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Kingdom Of Light: Guerra Civil
Kingdom Of Light: Guerra Civil
Por: Agnes G Barbosa
Prólogo - Chuva de Prata

     Destruição. 

     Foi a primeira coisa que veio à sua mente quando recobrou seus sentidos. Um alto barulho e um tremor intenso fizeram seu coração disparar, enquanto gritos agudos e pedidos de socorro soavam desesperados ao longe.

     Vultos disformes fugiam de algo que sua visão não identificara, quando, lentamente, o céu noturno cheio de estrelas se materializou em suas retinas e grandes objetos turvos caiam como uma chuva de meteoros. 

     A ansiedade do que não podia ver a fez tremer, enquanto piscava repetidas vezes tentando focar sua visão e, incrédula, contemplou os objetos ganharem a forma de imensos cristais, um cenário incrivelmente encantador e aterrorizante. 

     Após alguns minutos tentando acreditar nos seus olhos, fascinados pela beleza e temerosos pela destruição, finalmente olhou acima da chuva brilhante, vendo o que parecia ser um portal negro rasgando o céu. 

     Era enorme e emanava uma luz ofuscante, despejando aqueles cristais junto a uma poeira cintilante que cintilava enquanto descia até o solo. 

     Sentiu-se menos aterrorizada. Como se aquele cenário, de alguma forma, fizesse sentido em sua mente, voltou sua atenção a si mesma e ao local onde repousava. 

     Vendo copas de árvores ao seu redor, assumiu estar em uma pequena clareira, mas a visão exterior não era tão nítida, como se estivesse submersa em uma água azulada. Sentiu o impulso de ir até lá e se certificar do que se tratava, mas, por algum motivo, não conseguia mover um músculo sequer. Não tinha forças.

     Mas, ao aceitar sua imobilidade, como um flash, memórias confusas invadiram sua mente. Coisas simples do seu dia a dia, o som de espadas colidindo, o cheiro do metal, o vermelho do sangue, o terror de uma guerra.

     Ainda assim, a maior parte de suas lembranças era de um lugar tão branco e angelical que, em meio ao caos que a dominou, transmitiu uma paz repentina. 

     Então, com uma risada alta e espontânea, foi puxada para uma nova cena. Um rosto sorridente, que parecia desfrutar daquele momento e, quando seus olhos, que estavam em duas meias luas, se abriram, lindos olhos azuis tomaram sua visão, um cabelo negro como carvão. 

     Mas, enquanto seu coração vagava da paz à contemplação, lentamente sentiu-se angustiada, ansiosa, um sentimento de perda e desespero. E, sem ter as respostas sobre onde estaria o dono daquelas lindas feições, uma voz calma e imponente anunciava algo que não conseguia ouvir, tomando o lugar do garoto de olhos azuis, com um tom grave e acolhedor, e, imediatamente, soube que se tratava de alguém importante. 

     Todas aquelas memórias faziam seu coração ficar apertado em angústia e medo.

     Quando, repentinamente, um forte tremor a fez voltar à realidade, afastando suas confusas memórias.

     Mais vultos desesperados fugiam da destruição, e, enquanto se perguntava o porquê de não ter sido vista, sua visão focou na imagem de uma pequena garota, deitada à sua frente em meio aos cristais.

     Uma pele tão branca como a neve, longos cabelos brancos, com poucas ondas nas pontas, uma franja por sobre a testa, e olhos negros. Seu corpo estava coberto por uma roupa de combate rasgada e suja de sangue. Era pequena, tinha uma expressão curiosa e, vendo mais atentamente, entendeu de quem se tratava. Era sua própria imagem.

     Notando sua errônea observação no “submerso na água”, concluiu estar dentro de uma cúpula azul-água semitransparente, fincada no chão. Não parecia ser muito grande, suas pontas projetavam-se ao seu redor, se fechando em um teto pontiagudo, a fazendo ter a estranha impressão de estar dentro de um daqueles cristais. 

     Apesar do cenário apocalíptico do lado de fora, o interior era magnífico. Simples, porém, lindo. Como um abrigo que iria proteger de qualquer coisa. Era caloroso e remetia a um velho amigo. 

     Subitamente um rosto bonito e infantil invadiu sua mente, sorrindo em meio a uma fumaça azul pastel, com cabelos bagunçados num rubro negro intenso. Ele estava presente na maior parte das suas memórias, mas, uma pergunta a esmagou. Quem era aquele?

