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manhã logo chegou e Kaluanã não pregara o olho. Ficara pensando na conversa que tinha tido com Acauã.
Suas revelações o haviam impactado profundamente. Não acreditava mais em um dia reaver alguém de sua tribo natal, e mais ainda sendo ele um mestiço. Isso o deixou ao mesmo tempo ansioso e frustrado. Ansioso em querer saber como Acauã chegara até ali e de que tribo ele realmente era descendente. E Frustrado por ser ele um possível Panará a serviço de seus piores inimigos.
Desde que o atacara na floresta, viu que usava em seu pescoço aquele colar que lhe era familiar. Quando finalmente lhe arrancou, pode ver o símbolo de sua tribo entalhada nele. Fora isso o motivo de n
CAPITULO XII K aluanã chegou junto com a noite e Apoema o aguardava. Ao vê-lo entrar no arraial foi ao seu encontro. — Vejo que já encontrou suas respostas Kaluanã... — Apoema... — Respondeu surpreso ao vê-lo ali. — Estava a sua espera... — Aconteceu alguma coisa? O prisioneiro? — Não, está tudo bem... Ele continua no mesmo lugar. — Então o quer de mim? — Saber se seus fantasmas ainda o afligem... Kaluanã silenciou-se por um momento. Parecia procurar algo em seus pensamentos. — Muitos deles ainda me cercam Apoema... — Acho que será melhor enfrentá-los de uma v
CAPITULO XIII A pós três dias, logo ao amanhecer, Kaluanã pediu para que trouxessem Acauã até o terreiro. Com um olhar desconfiado, ele acompanhou os guardas sem dizer uma palavra. Esperava qualquer coisa, até a própria morte. Quem sabe se Kaluanã resolveu que seria naquele dia? Enquanto caminhavam, as crianças o acompanhavam curiosas. Ao chegarem ao grande terreiro, Kaluanã os esperava junto a Apoema e toda a tribo. Cerca de cem guerreiros pareciam estar prontos para alguma ação, pois portavam seus arcos, suas bordunas e as aljavas cheias. Pinturas de guerra camuflavam os rostos e curiosamente carregavam muitas das armas que Acauã sabia que eram dos homens de
CAPITULO I O forte alarido, vindo dos grandes sinos do pátio do colégio de São Paulo, alertava em alto e bom som, os habitantes da Villa de Piratininga, que algo de grande vulto estava em andamento. Ansiosos em saber o que ocorria, o povo da Villa largou rapidamente o que estava fazendo e saiu apressado para a praça do colégio. Apinhados no pátio, toda a Villa pode vislumbrar ao longe a chegada de uma das Bandeiras, que meses antes, havia se embrenhado pelos sertões. Isso agitou os corações aflitos daqueles que tinham amigos e familiares entre os Paulistas que compunham as tropas. O que viam, porém, não era aquilo que esperavam. Dos mi
CAPITULO II A visão dos combalidos bandeirantes chegando a Villa de Piratininga remeteu a população a se lembrar da chegada de Dom Gabriel meses antes. Eram os mesmos rostos cansados e desiludidos, os mesmos feridos, a mesma baixa estima. Mal chegaram e o povo veio lhes acudir. Padre Nicolau os recebeu fraternalmente e pediu que os feridos e doentes fossem levados à enfermaria do colégio. João Dias se reuniu com as autoridades da Villa e lhes relatou o ocorrido. Fora surpreendido pelos Guaicurus e não houve como enfrentá-los, tamanha era a ferocidade e força com que os atacaram. Não soube dizer a quantidade de guerreiros de Kaluanã, ma
CAPITULO III M uitas léguas dali, uma grande fogueira mantinha a carne de uma “Tapira”[1], assando lentamente, enquanto alguns guerreiros Guaicurus dançavam ao redor dela. Pintados e carregando seus colares no pescoço, entoavam canções nativas enquanto em seus tornozelos, as maracas de pequi soavam numa compassada melodia. A harmonia daquele momento trazia conforto a toda tribo. Alegremente cantavam e dançavam despreocupados com a vida. Kaluanã, sentado a frente da grande fogueira, tinha ao seu lado o cacique Apoema, que placidamente observava feliz, seus aldeões dançando. Kaluanã lembrou-se dos tempos em que os Panarás fazia
CAPITULO IV A s tropas de Felipe de Santa Cruz já avançavam léguas de São Paulo. A marcha era intensa e a tropa percorria distâncias rapidamente pelas trilhas já abertas pelas bandeiras anteriores. Acauã, agora mais avançado, verificava se a trilha e arredores estavam realmente seguros. Acampavam ao anoitecer e já de madrugada, saíam novamente em marcha. Durante vinte dias percorreram cerca de quase oitenta léguas sertão adentro. O deslocamento da bandeira era vigiado ao longe pelas tribos que habitavam os arredores. Assim que se aproximavam, todos abandonavam as aldeias e se embrenhavam pelas matas, fugindo do que achavam ser uma expedição de apresamento. &n
CAPITULO V A li, as voltas da grande clareira, as sentinelas pareciam estar um pouco perturbadas. Acauã foi até onde estavam algumas delas e ali permaneceu por algum tempo. O mesmo sentimento de perigo que lhe havia roubado o sono estava da mesma forma permeando a alma daqueles nativos. Alertas aos menores movimentos e sons, pareciam apavorados pelas sombras da noite, que escurecia tudo e não deixava ver além de alguns metros a frente. Estavam apenas orientando-se pelo cheiro e pelo barulho da floresta. Sabiam que as feras estavam por ali e mais do que as feras, temiam a chegada inesperada e mortal de Kaluanã. De repente,
CAPITULO VI O vulto do grande guerreiro percorria o arraial onde estavam os Guaicurus. Kaluanã andava solitário em volta do fogo, invocando os espíritos da selva. Por horas ficou ali; Não dormiu e não comeu nada desde o primeiro ataque. Ao perceber as primeiras luzes da manhã, convocou seus guerreiros que se posicionaram a sua volta. Todos retocaram as pinturas e encheram suas aljavas. Em uníssono, soltavam urros clamando pelo espírito da guerra. Kaluanã imóvel observava o céu. — Águas pesadas irão nos castigar durante esta batalha, mas ainda mais aos karaíbas! Guerreiros Guaicurus é chegado o momento de a grande Floresta nos libertar dos demônios