Capítulo 2 - Parte 1

Hwaseong, Coreia do Sul. Castelo de CheonSung, 27-11-2018.

     Uma figura imponente com ar autoritário passeava melancolicamente pelo pátio frente a um enorme castelo. Aquele lugar, incrivelmente branco, deveria causar um sentimento de paz, mas causava o sentimento de amargura e culpa àquele celestial. 

     Alto com seus lindos cabelos negros e os olhos azuis mais encantadores e hipnotizantes que alguém poderia ter, tinha um encanto exótico em contraste com sua pele bege, e aquela cicatriz... aquela vergonhosa cicatriz que cortava o lado esquerdo do seu rosto.

     Numa tentativa de espantar o frio, Hyun Shik enfiou as mãos nos bolsos do seu sobretudo preto enquanto olhava para o céu noturno nublado, perdido em seus pensamentos, sendo incomodado pelo vento que deixava os seus fios rebeldes. 

     Ele vestia um traje de batalha sofisticado: um longo sobretudo preto, calças pretas e, no peito esquerdo do sobretudo, uma fênix majestosa, símbolo do Exército de Palk, com suas asas abertas embaixo de um sol entalhado com linha prateada. 

     Andando lentamente quase contando os passos, solfejou uma melodia calma, deixando um sorriso lhe escapar dos lábios, sendo suprimido logo em seguida. 

     Arrastando as botas na grama úmida da noite, seguiu ao centro do pátio e sentou no banquinho frente ao chafariz, belíssimo, feito de prata com entalhes de ouro da imagem de uma fênix.

     Olhou ao seu redor. 

     O lugar, apenas iluminado por pequenos postes que davam o ar de um lugar antigo e um pouco rústico, acentuava a escuridão daquela noite. 

     Uma pista de corrida cortava o enorme pátio e, por toda a praça, havia cercados com plantas nuas, com a esperança da primavera. 

     Ao lado dos cercados haviam banquinhos. Para o lado contrário de onde a estátua do chafariz se encontrava estava o enorme castelo, e, para onde o bico da ave apontava, estava a residência dos outros celestiais, a vila de CheonSung. Tudo cercado por um muro alto de pedras cinzentas.

     Mesmo com frio, permaneceu sentado olhando as últimas folhas das árvores caírem e estofar a grama enquanto sua respiração formava nuvens. O frio lhe dava uma sensação boa e confortável. 

     Quando retirou suas mãos dos bolsos, viu-as com uma coloração um pouco azulada e cobriu seus lábios enquanto baforava, aquecendo-as. 

     E, ao olhar para frente, um floco de neve negra chamou sua atenção, dando espaço à uma sombra humanoide que surgiu a sua frente, fazendo-o desviar o olhar e dar de cara com o ser em chamas, sendo extinguido pelo fogo. 

     Antes que a última chama se apagasse ele a tocou, sentindo o calor familiar na sua mão, e expressou um fraco sorriso nostálgico. 

     Novamente o céu. 

     Respirou fundo e voltou a sua postura séria. Pensando um pouco na guerreira o qual aquela magia de fogo pertencia. Suspirou.

     — Saia do frio — uma voz rouca feminina soou dentro da cabeça de Hyun Shik, lhe roubando um sorriso.

     — Olhe a hora que você veio aparecer, Hae Ri — fechou os olhos, sentindo o calor que a companhia da Haichi o causava. 

     — Min Sun, não é? — ela falou, fazendo a face de Hyun Shik endurecer imediatamente.

     — Cale-se, cão.

     — Pare de me chamar de cão. Sou um Haichi — resmungou e ele se pôs de pé. — Não acha que está frio demais para...

     — Cale-se, Hae Ri... — insistiu com uma voz triste.

     O espírito continuou balbuciando irritantemente, mas Hyun Shik apenas a ignorou, já cansado de ficar apenas olhando para o céu noturno daquela noite fria e, quase congelando, se dirigiu ao castelo à passos lentos. 

     Caminhando despreocupadamente pelos largos corredores feitos com pedra branca e chão de granito negro, passou suas frias mãos nos cabelos para arrumar a bagunça que o vento causara e, ao cruzar a primeira curva, sumiu, reaparecendo diante a uma grande porta de madeira nobre. 

     Assim que tirou a mão dos seus cabelos e pôs a ponta dos dedos na maçaneta do seu quarto, um mensageiro chamou sua atenção, fazendo-o virar a cabeça para checar do que se tratava.

