Clara Tommaso
Não contava que Marco defenderia a puta diante dos meus olhos. Essa é a cena que observo. Com uma Magnum 357 apontada para a minha cabeça e os olhos dele que suplicam algo além de ódio, há um brilho estranho por trás de toda aquela melanina verde. Mesmo tentando decifrar aquele véu que se revela em seu olhar, eu me mantenho firme, apontando minha pistola na direção dele.
— Baixe essa merda, Clara — ordena.
— Sinto decepcioná-lo, mas não cederei, meu desejo é matar essa mulher e assim farei.
— Eu não quero começar uma guerra com você, vamos resolver da forma certa, Bruna é minha propriedade, eu resolverei isso.
— Que garantia tenho disso?
— Tem minha palavra.
— Sua palavra não basta, saia da minha frente.
— Porra, em vez de você facilitar essa merda, só me revolta mais.
— Clara, deixe-me conversar com você. — Magno se mete em nosso meio, ficando agora com as duas armas apontadas para ele.
— Não se meta onde não é chamado, Magno. — Estou decidida e quero mostrar isso para ambos.
— O que ganha sendo baleada? Você está em desvantagem aqui, Clara. Atirar em Marco colocará a Itália inteira contra a sua pessoa, quer mesmo isso? Não duraria dois dias.
— Eu não tenho nada a perder, Magno.
— Tudo bem, tudo bem, entendi que não quer ceder… — Aponta para Rocco atrás de mim, e eu não mexo nenhum músculo sequer para o olhar. — Seu homem está ferido, não tem condições de ter mais a proteção dele.
— Não ceda por mim, Lady Red, estou bem — responde Rocco com a voz pesada e lenta pela sua situação. De toda forma, ele serviu de escudo para me proteger. Não posso deixá-lo morrer, provou-se digno de confiança, me deu a sua vida e ganhou minha honra.
— Eu me rendo em troca de paz, Clara! — Marco cede, retira os projéteis de bala da arma e j**a no chão, depois levanta as mãos para cima em sinal de rendição. — Você está cansada, o dia foi terrível para ambos, podemos ceder e acalmar os ânimos, depois voltarmos a conversar. Leve seu homem para o médico que está em seu acampamento antes que ele morra.
— Isso não acabou aqui, Marco! — Abaixo a minha pistola e volto a minha atenção para Rocco, que geme de dor assim que toco em seu ombro — Vem, vamos voltar para o lugar dos Tommaso.
— Não devia ter cedido, eles não são dignos de confiança — com dificuldade, Rocco declara.
— E você é? Seja lá quem for, me deve sua vida, sou o Don da Itália, meu caro — Marco zomba.
— Não tenho senhores, minha vida está entregue nas mãos da minha senhora. Outro detalhe, não sirvo pessoas exibicionistas, não precisa mostrar a todos o seu título, pelo menos não para mim, isso não vai me fazer ajoelhar aos seus pés, soberano — Rocco afronta.
Não posso negar o quanto que eu estou soltando fogos de artifício por dentro. Rocco colocou Marco no lugar dele. Eu sei que o grandioso escorpião não irá aceitar tamanha desonra, assim como sei que Marco é oportunista, então não fará nada grave demais aqui, a não ser que esteja muito explosivo. Ele dá dois passos rumo a nossa direção, embora Magno o impeça ficando na sua frente.
— É inútil sujar suas mãos, Marco. Seja lá quem for esse homem, em semanas se renderá ao grande escorpião. É fato!
— Que mirabolante, estou disposto a pagar para ver o dia que me ajoelharei aos pés de um Cesare — retruca Rocco ainda com a voz pesada e arrastada.
— Clara, leve ele para longe de mim antes que eu o mate, me aguarde daqui a uma hora, chegarei em seu acampamento para conversarmos — Marco afirma, inexpressivo.
Ignoro suas palavras e sigo com meu soldado para longe dele, apoio Rocco com um braço em meu ombro, guiando-o para longe de todo esse campo minado. Assim que estamos chegando próximo ao acampamento, ele interrompe nossos passos:
— Lady Red, não sou digno de opinar, mas existe outra possibilidade de não se casar com esse idiota?
— Esse é o destino que meu pai escolheu, irei averiguar tudo perfeitamente antes de iniciar qualquer tratado real com Marco. E de agora em diante, me chame de Clara, ganhou esse poder.