     Mais um flash percorreu a sua mente. Estava em uma sala escura com as paredes riscadas com pinturas infantis, onde uma bem desenhada tempestade, no canto da parede, se destacava. “Aryong Jong está perdida?” estava escrito ao lado, em letras desengonçadas.

     Um tremor do lado de fora chamou sua atenção e, olhando por grandes escadarias, onde esse mesmo garoto de cabelos rubros negros vinha em sua direção, ficou alarmada. Essa memória fez sua cabeça doer. Uma dor aguda como se algo perfurasse seu crânio, numa pressão esmagadora. 

     Tentando se desvencilhar daquela dor, olhou mais atentamente para seu reflexo. O corpo pequeno e magro lhe dava um aspecto jovial. Mas, ao contrário do resto do seu corpo, o olhar era sério, como um animal feroz prestes a atacar.

     Alguns poucos ferimentos marcavam de vermelho sua pele alva e seu uniforme estava em frangalhos, sujo de fuligem, onde a imagem de uma fênix entalhada em seu peito resplandecia majestosa. Suas mãos estavam vermelhas, de sangue, e tateando um pouco ao lado, como um ato involuntário em busca de algo que pensou ter perdido, sua mão bateu em um frio metal. Mas, mesmo que tentasse puxar, não tinha força alguma. 

     Uma nova memória lhe invadiu. 

     Um homem de cabelos e olhos negros, com um sorriso assustadoramente semelhante ao do garoto de olhos azuis de poucos minutos atrás, lhe entregava uma bainha adornada. E, mesmo em dor, sorriu por aquela memória calorosa.

     De súbito, tudo ficou preto em sua mente e uma risada sinistra a fez apreensiva. Algo estava errado. Algo na escuridão, brilhando em um verde como os olhos de um gato feroz. 

     Fechou os olhos com força. Era assustador. Tinha cheiro de sangue, o cheiro do seu sangue.

     E, voltando sua visão para o céu, numa desesperadora esperança de que aqueles olhos sumissem de sua mente, começou a analisar a chuva de destruição. 

     Após alguns instantes observando, pôde identificar um padrão, um cristal maior caía a cada 3 minutos e alguns fragmentos se destacavam do cristal maior, enquanto alguns apenas viajavam para longe no céu, e não caiam em lugar algum. Daquele portal negro, algo que parecia ser pó de estrela prateado e cinzas avermelhadas caiam reluzindo.

     À medida que os diamantes eram despejados, a paisagem gradativamente se transformava em uma floresta cheia de cristais.

     Observando melhor, ao longe, quase no limite do que sua visão permitia, pôde ver uma civilização com poucas luzes borradas. Não havia mais ninguém passando por ali. 

     Minutos depois, a queda dos cristais ficou menos frequente até que simplesmente parou. Mas, o portal negro, que acreditou que iria se desfazer na paisagem noturna, tornou ao branco, brilhou forte e iluminou cinco locais diferentes, incluindo aquela clareira. 

     Quando a luz daquele portal tocava a paisagem coberta por todo aquele pó prateado, reluzia. E, enquanto a luz chegava até ela, lentamente através do cristal, cada um dos pontos de luz ganhou cores diferentes, branco, preto, azul-escuro, amarelo e, por fim a sua, o vermelho.

     Então, um sentimento estranho tomou conta do seu corpo mais uma vez enquanto a luz branca a envolvia, a avisando da sua responsabilidade.

     “Lembre-se. Lembre-se daquilo pelo qual você luta. Qual seu objetivo” uma voz retumbou como uma brisa forte na sua mente.

     Sua marca. Seu destino. 

     A luz do portal mais uma vez brilhou forte, intensificando o branco que a envolvia e, de súbito, apagou junto ao portal, que lentamente voltou ao preto, sumindo no céu logo em seguida, deixando a visão noturna limpa, sem nuvens.

     Olhando para onde estava o portal, ouviu mais uma vez em sua mente. “Eu tenho o poder para acabar com tudo isso”.

     Lentamente, enquanto tentava buscar significado daquelas palavras em suas memórias confusas, a cúpula perdeu sua cor branca e voltou ao seu azul, devolvendo-lhe a força, a mobilidade.

     Sentando numa mistura entre o chão e os cristais, finalmente pôde segurar o que sua mão tateou. Uma linda espada de ferro, com entalhes em rosas e um guarda mão como videiras retorcidas, embainhada em uma proteção vermelha com entalhes em prata. 

     Quando, ainda olhando para a linda arma em suas mãos, um único nome fez sentido em sua mente. Uma voz a chamou. 

     — Min Sun... — repetiu. 

