Seul, Coreia do Sul. Bloco 109, 28-11-2018.
O dia se iniciou com os fracos raios matinais iluminando toda a fortaleza do Esquadrão Especial.
Um silêncio imaculado pairava com apenas o sibilar do vento ecoando pelos corredores. Era possível ouvir a respiração de cada celestial enquanto todos descansavam.
Mas, em poucos minutos, o lugar foi invadido pelo som do passar de folhas e de passos rápidos, que causava um eco, quase um sussurro, nos dormitórios.
Min Sun, que claramente não dormiu na noite passada, parou frente à porta do seu escritório, fazendo soar o aviso para que acordassem.
Ela continuava com os olhos presos aos papéis, se dirigindo ao salão e esperando que todos dessem o prazer de sua aparição para que desse os avisos daquele dia.
Estava no sofá, tomando uma grande xícara de café fumegante, quando viu estarem à sua frente, apenas esperando o cronograma para que pudessem iniciar devidamente seu dia.
— Bom dia a todos — cantarolou com voz animada, se pondo de pé. — Nosso plano era um treinamento na floresta para hoje, à comando de In Su, mas está garoando, talvez tudo vá congelar logo, então faremos algo nas arenas mesmo.
Deu uma pequena pausa apenas para que o vice-líder se aproximasse e, preguiçosamente, tomasse o lugar ao seu lado, mas, diferente dela, sentou no sofá, pegando os papéis que ela lhe estendeu.
— Hm... — murmurou enquanto lia vagarosamente o início. — Vamos substituir o treino de caça por treino mágico. Se nevar, ou se as coisas começarem a congelar, usem isso como treino e tirem as poças do chão.
— Bem, devemos começar logo a impermeabilizar as frestas no teto, ou vamos congelar aqui dentro — Min Sun retornou sua fala. — Então vamos acabar com o treino hoje mais cedo, e cada um faça seu trabalho de conferir o telhado dos seus quartos. Os que tiverem magia sólida, ajudem os outros a vedar bem as frestas, ou o aquecimento do bloco não vai dar em nada.
— No todo, teremos um dia mais livre, mas, apenas como lembrança, os que ainda não tiverem confiança na estratégia nova, ficarei disponível para repassar mais tarde — In Su concluiu e a líder, batendo palmas, chamou a atenção com um sorriso.
— Agora, o que realmente importa, o que estão ansiosos, os preparativos da festa de halloween estão terminados — com esse anúncio, grunhidos e sussurros animados começaram a ser ouvidos. — Mais tarde vou comprar os materiais, então já podem começar as confecções. No mais, é o que temos para hoje.
Com o fim dos avisos, o falatório começou. Alguns foram até os balneários, darem algum jeito na aparência desengonçada da manhã, e outros foram diretamente para comer algo, já que o cheiro do café da manhã estava inundando aquele lugar.
— Bom dia — In Su virou para Min Sun quando ela voltou a sentar, puxando as ondas rebeldes do seu cabelo para baixo. — Vejo que ignorou meu conselho mais uma vez, para variar — mencionou apontando para os próprios olhos, a encarando incisivo.
— “Tá” muito ruim? — arqueou as sobrancelhas, apontando para as enormes olheiras.
— Eu poderia achar que você saiu de um caixão faz alguns minutos — soltou uma risadinha quando ele se levantou. — Olhe pelo lado bom. Você nem vai precisar de fantasia. Se aparecer assim você vai espantar todos, mesmo.
— Ya!
Se aproximando dela, ele arrumou o cardigã branco sobre o blusão azul de Min Sun e ela se esticou para tentar abaixar a mecha rebelde do cabelo dele. Sorriram um para o outro e Min Sun arrumou suas roupas mais uma vez, constando ser uma forma muito confortável de vestimenta para um dia frio como aquele.
In Su se dirigiu à cozinha e, quando Sun Hi, uma garota com um lindo pijama de cores pastéis e babados, cabelos encaracolados e um pouco loiros, acenou de longe para a líder, Min Sun deixou um sorriso em seus lábios.
— Min Sun. Porque você não vem para o treino também? — gritou de onde estava e, como resposta, teve apenas um balançar negativo da cabeça dela.
— Tenho que ir atrás de alguém que conserte o aquecimento do piso — revelou, dando de ombros.
— Ainda tinha esperanças, Sun Hi? — Hyun Ji gracejou, acariciando os cabelos da garota, que ficou com uma expressão triste no rosto.
— No momento, estou muito ocupada. Vou no próximo treino, okay? — gritou mais uma vez de onde estava e, com algumas altas conversas e gargalhadas, iniciaram o dia.
Min Sun logo teve de voltar ao escritório. Precisava repassar o arsenal, verificar as armas de cada um e, se preciso, mandá-las para o conserto.
E, pelo que In Su havia lhe relatado na semana anterior, precisaria requisitar mais munição para as armas de fogo, e algumas espadas.
O movimento de animais corrompidos nas redondezas havia aumentado e, como responsáveis por aquilo, deviam dar conta de toda a região de Seul. No mês anterior, tiveram que resolver mais de cem ocorrências.