— Clara, obrigado, continuarei mantendo o meu respeito por você mesmo se casando com ele. E se precisar de mim para qualquer coisa, estarei preparado para morrer por você.
— Não diga coisas que não irá cumprir.
— Fui fiel ao seu pai por anos, seria fiel a você o triplo de vezes. — Alguns dos meus homens se aproximam e pegam Rocco, tirando sobre meus ombros um fardo que ia além do peso dele, mas é o peso que suas palavras carregam. — Não esqueça o que eu disse, Clara.
Respiro fundo enquanto os levam para longe de mim, tenho a lealdade de Rocco desde quando fugi de Londres, mesmo assim não consigo confiar 100% nele, mesmo que hoje tenha ganhado mais alguns pontos. Sou muito intuitiva, confiança é algo a ser ganhado com o tempo e com ações que comprovem tamanho ato de que alguém seja digno. Preciso de um banho e ficar em silêncio depois de tudo isso. Olho em volta e todos os meus homens estão cansados e sentados na grama. Na árvore próxima estava Valentina presa por correntes e também sentada. Antes de falar com ela preciso de um momento meu, analiso a área onde estamos e verificando algumas árvores, deve ser um bosque pequeno e perfeito para refletir.
…….
Ando o máximo que posso para longe de todos, chego a uma pequena nascente de uma lagoa. Abaixo-me perto da água e passo por meus braços para limpar todo o sangue na minha pele; em seguida, lavo meu rosto e analiso meu reflexo na água. Meus olhos enchem de lágrimas, porque não basta perder meu pai hoje, perco meu império e ainda estou nessa merda de situação. Não foi essa a cena que imaginei por anos quando eu assumisse o trono Tommaso.
Que merda de vida, sou uma sortuda que ganhou do destino 24 horas de desgraça. Não sabia que tantas coisas fossem possíveis para um único dia, com certeza o destino está me sacaneando, guardou todos os dias ruins da minha vida para hoje.A pior dor, com certeza, é a perda do meu pai. Deixo meu corpo ceder no chão, na margem daquela pequena lagoa. Escolho meu corpo e choro em silêncio, preciso pôr tudo isso, que está escondido, para fora, senão vou desabar em alguém. Foi um dia difícil, tudo bem chorar, isso não me deixa fraca, só me mostra que ainda sou humana e estou viva. Tapo minha boca com força, evitando que qualquer ruído escape.
Estou tão saturada, papai, eu tentei mostrar firmeza no meu primeiro dia e olha a situação que me encontro: aos prantos por ser derrotada de todas as formas. Você deve estar morrendo de vergonha de mim. Ironia eu dizer morrendo quando você decidiu partir e me deixar sozinha nessa terra de lobos, onde jogar as peças de xadrez é tão difícil por ser mulher. Sou a primeira líder feminina da máfia Tommaso, e parece que estou conseguindo provar a teoria dos machistas: mulher não leva jeito para comandar.
A dor da lembrança do meu pai é a pior que tenho, como se fosse arrebatada novamente para essa cena de tortura. Sabia que ele iria partir em breve, mas não tão breve, ainda tinha chances de meu pai passar alguns anos ao meu lado, e vê-lo em um caixão e depois sendo levado para debaixo da terra me deixou destruída. Suportei até mais do que imaginei, tenho o direito de desabar, sinto uma forte dor no peito, minha cabeça gira e parece que a qualquer momento o meu ouvido vai explodir por só ouvir a minha dor que grita ao sair da minha alma.
Perder alguém é sempre difícil de aceitar. Anteriormente, não tinha sentido tamanha dificuldade de respirar e pensar como estou agora. Em meu peito permanece o sentimento de culpa. Se eu tivesse ficado no hospital, nada disso teria acontecido, meu pai ainda estaria vivo. Sinto raiva de mim e de quem seja o assassino. A cada vez que fecho os olhos, sou levada em uma recordação com meu pai, é torturante, me causa ansiedade, descrença e uma agitação por todos os meus órgãos.
Sinto-me desconectada desse mundo. Embora tudo tenha dado errado, o pior de todas essas emoções são as lembranças e o sentimento de culpa. Não dá para ficar assim. Enquanto me desabo em lágrimas, alguém usufrui da minha casa e toda a minha herança. Preciso me recompor e buscar, no meio de meus homens, o verdadeiro culpado, e assim dar a essa pessoa uma morte lenta e dolorosa.