     Naquele momento, como uma porta aberta abruptamente, uma chuva de memórias a atingiu enquanto a consciência lhe voltava, junto a uma dor no coração, acompanhando o frenesi da sua luta, da sua vida, mas algo parecia errado. 

     Em um dado momento, algo se interrompia, memórias como se estivessem queimadas, nebulosas, trancafiadas na sua mente. Onde diabos estava?

     Com a determinação e a força que suas lembranças lhe trouxeram, olhou para a cúpula que a envolvia, desejando sair. E, para a sua surpresa, o teto começou a desvanecer, seguindo pelas paredes. 

     Tudo desapareceu lentamente, deixando-a sentada no orvalho empoeirado da noite, enquanto o grande cristal azul pastel, que  a envolvia, cintilou por um instante e logo se quebrou em mil pedaços, desaparecendo e se tornando pó. 

     Sentindo uma brisa em sua pele, olhou o lugar onde estava e se pôs de pé, segurando firmemente a espada embainhada em sua mão, quando começou a correr pelas redondezas procurando por celestiais, observando alguns outros cristais. 

     A única coisa em que eu conseguia pensar era o que teria acontecido para estar ali. Tinha plena consciência de sua última memória, o momento, após referenciar seus ancestrais e ver, pelo canto do olho, o lindo garoto de cabelos negros e olhos azuis, que finalmente voltara para casa após um ano fora. Mas sabia que isso estava longe da resposta que buscava.

     Correu por um longo tempo até finalmente chegar aos limites da floresta, encontrando o caminho que levava até a cidade, que não passava de destroços resultantes da queda dos diamantes. 

     Começou a procurar por qualquer sinal de algum outro celestial. Não havia luz alguma, a não ser a fraca da lua, a fazendo temer a escuridão. Sem pensar duas vezes, invocou uma pequena bolinha de luz ao seu lado, dando-lhe uma melhor visualização do caminho.

     Depois de andar pelo que parecia ser uma eternidade, enquanto acendia as tochas pelo caminho, parou por um minuto e pensou que seria melhor começar pelo centro da cidade, então, voltando a correr, seguiu até uma praça grande, onde havia um lindo lago, e recomeçou sua busca.

     — In Su! Hyun Shik! Hyun Ji Unnie! — chamou por seus amigos. Sem resposta. 

     Continuou andando pelas vielas da cidade, ainda acendendo todas as tochas que haviam sido apagadas com o impacto nas ruas, chamou mais uma vez por seus amigos. Mas, dessa vez, ao longe, uma voz a respondeu:

     — Min Sun! — ouviu a voz grave e doce, reconhecendo-a de pronto. Era Hyun Shik. 

     Feliz por receber uma resposta, começou a seguir o som. 

     Seguia impetuosamente, enquanto procurava pelo dono da voz, quando algo passou pelo lado de sua cabeça, fincando-se na madeira da casa ao seu lado.

     Um dardo. Olhou na direção onde fora atacada, encontrando uma figura encapuzada, vestida em farrapos pretos.

     — Quem é?! — indagou em puro reflexo, entrando em posição de defesa após desembainhar a espada e prender a bainha no cinto à sua cintura.

     Sem obter nenhuma resposta, algo a atingiu de raspão, sentindo um impacto e recuando alguns passos, cambaleando e tentando se manter de pé. Quando foi atacada? 

     Pôs sua mão na cintura, que pulsava com a dor do golpe, e fitou a figura, que estava atrás de si. O indivíduo possuía uma velocidade incrível. 

     Ele se aproximou, com a mesma velocidade de antes, e a golpeou na altura das pernas com uma precisa rasteira, mas Min Sun prontamente pulou e se esquivou batendo o pomo da espada na cabeça do homem, e ele, armado com o que parecia ser uma adaga, desferiu um golpe contra o busto dela ao mesmo tempo, os jogando para lados opostos. 

     Nos últimos segundos antes de ser acertada pela lâmina, conseguiu esquivar, mas as roupas, que já não estavam em boa condição, não tiveram a mesma sorte, tendo uma das pontas da gravação bordada de fênix dividida em dois. E, sem esperar o seu oponente se recompor, pôs fogo na sua mão esquerda e acertou o chão, explodindo a terra em chamas e atingindo o homem que a atacara. 

     “Hyun Shik logo vai chegar aqui” pensou consigo mesma e, desviando um pouco a sua atenção, recebeu o troco pelo seu ataque de chamas. 

     O inimigo, em um rápido movimento, a atacou de frente com o que era para ser um simples soco, mas a força foi absurdamente maior, a fazendo ser arremessada alguns metros para trás e se chocar contra uma casa, destruindo sua fraca estrutura sobre a pobre celestial.

