O tempo parecia escorrer pelas frestas da janela como grãos de areia persistentes. Dois dias haviam se passado desde a última batalha, desde que Ivy havia queimado os céus com sua luz e caído desacordada, e desde que Damian havia sido ferido por aquele ser sombrio e mergulhado num estado de inconsciência profunda.Kael não deixava o quarto das curandeiras. A cadeira ao lado da cama de Ivy já moldava seu corpo, e os dias pareciam longos demais sem a presença dela. Ele passava as manhãs em silêncio, observando a respiração lenta da mulher que amava. O peito dela ainda subia e descia com a mesma suavidade, mas ela não o olhava, não sorria, não dizia uma palavra. E aquilo estava lentamente acabando com ele.Nina também não saía de perto de Damian. Seus olhos estavam sempre vermelhos, mas ela não chorava mais. Apenas observava o rosto dele em silêncio, como se o amor entre os dois fosse forte o suficiente para trazê-lo de volta.Ele se levantava todo dia na mesma hora. Treinava seu corpo.
POV IVYTudo parecia feito de névoa e silêncio. Um silêncio tão profundo que o som da minha própria respiração me soava estranho. Eu não sabia onde estava. Não sabia se ainda estava viva. Não havia dor, mas também não havia calor. Era como flutuar em um espaço sem fim, sem tempo, sem forma… até que algo começou a mudar.Uma lembrança. Um toque quente em minha mão. Uma voz sussurrando meu nome com urgência e amor. A voz dele.Kael…Meus dedos estremeceram antes que eu percebesse. Meu corpo pesado parecia acordar do fundo de um abismo. A luz invadiu meus olhos como facas, mas havia um som. Um som que eu conhecia melhor do que qualquer outro no mundo.“ Ivy… amor, por favor, abre os olhos… me escuta… “ a voz de Kael estava embargada de emoção, e de alguma forma, isso me puxou ainda mais de volta.Pisquei. A princípio, tudo era borrado, formas sem sentido. Mas então vi ele. Seu rosto tão perto do meu, seus olhos vermelhos de choro, as mãos quentes envolvendo as minhas.“ K-Kael… “ minha v
As semanas seguintes se desenrolaram como um novo amanhecer para Ivy. A dor da guerra ainda era recente, as cicatrizes invisíveis marcavam sua alma, mas havia também uma chama crescente dentro dela. Algo ancestral, poderoso, e que, pela primeira vez, não a assustava. Com Kael ao seu lado, cada treino, cada momento de conexão com seus poderes, tornava-se mais fluido, mais parte de quem ela realmente era.Kael era paciente e firme. Ele a guiava com confiança, ensinando-lhe a controlar a força de seus golpes, a canalizar a energia que emanava dela em ondas de luz e calor. A transformação em sua forma de Lycan havia sido dolorosa, sim, mas também libertadora. Ela se lembrava de como seus ossos pareciam estalar sob a pele, da forma como a pele queimava ao se esticar, das lágrimas que correram por seu rosto misturadas ao suor... mas também se lembrava do olhar de Kael, firme e amoroso, o mantendo no presente, impedindo-a de se perder na dor.Agora, se mudara para a mansão definitivamente. A
O mundo parecia silencioso demais quando Ivy foi autorizada a sair da ala de cura. Eles também moveram Damian para o quarto da mansão, já que ele não tinha nenhuma piora e assim Nina poderia dormir ao seu lado. O frio da guerra ainda pairava sobre a alcateia, mesmo que o sol brilhasse com mais constância e o cheiro de sangue já não fosse presente no ar. Havia algo de estranho em caminhar pelas trilhas novamente, sentindo a vida pulsando sob seus pés, quando tantos não podiam mais.Kael a ajudava a andar, com o braço firme ao redor de sua cintura, como se tivesse medo de que ela caísse. E, por vezes, ela quase caía. Não só pela fraqueza física, mas pelo peso em seu peito.“ Eles não estão mais aqui “ ela sussurrou, encarando as clareiras vazias, os postos de vigia silenciosos.“ Mas parte deles vive em tudo isso “ respondeu Kael. “ No que vamos reconstruir. No que você é.”Ao retornar à mansão, Ivy sentiu os olhos marejarem. O lugar que antes lhe parecia um campo de batalhas internas