Levanto, sento e enxugo minhas lágrimas com força, observando a água serena daquela pequena nascente de lagoa. Levo mechas do meu cabelo para trás das minhas orelhas, respiro fundo várias vezes, tenho que ficar bem o quanto antes. Ninguém pode me ver assim, de agora em diante não posso chorar mais, preciso agir e me vingar pela minha perda.
Clara TommasoApós estar melhor, volto para o meu acampamento e converso com alguns dos meus homens, todos estão gravemente feridos, sem condições de combate. Minha outra alternativa é conversar com Valentina. Fui preparada para começar um interrogatório simples. Não sou boa com conversas, mas o que eu sei precisarei usar agora. — Você vai me soltar? — Não, principalmente agora que todos podem ser suspeitos de traição ao meu patrimônio. — Está convencida de que sou eu? — Podem ser todos, não se esqueça de que foi acusada de matar o Coronel. — Clara, não tenho relação alguma com essa morte, você me conhece, acha mesmo que eu sou essa pessoa? Alfonso era meu homem, mataria a única pessoa que conseguiria me dizer o nome do assassino dele? Amei seu pai por anos, quero vingança tanto quanto você. — Palavras não são suficientes. — Clara? — Ouço a voz de Marco me chamando, e nem preciso me virar para ter certeza de que é ele, aquela voz grave já domina os meus neurônios. — O qu
Clara TommasoMantenho minha boca selada, como se estivesse colada com super-bond, ele se afasta e prende nossos olhos. Pela primeira vez, eu o desejo intensamente e temo não suportar essa tensão que cada momento como esse surge ao nosso redor. Sussurro:— Marco…— Diga.— Se tentar algo comigo, será forçado.— Não sou esse tipo de homem. — Levanta de cima de mim, atordoado. — Me desculpe, isso… eu… desculpe, Clara.— Desculpa? — Vendo seu estado de confusão, aproveito a oportunidade para tentar obter respostas. — Está com a consciência pesada por algo que fez?— Você quer insinuar algo com isso? — Para com a testa levemente enrugada, enquanto me analisa.— Não devia ser o tipo de homem que pede perdão. Sua consciência pesa por algo que fez?— Você está enganada, eu não pedi perdão, pelo contrário, pedi desculpas por agir como um crápula. Pedir perdão é assumir culpa, pedir desculpas significa sem culpa, ou seja, não preciso ser perdoado.— Ok, você está certo.— Queria que eu estives
Clara Tommaso — Ele é tudo que tem? — com a voz grave, me interroga, um sinal de que está chateado. — Isso te chateia, Marco? — Pare de responder minhas perguntas com mais perguntas.— Então faça suas perguntas direito… — Levanto brutalmente e jogo o seu pé para longe, Marco geme e se levanta para me encarar olho a olho.— Responda o que perguntei.— Sim, ele é tudo que tenho. Não vai tocá-lo, entendeu?— Me perguntou se isso me chateia, e a resposta é: profundamente. Quem abriu as portas para você e sua escória fui eu. — Escória? Se sou tão inferior a você, por que ainda me mantém aqui com a minha escória?— Você é nobre, Clara, me expliquei errado. — Eu tenho o sangue dos meus homens, Marco, ofendê-los também me ofende. — Você está certa, temo de precisar ir embora, antes que essa conversa evolua para uma nova briga inútil. Só se lembre de algo: não sou seu inimigo. Sabe onde me encontrar.— Devia se arrepender por falar isso. Eu te considero meu maior inimigo.— Não posso mud
Marco Cesare O dia anterior foi um tanto dramático, então pedi aos deuses para que esse fosse tranquilo. Preciso ver como a fera está, além de que preciso pegar roupas para tomar banho, não sei se ela está na minha cama, ou se já está no acampamento cercada de homens. Ela não cede rápido, mas essa noite eu vi um lado diferente. Digamos que ela sempre seja 100% carrasca, entretanto, ontem diminuiu um pouco, ficou 98% apenas. Ela odiou quando a chamei de Lady Red. Pego-me rindo da reação dela. Testa enrugada, olhar magoado. Bem, vou ver se a respondona acordou. Fui em direção ao meu quarto, e assim que seguro a fechadura para abrir a porta, Magno me para com sua voz irônica: — Estou enganado, ou dormiu em outro quarto? — Clara dormiu no meu, acabei ficando com outro quarto. — Não esperava que ela aceitasse ficar na mansão, ainda mais na sua cama. — Ela vai dividir essa cama comigo por anos, Magno, qual é a surpresa disso? — Quando olho para ela, apenas vejo o ódio que sente por v
