DAVINADe volta ao alojamento, o cheiro de cigarro e perfume barato impregnava o ar. Meus músculos ainda estavam tensos, e meu coração batia em um ritmo irregular. Eu não conseguia tirar a sensação dos lábios de Vincent dos meus, nem apagar a imagem de seus olhos escurecendo no momento em que nos afastamos.Então, a voz cortante de Lucia me trouxe de volta à realidade.— Você se divertiu, boneca? — Ela perguntou, encostada no batente da porta, os braços cruzados, o sorriso venenoso brincando em seus lábios pintados de vermelho.Seus cabelos ruivos brilhavam sob a luz fraca do corredor, uma moldura perfeita para seu rosto de fada, contrastando com o olhar cruel.Eu parei no meio do quarto, sentindo o peso de seu olhar deslizando sobre mim. Havia algo diferente nela. Um ressentimento, um aviso silencioso. Eu soube antes mesmo que ela falasse.— Eu estava lá, sabia? — Ela continuou, seu tom casual demais para ser sincero. — Vi tudo. Quer dizer, vi até seu cliente vip apagar as luzes. Voc
VINCENTEu estava sentado no carro, o único som era o eco da música distante que chegava pela janela entreaberta. A morte de meu pai, o capo, mal havia sido digerida, mas as consequências eram implacáveis. A traição do seu próprio irmão, que preparou a armadilha, ainda estava fresca. Eu tinha a raiva, a dor, e a vingança a cada passo que eu dava, mas não podia deixar isso me cegar.O problema é que a Itália não era mais uma opção.A minha cabeça tinha preço. Muitos queriam me ver morto por poder, dinheiro ou vingança. Principalmente, meu tio. A única coisa que maldito filho da puta deseja mais do que minha morte é o posto de capo que me pertence. Ele pensava que, agora que meu pai estava fora do jogo, eu voltaria para lá, como a tradição manda. Mas ele estava enganado. Não podia retornar à Itália agora que eu era um alvo fácil.O som da porta se abriu, interrompendo meus pensamentos. Não precisei levantar os olhos para saber quem era.— Você está bem com toda essa história do seu pai
DAVINAO vapor quente ainda pairava no banheiro quando saí, esfregando a toalha nos cabelos úmidos. A água quente tinha ajudado a dissolver a camada de hidratante e spray bronzeador, o cheiro repugnante e nocivo daquele lugar, mas não levava embora a tensão dentro do meu peito. Ainda não.A camiseta larga e o short que eu vestia pertenciam a Gutemberg. O tecido macio e gasto contra minha pele parecia mais seguro do que qualquer coisa que eu havia usado nos últimos dias. Eu respirei fundo antes de dar um passo para fora do corredor estreito do apartamento de Vincent.O ambiente estava silencioso, exceto pelo ruído abafado da cidade lá fora. A luz fraca da luminária sobre a mesa de centro criava sombras compridas nas paredes. Meus olhos se voltaram automaticamente para a pequena varanda e lá estava ele, o cara que vinha ganhando espaço no meu coração e mente, minha maça proibida, Gutemberg estava sentado no chão, com os cotovelos apoiados nos joelhos, o olhar fixo no céu.Hesitei antes
DAVINAEu estava paralisada, com a mente correndo a mil por hora, tentando processar tudo o que Gutemberg acabara de me dizer. O encarei com os olhos arregalados, minha respiração acelerada. Ele podia não ter sabido antes, mas ainda assim, deveria ter me contado. Ele devia ter me dado alguma explicação assim que ficou sabendo.— Como você pôde não me contar? — Minha voz saiu mais alta do que eu queria, mas a frustração e o medo me tomaram de surpresa.— Você sabia que o seu pai e não me contou.Gutemberg fechou os olhos e suspirou, e eu percebi que ele estava tão abalado quanto eu.— Você devia ter falado antes! — Eu continuei, agora com a voz mais firme. Eu só conseguia pensar em todas as meninas presas. — Eu... eu não posso acreditar que você me escondeu isso. Isso não é algo pequeno, isso muda tudo.Ele baixou a cabeça, os ombros caídos. A expressão dele era de arrependimento, mas isso não diminuía o que eu sentia. Ele me fez confiar nele, me fez acreditar que podia ser diferente, e
DAVINAGutemberg está rindo de mim.Ele começou a rir segundos atrás. Era uma risada baixa no começo, mas logo foi se intensificando até sair como um som inesperado, vibrante, e eu me vi olhando para ele, sem saber o que fazer.Idiota!A reação dele, diante do que eu sentia, me fez sentir ainda mais vulnerável. Eu esperava uma explicação, mas ele estava se divertindo com isso, como se fosse um jogo.Ele se mexeu de repente, mudando de posição, e antes que eu pudesse reagir, ele estava deitado sobre mim, seu corpo pressionando o meu, e o calor da sua presença me envolveu completamente. Eu estava um pouco sem ar, o que me deixou atordoada por um momento. O peso de seu corpo me fez engolir a respiração, e, com um sorriso travesso, ele beijou minha testa,— Você fica tão charmosa com ciúmes, sabia? — Ele murmurou, o sorriso ainda brincando nos seus lábios enquanto ele olhava para mim.Eu o empurrei levemente, tentando me afastar da sensação de impotência que tomava conta de mim, mas ele a
DAVINAGutemberg me observou por um longo momento, e então, sem dizer uma palavra, afrouxou a pressão nos meus quadris, mas ainda permaneceu deitado sobre mim. O olhar dele estava cheio de arrependimento, mas também de uma raiva silenciosa.— Eu não fiz isso para te machucar, Davina. — Ele murmurou com um tom que não consegui identificar completamente, quase um suspiro. — Eu estava com raiva... mas não era de você.Ele então, lentamente, levantou uma mão e tocou o meu rosto com um cuidado quase doloroso, como se estivesse pedindo desculpas, mas não soubesse como. Eu queria me afastar, mas, ao mesmo tempo, algo dentro de mim ainda queria saber o que ele estava tentando dizer.O ambiente entre nós estava carregado, tenso, mas de uma forma que fazia o ar pulsar ao nosso redor, me fazendo sentir o calor de sua proximidade. Eu ainda estava imobi
DAVINAO escritório de Vincent tinha o cheiro de couro e madeira polida, e o único som ali dentro era o suave deslizar das páginas sendo viradas. Eu deveria estar prestando atenção em qualquer outra coisa, na decoração austera, no peso do silêncio ou até mesmo no fato de que eu não deveria estar aqui, sentada com dois homens que me desarmam de formas completamente diferentes. Mas não. Meu olhar continua vagando, perdido, entre Vincent e Gutemberg.Vincent lia com uma postura impecável, os cotovelos apoiados na mesa, o queixo erguido de leve. Mas o detalhe que me matava? Os óculos de leitura. O Vincent sério e concentrado tinha algo absurdamente intelectual e infernalmente sexy. Ele passa o dedo pelo canto da página antes de virar toda vez, como se saboreasse cada palavra. Como se fosse capaz de dissecar um poema com a mesma precisão que me analisava no começo.Do outro lado, Gutemberg.Ele parece confortável e dono de si, segurando o livro com uma mão e brincando com a borda das págin
DAVINAOs minutos parecem uma eternidade enquanto eu fico ali, com o telefone em mãos, olhando para a tela como se ela pudesse magicamente acender e trazer notícias. As horas se arrastam, e cada segundo de silêncio me aperta o peito. Vincent e Gutemberg haviam partido há três horas, com o plano de resgatar as garotas, e, mesmo sabendo que o que estavam fazendo era arriscado, algo dentro de mim não consegue evitar a ansi