     — Senhor, o líder está a sua procura — anunciou o soldado, se curvando e se retirando logo em seguida. Sua voz expressava um tom temeroso e apressado, como se quisesse sair dali imediatamente.

     Hyun Shik soltou um breve som de descontentamento e se dirigiu à sala de reuniões, colocando novamente as mãos nos bolsos.

     Ia chutando uma pedrinha, que deslizava pelo chão do corredor, praguejando baixinho aquele que havia lhe chamado, sem pressa alguma para chegar ao seu destino.

     Após andar um bom percurso e subir dois lances de escada, chegou à um portão com duas portas ainda maior que o anterior, apanhou a pedrinha, pondo-a no bolso e, após um longo sussurro, ordenando-se ficar calmo, pôs sua mão na aldrava, batendo à porta.

     — Hyun Shik! — uma voz abafada soou de dentro do cômodo. — Entre.

     — Respire fundo e vá em frente — Hae Ri falou e Hyun Shik suspirou.

     Hyun Shik abriu a porta e adentrou o enorme cômodo, vislumbrando uma gigantesca mesa oval com no mínimo trinta assentos e, mais acima, assentos bem acolchoados, como um camarote.

     Um homem de boa aparência, bem vestido e com um ar sofisticado, estava sentado na segunda cadeira depois da ponta, à esquerda. Evitando contato visual, o celestial de cabelos negros apenas pôs suas mãos para trás das costas e andou até o meio da sala, do lado oposto. 

     Julgando estar a uma distância segura, puxou uma cadeira e sentou, cruzando as pernas, provocando uma gargalhada aguda do outro integrante da sala, que se curvou para trás, erguendo o rosto para cima.

     — Por que não se aproxima? Eu não mordo — disse o celestial num tom irônico, abaixando o olhar para Hyun Shik com uma atitude de superioridade.

     — Pode até não morder, mas faz coisas bem piores — resmungou para si mesmo após exprimir um sorriso descontente. — Desembucha — o líder da Nova Ordem desmanchou sua expressão de diversão e foi direto ao assunto.

     — Preciso da sua ajuda, meu querido esquentadinho — deu uma pausa, o encarando, e Hyun Shik estreitou os olhos, esperando-o continuar. — Precisamos acelerar nossos planos. Quero você na missão de amanhã. Sua namorada e os amigos dela são um problema e você sabe disso. Não é novidade para ninguém que a simples presença de In Su contra nós é uma bomba relógio. No momento que ele decidir agir, será a causa do nosso fracasso, Hyun Shik. Quer mesmo que nossos esforços sejam em vão? — anunciou com afronta, levantando-se da sua cadeira e andando para os lados, inquieto, gesticulando com suas mãos, expressando algo que está o corroendo por dentro a tempos. — Precisamos do menor número de intervenções possíveis.

     — E o que você planeja? Quer invadir o batalhão deles atirando descontroladamente como se tivesse a menor chance de ganhar? — Hyun Shik deu de ombros, revirando os olhos, tentando não expressar sua raiva, mas deixando claro o seu deboche. — Não seja prepotente, Young Soo. Você seria o primeiro a morrer — solfejou o final da frase com um sorriso, como se a mera ideia de o celestial desaparecer fosse um lindo sonho, e Hae Ri suprimiu uma risadinha, que fez Hyun Shik se divertir ainda mais.

     — Não. Não planejo um atentado suicida. Preciso iniciar o plano. Mas.... — deu uma breve pausa escolhendo as palavras certas para provocá-lo, e ponderando até onde poderia lhe contar. — Por que está dizendo esse tipo de coisa? Está do lado deles? 

     — Eu poderia estar... — resmungou baixinho e lançou um olhar fuzilante para Young Soo, que fez uma expressão surpresa, ao franzir a testa, e pôs sua mão no seu próprio peito.

     — Hyun Shik, isso não é uma boa ideia... — Hae Ri o censurou, tarde demais.

     — Oh! Está me culpando? Eu lhe salvei! — levantou as mãos mostrando-se indignado. — Quem foi que os abandonou naquela noite? O primeiro a apontar uma espada para os seus amigos não foi ninguém menos que você. Encare os fatos de uma vez e pare de agir como criança mimada — a voz começara a aumentar o tom enquanto Young Soo se aproximava, e Hyun Shik apenas o acompanhava com os olhos, tentando não ficar mais irritado do que já estava. — Eu por acaso lhe disse para atacar Ju Hee?

