A ortopedista cruzou a porta da emergência para atender um garotinho que havia se dado mal andando de skate, o que a fez se lembrar do tombo que havia sofrido na infância.Com carinho e máxima atenção, o examinou.— Pronto, Miguel. Não foi tão ruim assim. — Ela sorriu para o menino e acariciou o peito do pé dele. — Preciso de uma tomografia e depois nos vemos novamente. Combinado? — Amanda fechou o punho para um cumprimento informal e ao mesmo tempo para distraí-lo. — A Márcia os acompanhará, após o exame eu volto para reavaliá-lo — repetiu, desta vez olhando para os pais do garoto.— Obrigado, doutora — O pai agradeceu e saiu acompanhado pela mãe que carregava uma bebê no colo e pela enfermeira que empurrava a cadeira de rodas.Amanda voltou para o consultório e seguiu com os atendimentos.— Oi, doutora, tudo bem?— Bom dia, Sônia, tudo joia e você? Corrido hoje?— Aqui até que está calmo, mas no hospital público que dei plantão essa noite, foi tenso.— Acidentes? — Amanda inquiriu.
— Ele está bem, você vai ver, foi só um susto. — Raul beijou-a na testa e abraçou-a com força assim que a viu tão fragilizada.— É o que tenho pedido a Deus. Papai é um exímio motorista, não consigo imaginá-lo nessa condição.— Acontece, amor. Às vezes, desviou de algum carro, motociclista, saberemos em breve. Vamos?Amanda assentiu e, após fecharem a clínica, partiram para o hospital.Durante todo o trajeto, a médica permaneceu calada, chorando baixinho, rezando em silêncio, rogando pela saúde de seu pai.Todos que a conheciam, sabiam do amor incondicional que Amanda nutria por seu velho pai. A ortopedista amava a mãe, claro que sim, um amor tão grande quanto o que sentia pelo seu progenitor, mas era sabido que afinidade ela possuía com Glauco, eles tinham uma relação especial, e de forma alguma causava ciúmes na Estela, pelo contrário, ela os compreendia, pois tinha o mesmo apreço por seu falecido pai, avô da Amanda.Absorta, ela continuou olhando através do vidro do automóvel e só
Amanda rapidamente enviou uma mensagem e tanto Raul quanto a sogra ficaram aliviados.— Acredito que o exame já deve ter terminado, vamos até lá? Seu pai ficará feliz.— Obrigada, Tadeu. Nem sei como agradecer a gentileza de vocês e o cuidado com o meu pai.— Tenho certeza de que faria o mesmo.A médica concordou com um aceno de cabeça.O trajeto foi curto e, apesar de conhecer intimamente esse tipo de ambiente, o coração dela deu um sobressalto, quando leu num sulfite com letras impressas CTI na porta do recinto onde o pai se encontrava.— Quando se trata dos nossos é diferente. Toda a nossa coagem rui. — Tadeu a olhou enternecido.— Nunca tinha passado por isso, está sendo bem difícil, confesso.— Ele está bem, dentro do possível e considerando o grau do acidente, segundo o que os paramédicos relataram as enfermeiras que o atenderam na chegada, seu pai nasceu de novo. Glauco está pronto, mas não para outra dessas. — Carinhosamente, Tadeu apertou o ombro de Amanda.Tadeu segurou a po
A porta à sua frente se abriu e o médico sorriu ao vê-la, despediu-se do casal que atendia e a recebeu.— Mais tranquila?— Muito mais. Evitei focar nos hematomas, fraturas. Você está certo, quando algo assim acomete quem amamos, o nosso lado profissional dissipa. Posso verificar os exames? Não quero atrapalhá-lo.— E não atrapalha, de modo algum. — Com um olhar generoso, Tadeu a encarou e virou a tela do computador para que a Amanda pudesse ler os laudos.Com cautela ela foi checando cada linha, e sendo extremamente atencioso o médico explicou um detalhe da concussão que a prendeu por alguns minutos.A cirurgiã tinha noção que a atenção endereçada a ela tinha certo interesse por detrás, no entanto, continuou agindo como se não notasse os sinais. Amanda era completamente apaixonada pelo namorado e só tinha olhos para ele, os demais, apesar de bonitos e charmosos, passavam despercebido.— Alívio é a palavra mais adequada para ser usada nesse momento. — A mulher sorriu contido e suas ex
