Annalucia
Saio da consulta com a psicóloga um pouco zonza. Eu tenho três filhos. Porra Annalucia. Três filhos com aquele babaca. Olha as besteiras que você andou fazendo. Vai ser muito mais difícil me livrar dele do que eu estava pensando.
Enquanto a psicóloga falava comigo eu tinha total convicção de que ela estava falando da vida de outra pessoa.
Minhas lembranças não tinham voltado, nenhuma nova memória. A todo o momento ela descrevia uma mãe amorosa, uma esposa dedicada, uma trabalhadora competente e uma adulta responsável.
Em minha cabeça eu sou uma adolescente de 15 anos, rainha da pista de patinação do Jam & Roller, namorada do Benício, estudante do primeiro ano do Blake South College junto às minhas duas melhores amigas, Liana e Dafine. Eu não estou pronta para enfrentar uma vida diferente dessa.
Penso sobre a última frase que a psicóloga falou antes de me dispensar:
- Não fique tentando mudar o passado, Annalucia. Organize o seu presente, você tem uma nova chance para o seu futuro.
E é exatamente isso que eu vou fazer, organizar o meu presente para que eu possa finalmente me separar e me livrar de uma vez por todas do babaca com quem me casei. Não importa o tempo que passe nunca vou me conformar que fiz tal burrice.
Encontro Samuel e Liana a minha espera na recepção do hospital, finalmente estava saindo. Quando saímos pela porta da frente do hospital os meus olhos se perderam na imensidão azul do céu, o sol brilhava e uma brisa balançou os meus cabelos.
- Vai ficar parada aí Annalucia? - Me perguntou Samuel. Eu nem havia percebido que estava imóvel por muito tempo.
Só havia percebido agora o quanto aquele quarto de hospital era claustrofóbico e o quanto que eu sentia falta de estar ao ar livre.
Imediatamente lembrei dos meus patins, como queria sair patinando por aí agora, passar pelo parque, pelo Jam & Roller...
- Vamos Annalucia! - Liana agarra a minha mão me puxando em direção ao estacionamento. Saio dos meus pensamentos e sorrio para ela:
- Claro Luninha. Vamos lá!
Presto atenção por todos os lugares que passo, por mais que tenham se passado doze anos Buenos Aires me passa a impressão de ter parado no tempo. A exceção de um prédio ou dois que não consegui identificar tudo estava totalmente igual.
Nosso percurso durou 30 minutos e foi feito em completo silêncio. Quando Samuel parou em frente a uns portões pretos, Liana quebrou o silêncio:
- Pensei que passaríamos na mansão para buscar as crianças.
- Escuta Liana. Você fica com o carro e vai pegar as crianças. Eu preciso falar com a Annalucia antes deles se encontrarem. – Samuel olhou para mim pelo retrovisor e suspirou.
Não faço a mínima ideia sobre o que ele quer falar comigo, mas também não me interesso. O portão se abre e vejo uma casa em estilo rústico que me lembrou muito a mansão Boston, só que menor. Definitivamente meu estilo de casa. Essa é a minha casa. Faço planos de ficar com ela no acordo de divórcio.
Desço do carro seguindo Samuel e Liana. Liana pega as chaves do carro, murmura algo ao irmão que eu não consigo ouvir, o abraça e depois sorri para mim:
- Vejo você daqui a pouco, Bar. – Me chama pelo meu apelido e eu sorrio para ela. – Vou trazer os seus bebês. – E sai. Rio internamente, três crianças crescidas. Só a Liana os chamaria de bebês.
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Samuel
- Seja paciente. – A fala de Liana ainda ecoa pela minha cabeça. Annalucia me segue até a porta, abro e deixo-a entrar primeiro, fecho a porta e quando me viro solto um suspiro. Ela está em casa. A minha loira, o amor da minha vida está de volta ao lugar dela e mesmo que ela não se lembre de tudo o que vivemos juntos eu, finalmente, me sinto feliz.
Annalucia olha para todos os cantos com um expressão indecifrável, como se analisasse a casa para que encontrasse algo familiar. Ela caminha até a lareira, onde em cima tem uma foto nossa com as crianças.
- Como eles se chamam? – Ela quebra o silêncio e eu me assusto um pouco.