E, como o esperado, estavam ficando com uma pilha de metal inútil de espadas sem fio, e armas de fogo sem balas, ou que estragaram.
“Inferno” ela praguejou ao ver a lista de coisas que deveria fazer e, quando olhou para o lado, um aviso piscava na tela do seu computador.
Era do quartel, um relatório de movimentação suspeita de humanos híbridos de infernais que ficaram hostis.
— Bom dia, Min Sun — Hyun Ji saudou e ela, girando um pouco na cadeira, se encostou na mesa.
— Unnie, porque eles mandam para nós todo santo assunto relacionado à magia? Não é como se eles não pudessem dar cabo num grupo de infectados — resmungou ela, pegando da bandeja que ela carregava uma xícara de chá de morango fumegante.
— Eles têm medo, óbvio — deu de ombros, pegando alguns papéis que Min Sun deixara na borda da mesa. — Levo esses para Kwan Shin?
— Leve-os para longe de mim! — dramatizou ela. — Não somos o único esquadrão com celestiais no exército na Coreia... somos o único apenas de celestiais... já temos trabalho o suficiente...
— Min Sun, nós nos comprometemos a fazer isso quando fomos integrados aqui — Hyun Ji concluiu.
— Eu sei. Eu sei — cruzou os braços. — Mas se eles dessem conta ao menos de alguns meio-infernais, minha vida seria tão mais fácil... já temos a Nova Ordem...
— Bom trabalho, líder-shi¹ — Hyun Ji sorriu, indo para fora do escritório.
Toda santa vez que requisições daquele tipo chegavam, mais ela reclamava da incapacidade dos outros batalhões, mesmo tendo a ciência de que era seu dever.
Talvez fosse apenas o modo de contestar todo o trabalho, já que sempre acabava resolvendo tudo diligentemente.
O dia passou rápido. Como o esperado, durante o treino com In Su, começou a granizar e, aproveitando a oportunidade, começaram a dar um jeito nas poças no chão, para que não congelassem e corressem algum perigo de que alguém escorregasse.
Mais tarde, Min Sun contactou o serviço de aquecimento para arrumarem o piso, o que, por sorte, foi resolvido em poucas horas, indo, na companhia de In Su, Ji Sung e Hyun Ji, comprar as coisas para o halloween.
Já era noite quando chegaram e todos já se preparavam para a calmaria do fim do dia. Alguns foram se banhar, outros ajudaram no jantar e, exausta, Min Sun parou no salão.
Tinha de tudo ali, uma mesa de sinuca, uma mesa de jantar, um palco para fazerem apresentações em eventos comemorativos do grupo, um enorme telão na parede do palco, que, quando desligavam as luzes, o lugar ficava perfeito para um cinema.
E, andando calmamente pelo lugar, chegou à sua parte preferida, e ao mesmo tempo dolorosa. O piano.
Passando a mão pela madeira branca do instrumento, sentou-se no banquinho, pondo os dedos nas teclas, começando uma melodia simples apenas pressionando-as aleatoriamente, até que, sentindo o clima daquele dia cansativo, começou a mudar.
— Andarilho das neves, vague pelo mar — cantarolou lentamente, em ritmo ao que tocava. — Andarilho do mar, não vá para o horizonte. O escuro o aguarda.
A música lhe remetia a ele, mas, por algum motivo, não parou. A lenda do norte o qual Jo Han lhes contava tanto quando mais novos.
A melodia metódica invadiu o recinto ecoando alto pela fortaleza de pedra, enquanto, envolvida por ela, deixou que fluísse, mesmo que não ousasse terminar a música.
Então, ao tocar a última nota, sorriu. Um sorriso melancólico.
-----------------------------
Vocabulário:
-shi (씨): Sufixo honorífico que exprime respeito, usado para se referir a pessoas mais velhas e/ou de nível hierárquico superior ao do falante. Normalmente se utiliza com pessoas que não conhece ou que acabou de conhecer. Ao utilizar o 씨, determina-se uma certa distância entre os falantes, o que representa um certo teor de respeito, podendo ser usado entre amigos como forma de brincadeira, forçando formalidade desnecessária.