Clara Tommaso— Hoje pode ficar com sua cama, irei dormir no acampamento, já descansei o suficiente aqui. — Tome café da manhã comigo. — Irei comer com meus homens. — Pego um roupão que está em uma poltrona e me enrolo nele, cobrindo meu corpo. Olho em volta do quarto para ver se nada esqueci, embora esteja tudo certo. — Te vejo por aí…— Continua teimosa e duvidando de mim? — Perdão? — Está com a consciência pesada? — Como é que é? — Ontem me disse que eu estava com peso na consciência por te pedir desculpas, mas expliquei que apenas pedir perdão significa que tem algo além… recorda? — Não estou com peso na consciência, só pedi perdão por não compreender o que quis dizer.— Está com a consciência pesada, o que fez? Suspiro, irritada, ele continuará insistindo, então me encorajo a dizer:— Ouvi água caindo, segui o barulho até o banheiro e espiei você tomar banho. Satisfeito? — Você o quê? — Gargalha e joga a cabeça para trás enquanto debocha de mim. — Se estava querendo me v
Clara Tommaso— Estou cansada, preciso ir dormir. — Se isso te encorajar a dizer que me quer tanto quanto eu a quero, então, que seja, estou apaixonado por você, e se esse beijo que deu nele foi pensando em mim, admiro demais sua força. Para um homem é difícil aceitar uma mulher independente, embora eu esteja disposto a ser seu submisso. — De onde tirou que eu beijei Marco pensando em você? — O beijou com tanta fervura, e no final chamou meu nome. — Merda! Estava tão desorientada, que nem lembrava desse detalhe. — Não tenho estômago para isso agora. Boa noite. — Homem demais para minha cabeça raciocinar. Jack foi o único homem na minha vida, depois dele eu não quis mais nenhum. Privei minha vida e me dediquei a mim. Isso com Marco é só carência, sexo é bom, me satisfazer sozinha é bom, mas ter outra pessoa é melhor ainda. Arranque esse sujeito fora do seu coração, Clara. Vou para a minha tenda, sento na minha cama de palha improvisada e depois deito e fecho os olhos, tocando meu
Marco Cesare Clara sai do meu escritório sem nem me olhar, essa foi a pior noite da minha vida, beijar uma mulher e depois ouvi-la dizer o nome de outro homem, é o cúmulo da merda. Agora entendo o beijo ter sido tão intenso, ela me beijou enquanto pensava no idiota, devem ter transado a noite inteira. Levanto e pego um copo, encho de uísque e levo aos lábios, enquanto Magno dá o chilique dele, ignoro qualquer palavra que ele diz, minha cabeça está muito longe para me estressar. — Está me ouvindo? Vai dar nossas terras para uma mulher, que está apaixonada por outro. — Essa frase eu ouço muito bem, deixo o copo de uísque na mesa de madeira e o fito. — Sabe o porquê de ela estar tão chateada em sua presença? Clara não deseja você, o soldado chamado Rocco se declarou para ela, por essa razão está tão aérea. — Meus punhos se fecham com tanta força, posso quebrar qualquer dedo se apertar um pouco mais. — Como sabe disso? — Ela me contou, Marco — com um sorriso arrogante, ele afirma.
Clara Tommaso Durante o dia eu li todas as páginas daquele contrato de casamento, e essas foram as exigências de Marco: 365 dias ao lado dele, todas as terras seriam minhas, precisaria dar um herdeiro para a nossa linhagem, e respeitá-lo, além de casar sobre todas as tradições italianas. Também acrescentou que se houvesse traição de qualquer um de nós dois, seria exilado da nossa organização. Confesso que é um contrato tentador, mas a parte de me deitar com ele para gerar um herdeiro me deixa apreensiva. Não vou me entregar para Marco nem se estiver louca. Tudo que sei sobre sexo aprendi com Jack, e mesmo assim recebi uma decepção em troca de me entregar. Um raio não cai no mesmo lugar duas vezes. O dia passou como um tsunami, não vi o Chefão em canto nenhum desde o nosso beijo ardente no bosque. Para ser honesta, sinto falta de provocar o escorpião, e o beijo de ontem junto ao de hoje ainda está na minha mente, martelando, como se algo me fizesse ir até ele. Não o procurei, se eu