- O mais velho se chama Josh, ele tem 10 anos, Sônia tem 8 anos e o pequenino ali se chama Harry e tem 4 anos. – respondo olhando para foto. Ela foi tirada um pouco antes do acidente e mostra uma família feliz.
- Eles sabem sobre o acidente? – Minha loira olha para mim e tenho vontade de beijá-la
- Não. Contamos a eles que você estava viajando. Josh não acredita muito, mas cortamos o assunto toda vez que ele tenta saber mais. Sônia age como se nada disso a afetasse, quando a perguntam sobre você ela só fala que você viajou e pronto. – Respiro fundo e continuo. – Harry não entende muito esse negócio de viagem, ele só entende que a mãe saiu e não voltou. Ele sente muito a sua falta e chora muito por isso.
- Quem cuidou deles durante esse tempo? – Ela pergunta, voltando a explorar a sala.
- A maioria das vezes eu, Liana e o Matteo, mas sua mãe e a minha mãe ajudaram muito também. – Continuo antes que perca a coragem. – Escuta Annalucia, eu sei que você não se lembra deles e que os únicos sentimentos que você se lembra de ter por mim é ódio e desprezo, mas eu te peço, por favor, não maltrate as crianças. – Falo com lágrimas nos olhos. – Eles sentem muito a sua falta, eles se lembram de ter a melhor mãe do mundo. Então por favor Annalucia, não machuque eles com a intenção de me ferir.
- O que é isso Samuel? – Ela me olha com espanto. – Eu não sou um monstro, não machucaria crianças para atingi-lo. Você está se dando muita importância. – Ela desdenha.
- Não estou pensando em mim, Annalucia. Estou pensando nos meus filhos que são a coisa mais importante da minha vida. – Assim como você amor, completo mentalmente.
- Então pode ficar tranquilo. Os tratarei muito bem. – Ela encerra o assunto. – Agora gostaria de tomar um banho, estou fedendo a hospital.
Annalucia sobe as escadas com toda a arrogância de sempre e tenho a sensação de que tudo vai ficar bem. Após ouvi-la bater a segunda porta, eu grito:
- Terceira porta à esquerda. – E recebo um grito de volta. Sorrio. É sim. Tudo vai ficar bem. Minha loira está em casa.
AnnaluciaNada, absolutamente nada, nem a conversa com a psicóloga, nem a conversa com Samuel. Nada me preparou para o primeiro encontro entre mim e as crianças. Nada me preparou para o turbilhão de sentimentos que tomou conta de mim ao olhar os três em pé, ali em frente a porta.Harry vem correndo e me abraça gostosamente, eu envolvo meus braços ao redor daquele pequeno corpo e sinto o cheiro gostoso de bebê, ele descansa o rostinho na curva do meu pescoço e se aninha ao meu colo. É tão bom sentilo assim que sinto que ele não deveria sair dali nunca mais.- Senti tanto a sua falta mamãe. - Sônia corri até mim e me abraça também. - Papai disse que você estava viajando, que precisava de um tempo sozinha para descansar. - ela se afasta um pouco e olha nos meus olhos. - Não viaja de novo mamãe, eu pensei que
Flashback12 anos atrásEra impossível pensar outra coisa enquanto eu olhava Samuel andando pelo corredor com o nariz empinado com duas vadias a tira colo.- Olha se não é a Olivia Palito. - Ele disse vindo em minha direção.Embora hoje em dia eu tivesse peitos tamanho M e ostentasse orgulhosamente um corpinho 36 Samuel foi a única pessoa que nunca esqueceu meus "apelidos" de infância.- O que você quer idiota? - Perguntei com raiva.- Fiquei sabendo que seu encontro de ontem não aconteceu. Que pena, não? – Ele fala e as duas vadias gargalham.- É? E ficou sabendo como? – Caio no seu jogo, não consigo evitar, ele me irrita.<
Flashback on12 anos atrás- Mas mãe, eu não consegui uma carona para festa eu preciso que você me leve. – Já estou pronta com meu vestido preto e saltos. Sem chances de eu não ir nesta festa.- Não vai dar Annalucia. Estou saindo, seu pai tem um jantar importante e já estou atrasada para pega-lo. Tchau. Se for sair não chegue tarde. – Ela bate à porta da frente.Droga, o que vou fazer? Cogito chamar um táxi, mas a volta será complicada para conseguir um o local é meio afastado e Benício está na Itália para o enterro de alguém, não vai a festa. Pedi uma carona com a Liana, mas o Samuel está sem carro então eles vão de carona com outras pessoas. Olho para a mesinha da entrada e vejo a chave do carro do meu pai.Por que não? Não deve