Hwaseong, Coreia do Sul. Castelo de CheonSung, 27-11-2018. Uma figura imponente com ar autoritário passeava melancolicamente pelo pátio frente a um enorme castelo. Aquele lugar, incrivelmente branco, deveria causar um sentimento de paz, mas causava o sentimento de amargura e culpa àquele celestial. Alto com seus lindos cabelos negros e os olhos azuis mais encantadores e hipnotizantes que alguém poderia ter, tinha um encanto exótico em contraste com sua pele bege, e aquela cicatriz... aquela vergonhosa cicatriz que cortava o lado esquerdo do seu rosto. Numa tentativa de espantar o frio, Hyun Shik enfiou as mãos nos bolsos do seu sobretudo preto enquanto olhava para o céu noturno nublado, perdido em seus pensamentos, sendo incomodado pelo vento que deixava os seus fios re
Hwaseong, Coreia do Sul. Castelo de CheonSung, 28-11-2018. Hyun Shik, tentando ao máximo conter sua fúria, foi aos seus aposentos e entrou abruptamente, fechando a porta com uma forte batida, rosnando e ecoando em alto som naquele corredor vazio. — Ya! Ya! Ya! — Hae Ri chamou. — Pare de dar esporro em tudo! Você não é assim! Ele foi até sua cama e colocou seu rosto no travesseiro, gritando com todas as suas forças, ao imaginar que não podia sequer descontrolar-se sem por ela em perigo. Minutos após seu acesso de raiva, respirou fundo e deixou seu corpo cair sentado no chão,
Hwaseong, Coreia do Sul. Castelo de CheonSung, 28-11-2018. Se remexia na cama demonstrando os sinais da sua noite mal dormida e agitada. Ao primeiro raio de sol, se levantou num pulo. Vestindo roupas simples, uma bermuda de algodão, um moletom com capuz e seus óculos, se dirigiu diretamente à área de treino do castelo para seus exercícios matinais, pegando seus fones e ligando uma melodia agitada, já que, normalmente, Hae Ri dormia pela manhã e só aparecia à noite. Ao contrário da aura que o castelo passava, era um lugar realmente tecnológico. Principalmente a academia, que possuía equipamentos sofisticados, o lugar era cheio de máquinas e espelhos. Agarrando-se a um peso pequeno, começou exercícios simp
Seul, Coreia do Sul. Bloco 109, 01-12-2018. Era uma manhã agitada. Passaram os últimos dias para confeccionarem os ornamentos e, por fim, apenas terminavam de adornar o salão. Alguns cozinhavam guloseimas para a comemoração, outros aproveitavam as suas asas para colocar coberturas e fitas no teto. Apesar de Min Sun achar tais comemorações um desperdício de tempo, todos estavam se preparando desde o início de outubro, não paravam de importunar a pobre celestial, que acabou cedendo. As meninas, sendo extremamente detalhistas, faziam as decorações com dobraduras, cortes, caveiras de emborrachado, cortavam as abóboras com rostos e, dentro delas, co
Seul, Coreia do Sul. Bloco 109, 02-12-2018. Todos já estavam terminando de limpar o salão para descansarem. Após guardar uma caixa com as decorações de emborrachado no depósito, In Su se retirou do cômodo e se dirigiu ao seu quarto. A roupa suja de sangue logo foi arremessada na cama e juntou uma muda de roupas, se dirigindo à sauna. O vapor da água quente tampava sua visão enquanto estava parado sob o jato d’água que deixavam seus cabelos negros evidenciando as mechas vermelhas quando jogou a franja para trás, e levantou o rosto, deixando a água tocar a sua pele. Enquanto o líquido deslizava pelo corpo de bom porte dele, molhava o curativo que Min Sun fizera.
Hwaseong, Coreia do Sul. Castelo de CheonSung, 29-11-2018. Hyun Shik, após vestir uma calça moletom e um casaco preto de zíper, saiu do seu quarto rumo ao bloco militar, no térreo. Felizmente o sereno atenuou-se, se tornando quase que uma geada fria. A neve iria cair em breve. — Hey! — chamou uma voz. Ele apenas ignorou. — Hyun Shik! — chamou mais uma vez, gritando alto demais. Apenas parou e virou a cabeça o suficiente para o encarar atravessado, olhando de soslaio por cima do ombro em completo desprezo por aquele que fazia escândalo logo de manhã. — O que?! — revidou com outro grito, fazendo sua cabeça latejar. — Moleque — o rapaz de ca
Hwaseong, Coreia do Sul. Calabouço Subterrâneo do Castelo de CheonSung, 29-11-2018. Um guarda foi até o local onde estava Hyun Shik e fechou as grades, enquanto era encarado por olhos azuis penetrantes, que observavam qualquer movimento hostil, até que o homem negou com a cabeça e Hyun soltou um sorrisinho de lado. Um aliado. Ficando relativamente sozinho, sentiu toda a força do seu corpo se esvair e despencou no chão, desajeitado. Levou a mão para a sua cabeça, onde um fio de sangue vertia, e gemeu ao tocar o local lesionado, procurando pelo chão a perna quebrada do óculos. — Hae Ri — chamou, ao pegar a haste de titânio com a dobradiça despedaçada. — O que diabos aconteceu? &n
Busan, Coreia do Sul, Sede do Exército Celestial, 02-12-2018. — Então, o que anda planejando para nós, In Su? — Su Oh indagou animado. O rapaz na tela tinha lindos cabelos castanhos e pele bronzeada, olhos avermelhados e grandes, estampando em seus lábios um largo sorriso. Pelo que In Su lembrava, foram poucas as vezes que o viu sem ele e, correspondendo a isso, In Su franziu o cenho, cruzando os braços. — A longo prazo, ou se refere à Nova Ordem? — Por mais que eu sinta pena de você por ter que lidar com a versão aprimorada dos Vulpinos, me refiro aos infernais — Su Oh gracejou, dando de ombros. &