     Jogada no chão, toda desengonçada, meio deitada meio sentada, cheia dos destroços da casa espalhados pelo corpo, se levantou e o homem já se preparava para um novo ataque, mas, num ato ousado, ela apenas fez um sinal para ele aguardar um pouco levantando o dedo indicador da mão esquerda enquanto sacudia a poeira das roupas e cabelo. 

     A pele ganhou alguns mais arranhões e hematomas vermelhos devido ao impacto, e depois de organizar sua aparência, abaixou para apanhar a espada, se aproveitando de sua pouca estatura.

     Abaixando alguns centímetros, reduzindo seu centro de gravidade, segurou firmemente a espada e, com a mão livre esticada, formou uma pequena esfera de luz. 

     Seu inimigo também se preparava para atacar, mas, inesperadamente, a pequena bolinha de luz foi disparada, causando uma explosão cegante ao lado dele. 

     Naquele momento de distração, avançou rapidamente e o atacou com a espada, num golpe limpo, que, em conjunto à magia de chamas, atingiu o peito dele e chamuscou o seu casaco negro. 

     O oponente urrou em dor e, com apenas um chute em sua cabeça, Min Sun o derrubou ao chão. Dando o combate como acabado, embainhou a espada e virou de costas para terminar sua busca por Hyun Shik. Quando, após alguns poucos passos, sentiu uma pressão em sua nuca e viu o chão se aproximar, com a dor que envolvia sua cabeça. 

     E, no momento em que via seu mundo desvanecer, um vulto de olhos azuis avançou sobre o homem encapuzado.

     Então, jogada na escuridão, ouviu seu nome ser chamado uma última vez.

     Acordou com sua cabeça pulsando em dor. 

     A luz fraca mal iluminava o recinto e, olhando o teto de palha, pensou mais uma vez, onde diabos estava. Seu corpo doía por inteiro devido a todos os ferimentos, disso tinha certeza, mas onde era ali? O clima lembrava Haenim, sua casa, mas algo lhe dizia estar bem longe de lá.

     E, tentando ver se existia alguma conexão entre suas memórias, revisou-as mais uma vez, num completo fracasso. Frustrante. Não importava o quanto forçasse a lembrar, apenas conseguia ver imagens distorcidas e borradas do que pareciam ser as mais recentes. 

     Em meio àquelas imagens confusas, pôde lembrar de alguns poucos momentos os quais passou com Hyun Shik e In Su no Reino da Luz.

     Ainda perdida em seus pensamentos, tentando contabilizar o dia o qual estava, foi puxada à realidade uma figura de cabelos castanhos atravessou a porta, dando um sorrisinho fraco. 

     Parecia tão ferida quanto Min Sun, com algumas poucas faixas envolvendo-a alguns ferimentos. Min Sun sentou na cama de feno no mesmo momento que a outra garota ocupou o lugar na ponta da cama.

     — Hyun Ji Unnie¹! Então você também está bem, graças aos deuses... mas, o que aconteceu aqui? Onde estamos? — falou rápido, fazendo-a apenas sorrir.

     — Podemos ir um de cada vez? Você está dormindo há dois dias — discorreu em tom calmo, vendo-a arregalar os olhos. — Ao que me disseram, você foi atacada por alguém do exército do Clã da Água do Reino da Luz, que não conhecia você e achou que era um infernal. Por sorte, Hyun Shik chegou a tempo — começou a explicar. — Estamos em um lugar chamado Terra, em Joseon, de acordo com alguns dos habitantes que encontramos nos arredores da cidade. A Nova Ordem construiu uma pequena fortaleza, um pouco afastada da cidade para os celestiais morarem e estão o chamando de CheonSung.

     — Entendi. O que é Nova Ordem? Uma espécie de…

     — Bem, ao que parece, tem alguns dos anciãos dos Vulpinos por aqui… eles começaram a organizar tudo e estão se chamando assim.

     — A Nova Ordem... mas Terra? Tipo, o clã da Terra? — indagou, confusa. Nada parecia fazer sentido.

     — Não, Min Sun. Estamos na Dimensão Material.

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Vocabulário:

 Unnie¹ (언니): Palavra coreana usada por garotas para se referir a garotas mais velhas que tenham alguma intimidade ou grau de parentesco. Literalmente “irmã mais velha”.

 CheonSung²: Junção das palavras coreanas 천사의 성, literalmente castelo dos anjos. (천사 - Cheonsa: anjo 성 - Sung: castelo).

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