Eram 07:00 quando Mônica chegou para buscar as crianças para o colégio. Segundo ela essa era uma das minhas funções, mas não sei mais dirigir então passei o papel.Me despeço de Josh e Sônia com beijos e abraços rápidos. Ambos estavam com pressa para ir ao colégio.Crianças. Humpf.Peguei Harry pela mão e estava o levando em direção ao carro de Mônica.-Mamãe. - Ele chama minha atenção.- O que bebê? - Me abaixo para ficar a sua altura e olha-lo nos olhos.- Não quero ir para escola mamãe. Quero ficar com você. - Ele diz fazendo o bico mais lindo que já vi na vida.- Mas você tem que ir meu amor. Você não está com saudades do seus amiguinhos? - Nesse momento seus olhinhos encheram de agua e meu coração doeu.- Não
Eu tentava evitar, Samuel também, mas as nossas discussões estavam cada vez piores e as crianças começaram a nos ver discutindo de vez em quando. A falta de carinho entre a gente também chamava a atenção e de vez em quando ouvíamos um “você não vai beijar a/o mamãe/papai?”.Meu pai passou aqui mais vezes durante a semana, sempre contando histórias do quanto Samuel é maravilhoso, Dafine estava igualzinha. Os dois estavam em pânico pelo divórcio e avisei aos dois que foi só uma ideia que cogitei, mas que não iria me precipitar, o que deixou os dois visivelmente aliviados.Mônica pegou algo no ar e foi me visitar na empresa uma vez. Como a mulher maravilhosa que é, ela teve muito tato, mas deixou bem claro para mim que não está feliz com tudo que está acontecendo entre Samuel e eu e que isto está afetando
- Benício!- Olá Annalucia! Que bom que se lembra de mim. – me encolho como sempre faço quando escuto a palavra lembrar, mas me recomponho, levanto e estendo a mão para ele.- Em que posso ajudá-lo? – Pergunto enquanto nos cumprimentamos. – Sente-se por favor.- Eu trabalho para a despegar.com, setor de marketing e propaganda e estamos precisando de um novo comercial – Benício começa falando.- Wow despegar maior agência de turismo da América Latina. Nada mal Benício. – Brinco com ele. – Mas vamos continue. O que está procurando?Benício começa a falar todas as suas ideias e começo a fazer anotações. O plano é bom. Minha mente enche de ideias e já passo para o papel. É um projeto grande, vou precisar da ajuda da Jazmin ainda não confio em mim.Embora tenha visto alguns
Annalucia Saio do trabalho e vou buscar as crianças na escola. Mônica não vai poder olhá-los hoje à tarde então limpei minha tarde no trabalho para ficar com eles. Silvana estava na minha cozinha fazendo comida, enquanto Meg está de férias ela se comprometeu em cozinhar no meu lugar, minhas incursões na cozinha nas últimas semanas não foram bem sucedidas.Almoçamos os cinco juntos e depois disso as crianças foram fazer as atividades, Silvana continuava cozinhando enquanto eu lavava os pratos. Nosso papo girava em torno das crianças. Repassei minha agenda na cabeça, As crianças tem natação as 17:00 então terei que sair de casa meia hora antes.- Annalucia. – Minha mãe fala. – Estou preocupada com você. Talvez devêssemos procurar outro médico.- Por que? – Perg
Samuel São 12:00 e estou saindo da minha segunda reunião. Estou perto da agência de Annalucia e como está no horário de almoço decido chamá-la para almoçar.- Olá Eva, como vai? A Annalucia está? – Pergunto a recepcionista da agência.- Olá Samuel. Quanto tempo não nos vemos. Estou ótima. E você? A Annalucia está em uma reunião com um cliente.Se quiser pode esperar lá dentro ou na sala dela eu libero a sua entrada. – Eva me respondeu.- Eu vou bem, poderia está melhor, mas as coisas estão se ajeitando. – Respondi. – Irei esperar lá dentro.Obrigado. – Falo indo em direção a porta de vidro que Eva havia desbloqueado.Caminho até a sala de Annalucia e encontro Ana, secretária dela sentada em sua mesa de trabalho.<