos; sentia minhas bochechas queimarem. Por outro lado, Vanessa continuava a sorrir da minha cara.

__ Não deveria ter bebido. - Revirei os olhos.

__ Eu te avisei, mas pelo menos você pegou aquele gato musculoso do seu ex-noivo, enquanto a sua amiga aqui estava chorando sem nem saber o porquê.

Sorri.

__ Que seja, já foi, então pronto. - Digo.

____ Relaxa amiga, não tem nada demais no que você fez; aliás, se fosse você, eu faria muitas outras vezes. Dispensar aquele lobo é um desperdício.

__ Continue seu jogo, Vanessa. - Tentei mudar o assunto.

__ Certo, certo. Deixa eu pensar um pouco.

Houve um curto silêncio.

__ Mais de dez. - Ela diz.

__ Mais de dez? - Perguntei.

__Sim.

__ Mais de dez o quê?

__ Mais de dez anos que convivemos juntas pra eu ter certeza de que você está estranha.

__ Lá vem você com isso de novo. - Virei o rosto.

Agora me dou conta de que ela só inventou aquele jogo para chegar no assunto que eu estava evitando outra vez.

__ Se você me contasse o que está acontecendo, eu ficaria quieta.

__ Menos.

Ela suspirou.

__ Sabe, Aurora, existe uma punição para quem mente para as melhores amigas.

__ Não existe não. - Voltei a olhar em sua direção.

__Existe a que eu inventei agora pouco. - Ela ergueu uma sobrancelha.

__Não me diga - cruzei os braços - E qual é a punição?

__ Se você não quer me dizer, eu vou descobrir do meu jeito e vou tentar ajudar você depois.

__ E como você pretende fazer isso?

Estava realmente curiosa para saber como aquela loba maluca arrancaria de mim o que eu já estava a ponto de contar.

__Quer saber mesmo?

Segurei o riso.

__ Quero.

__ Vou fazer isso.

__ Ahhhhh!

Sem que eu esperasse, Vanessa fez o carro capotar diversas vezes sobre a pista lisa.

...

__ Eu vou te matar!

Estava furiosa e a ponto de fazer minha amiga explodir em mil pedaços.

__Ah, qual é, vai me dizer que não se divertiu?

__ Vanessa, nós nos quebramos inteiras.

__ Mas já nos curamos, esquentadinha.

A esquartejei com o olhar.

__Ainda falta muito pra chegar em San Francisco. O que vamos fazer pra chegar lá com todas essas malas? - Olhei para o carro completamente amassado embaixo daquela chuva.

__ Não se preocupe, híbrida. Enquanto você me ignorava olhando para a janela, eu chamei um táxi. Aposto que ele já está a caminho.

__ Chamou os humanos para esse território?- A olhei incrédula.

__ Claro que não. O cara que eu chamei é um amigo lobo bem amigável que eu tenho.- Havia malícia em suas palavras.

__ Estou surpresa.

Ela sorriu.

__ Até ele chegar, vamos ter muito tempo pra conversar embaixo dessa árvore. Que tal aproveitar para me contar o que está acontecendo?

__ Se eu não contar, vai fazer o quê? Nos jogar do penhasco?

Ela sorriu novamente.

__ Me diz que não cogitou isso - Suspirei fechando os olhos.

__Eu pensei sim.

__ Ahh! Tudo bem, você venceu.

__ Eu sei, sente aqui. - Ela bateu de leve no tronco da árvore em que estava sentada.

Me sentei ao seu lado e fiquei olhando a pista molhada que se perdia no horizonte, o céu escuro fazia parecer que já era quase noite, mas não era nem meio dia ainda.

__ E então?

__ Minha loba adormeceu.

Vanessa me olhou como quem estivesse dizendo "Eu sabia".

__ E como você tem certeza disso?

__ Bem, durante a confusão ontem, eu...

(...)

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