O tempo parecia passar em outra frequência desde que Damian despertou. Uma semana havia se passado, e renascimento e transformações que moldaram a nova realidade. Damian, agora sentado ao lado de Nina no jantar, estava mais leve, com o sorriso de quem voltou de um lugar sombrio e reencontrou a luz.“ E quando eu achei que estava perdido pra sempre, vi uma explosão de luz... “ contou ele, arrancando um suspiro emocionado de Nina. “ Era como se uma força antiga me puxasse de volta. Eu sabia que era vocês. “ Ele olhou para Ivy e Kael com um sorriso sincero.“ Estamos felizes que voltou, irmão “ respondeu Kael, batendo no ombro dele. “ E não se preocupe, não vai voltar para as sombras tão cedo.”Damian deu uma risada.“ Sabe, Kael... até que enfim deixou de ser bundão e marcou logo a mulher. Já tava virando novela mexicana “ disse, e todos riram, até Ivy.Ela corou, desviando o olhar, mas não conseguiu conter o sorriso.“ E eu estou feliz... muito feliz por fazer parte dessa alcateia. Por
POV IVYIvy Delacroix passou a vida aprendendo a lutar. Não com os punhos, mas com a resistência de quem enfrenta o mundo sozinha desde sempre. Órfã desde os seis anos, cresceu saltando de um lar temporário para outro, acumulando memórias amargas de rejeição e negligência. A cada mudança, ela construía paredes mais altas ao seu redor, aprendendo que depender de alguém só trazia dor.Agora, aos 25 anos, Ivy tinha poucas coisas que chamava de suas. Seu pequeno apartamento com paredes finas e móveis usados. Um emprego como garçonete em um restaurante simples durante a semana e, ocasionalmente, extras em festas luxuosas para pagar o aluguel atrasado. E, claro, os pesadelos que a acompanhavam desde a infância, lembranças fragmentadas de uma noite que roubou seus pais e a deixou sozinha no mundo.Fisicamente, Ivy era uma combinação de suavidade e força. Cabelos castanho-escuros ondulados que chegavam à altura dos ombros, quase sempre presos em um coque bagunçado, olhos cinzentos que carrega
A noite parecia se arrastar para Ivy. O salão, cheio de risadas artificiais e olhares julgadores, era sufocante. Cada passo que dava carregando a bandeja parecia um teste de equilíbrio e nervos. E então aconteceu.Um tropeço. Um deslize mínimo, mas suficiente para que a bandeja escorregasse de suas mãos, derrubando as taças de cristal em um estrondo alto e devastador.O som ecoou pelo salão como um alarme, cortando o burburinho das conversas. Todos os olhares se voltaram para ela. Ivy sentiu o rosto queimar, como se mil refletores estivessem focados em sua humilhação. Ela engoliu em seco, paralisada por um instante, antes de se agachar para recolher os cacos.Mas antes que seus dedos alcançassem o primeiro pedaço de vidro, ele estava lá.O homem que ela havia visto perto da lareira mais cedo. O mesmo que parecia ter cravado seu olhar nela, deixando-a em um misto de fascinação e medo. Ele estava ajoelhado ao seu lado, suas mãos grandes e firmes movendo-se com uma precisão desconcertant
POV IVYIvy se movia pelas bordas do salão, carregando uma bandeja de bebidas com cuidado para não derrubar nada. Sua estratégia era clara: manter-se invisível. Os vestidos brilhantes, as conversas cheias de risadas artificiais e o cheiro opulento de perfumes caros faziam-na sentir como se estivesse em um mundo ao qual não pertencia.O som abafado da música e das conversas parecia envolver o salão em uma bolha. Ivy respirou fundo, tentando ignorar o desconforto que crescia dentro dela. Tudo o que precisava fazer era terminar o turno, pegar seu pagamento e voltar para a sua vida simples e previsível.Mas então, ela o viu.Ele estava de pé próximo à lareira, segurando um copo de uísque com uma mão enquanto observava a sala com uma intensidade que parecia palpável. O homem exalava uma aura perigosa, como se pertencesse a outro mundo. Seu terno preto impecável moldava seu corpo poderoso, destacando ombros largos e uma postura que demandava respeito sem esforço.Ivy parou no meio do caminh