O riso sórdido brilhava em seus lábios. A sensação que sentia era o melhor dos deleites. André se jogou no sofá da sala e com um copo de uísque duplo sem gelo nas mãos, brindou ao gosto da vitória. A imagem pipocou em sua mente e grunhiu de prazer como se estivesse tendo um orgasmo.— Posso riscar um da minha lista. — Gargalhou alto. — Você vai sofrer, Amanda, e muito.Divertindo-se com o que fizera, o insano verteu generosos goles da bebida certo de que seu plano hediondo tivesse sido concluído com êxito. O que André não sabia era que Glauco havia saído dessa com vida, machucado, porém vivo.Conhecendo tão bem a rotina do ex-sogro, o maluco esperou que uma oportunidade surgisse, ficou à espreita durante dias, em horários alternados e, quando a ocasião surgiu, se agarrou a ela como um bote salva-vidas.Glauco estacionava o carro numa rua calma sem muito movimento, que ficava próxima ao seu local de trabalho, fazia isso há anos, e jamais poderia adivinhar que André, o homem que quase h
— Oi, Pati. — A médica recebeu a amiga com a porta aberta e um abraço apertado.— Amiga, como você está? E o seu pai?Elas entraram, Pati colocou a bolsa sobre o sofá e entregou a amiga um embrulho de uma pâtisserie que ficava no caminho com cannolis recheados de baunilha, os preferidos de Glauco.— Será que ele vai gostar? Cannolis, do jeito que seu Glauco adora, fresquinhos.— Ela vai amar, bom que veio, ele está bem emotivo, fico com o coração apertadinho. Mas é um alívio, amiga. O susto foi grande.— E você, tem se cuidado, se alimentado? Está abatida, Mand.— Com um namorado chamado Raul e seus pais como sogros, o que mais tenho feito é me alimentar. Raul tem sido meu braço direito, esquerdo, nem sei como aguentaria o tranco. E a Léia e o Senhor José, uns fofos, visitaram papai todos os dias e levavam para mim e para a minha mãe, coisas deliciosas.— Fico feliz em saber, você merece esse homem.Amanda anuiu.— Quer ver o doentinho? — A ortopedista brincou com a amiga.— Vim espec
O nefasto sorria diante do espelho enquanto fazia a barba. O barbeador elétrico aparava os poucos pelos que tinha na face, deixando-o o mais vistoso possível. André queria parecer bem e bonito diante de Amanda. Não queria que ela se assustasse com sua aparência cadavérica, ele sabia que havia emagrecido, todos ao seu redor haviam notado e, assim como respondeu aos enxeridos catalogados por sua mente perversa, falaria o mesmo a ex-namorada caso fosse necessário. Desculpas esfarrapadas ele as tinha aos montes e por ser livre de qualquer suspeita, ter a crença das pessoas em si, isso enaltecia demasiadamente seu ego.De dia um homem bom, à noite uma fera com sede de sangue.— Você está ótimo, meu caro.Mostrando ao espelho os dentes perfeitamente alinhados e brancos, deixou o aparelho de barbear sobre o lavatório de mármore travertino e deu dois sutis tapinhas em seu rosto.André era egocêntrico, desde criança o narcisismo estava imbuído nele. Sempre gostou de ser o centro das atenções,
As horas se passaram, a doutora Amanda atendeu a todos como de costume, dando a atenção devida e sanando as eventuais dúvidas caso surgissem. E desejando acabar logo com esse episódio desagradável ligou para a recepção e pediu para que André entrasse.Ao contrário do que fazia, ela não o recebeu na porta com um aperto de mão, ou com um largo sorriso, a médica recebeu seu ex sentada atrás de sua mesa. O inconveniente, vibrando por dentro e atuando, parou na entrada do consultório e deu um sorriso discreto.— Boa noite.Em tom baixo e parecendo um ser digno de pena, entrou.— Perdão por vir sem avisar e de última hora, eu me machuquei ontem à noite numa partida de futsal.Amanda retribuiu o sorriso com outro falso e achou estranho ele ter se machucado jogando futebol, o homem sempre odiou qualquer tipo de esporte. Dizendo um boa-noite sem muita empolgação, ela apontou a cadeira à sua frente.— Você caiu, torceu? Como foi? — A médica sendo profissional, questionou olhando para seu monito