     Quando pronunciou o nome dela, com uma feição furiosa, uma pedrinha voou pela sala, atingindo de raspão a bochecha do líder e arrebentando alguns fios dos cabelos castanho-acinzentados longos, que balançaram e roçaram a linha do seu maxilar. O olhar de Hyun Shik fervia, mas não foi o suficiente para Young Soo parar; pelo contrário, ele afiou ainda mais as suas presas.

     — Eu que tive a brilhante ideia de mirar uma arma contra meus amigos? — sorriu ao ver que tinha conseguido atingir Hyun Shik, mas logo seu sorriso se transformou em uma fria expressão, dura como uma pedra. — Não seja hipócrita Hyun Shik, seu maldito traidor! — gritou com uma voz ríspida, despertando a ira contida do garoto de cabelos pretos.

     — Quem foi o idiota que matou aquela garota!? — revidou gritando, se levantando e se aproximando abruptamente, derrubando a cadeira e agarrando o colarinho de Young Soo. — Ela era sua amiga, não? 

     — Hyun Shik! — mais uma vez Hae Ri tentou interferir, sentindo a fúria que borbulhava dentro do celestial, mas ele ignorou.

     — Quem foi aquele que cometeu um dos maiores pecados de um celestial? — bradou e uma onda de chamas rodeou o celestial, num pulso de magia, fazendo os olhos de Young Soo brilharem. 

     — Seu idiota, não use minha magia assim!

     — Não foi você, meu caro Cha Hyun Shik, seu maldito traidor? — o sorriso dissimulado mais uma vez foi pintado amargamente com veneno, e Young Soo soltou a mão de Hyun Shik das suas vestes. Hae Ri se calou e Hyun Shik ficou imóvel. — Gostou tanto da alcunha quando mais novo que decidiu torná-la verdadeira? Vendo como simplesmente colocou a magia de Hae Ri para fora dessa forma... tão patético...

     Hyun Shik olhou para baixo, pondo a mão no peito e abaixando a cabeça, cerrando os dentes, mas seus olhos expressavam raiva, seu coração e respiração acelerados denunciavam o quanto aquilo o atingia. 

     Young Soo, após ver aquela reação, riu alto com as mãos nas têmporas, exibindo a felicidade de ter conseguido afetar a calma dele. 

     — Ya, seu maluco! — gargalhou empurrando a cabeça de Hyun Shik para o lado fazendo os cabelos negros e extremamente lisos balançarem. — Perdeu a fala agora? Já acabou seu ataque de fúria? — provocou. — Porque não deixa seu cãozinho sair e latir para mim, eung?

     Mais uma vez, Hyun Shik segurou sua fúria. Não queria mostrar que estava sendo tão atingido por aquelas palavras e mordeu seus lábios até sentir o gosto do seu sangue. 

     — Ah! — soltou com uma voz falhada e um sorriso sarcástico. — Quer que eu toque piano para você? — sussurrou, e naquele momento, as pupilas de Hyun Shik se contraíram. — Quer que eu faça como a Min S....

     Sem conseguir terminar o nome da garota, foi interrompido por um súbito ataque que Hyun Shik desferiu no seu rosto, parando um centímetro de atingir sua face. Ficou estático por um momento, surpreso. Hyun Shik se afastou e fitou os seus olhos como um puma pronto para atacar. 

     — Você tem menos direito de falar o nome dela do que eu, então cale essa sua boca suja — apenas o olhou, dando passos lentos para sair do recinto, e, ao passar por Young Soo, o empurrou com o ombro para cima das cadeiras, fazendo-o cambalear e cair desajeitadamente. — Podemos estar do mesmo lado, mas eu não suporto você, seu desgraçado — continuou andando até a porta. — E não ache que tem o direito de mencionar Hae Ri ou se referir a ela dessa forma.

     — Não ouse sair Hyun Shik, ainda não terminamos de conversar, não esqueça o poder que eu tenho! Um traidor como você não deveria afiar suas garras para um celestial puro! — Hesitando por um momento, parou antes de pôr a mão na maçaneta, olhando para trás de soslaio, mas logo voltou seu olhar para a porta e saiu do cômodo.

     Young Soo arrumou seus cabelos, se levantou das cadeiras que estava e saiu dando uma risada, incrédulo.

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