A viagem de Minas para o Rio de Janeiro durou cerca de sete horas. Era o bastante para me deixar exausta e desejar ficar longe das pessoas. Parecia que quanto mais tentasse lidar com o sentimento de vazio interno, que queria engolir, mais acabava ficando resignada e triste.
O grande portão duplo preto e gradeado da casa da minha tia foi aberto, e ela caminhou até ficar de frente para a minha mãe, cumprimentando-a e depois, prostrou-se diante de mim. Eu não queria falar, conversar e muito menos ser simpática. Ela já sabia disso, porque nesse aspecto nós três também éramos muito parecidas, e mesmo assim, abriu um grande sorriso. Procurei um motivo para sorrir, mas quando não encontrei, ela me cumprimentou com um abraço apertado e caloroso ao afagar as minhas costas.
— Não fica assim, meu amor. As coisas vão ser bem melhores de ago
A semana não passava. A quinta-feira tinha se tornado uma espécie de inferno pessoal. Parecia que o tempo tinha parado num pesadelo sem fim.Minha mãe tinha aceitado fazer a cirurgia, mas ao contrário do que era esperado, não estava lidando muito bem com a situação — se é que existe um jeito bom de lidar com o câncer. Ela não queria falar comigo, não estava comendo direito e a pior parte é vê-la afundar num posso de negação e depressão sem poder fazer nada para ajudar. A cirurgia precisava ser feita antes que a doença se alastrasse e tomasse maiores proporções. Isso realmente não estava sendo bom para ela? Quero dizer? Câncer... Câncer não é uma coisa boa, ninguém quer ter, mas descobrir que havia chances não bastava? Isso era bem mais do que pacientes em estágio avançado tinham.
Passei a mão pelos vidrilhos do busto do vestido deslumbrante. Estava difícil acreditar que minha tia o havia escolhido especialmente para mim.Eu estava feliz e mesmo que esse não fosse um dos vestidos que eu ao menos me daria ao trabalho de experimentar, porque custava uma fortuna e segundo, era completamente diferente do que estava acostumada a vestir. Não que eu não goste de coisas bonitas, pois o vestido ia além de bonito, ele era deslumbrante, mas o meu estilo era mais simples, casual e despojado.Girei o corpo para me analisar na frente do espelho de corpo inteiro, inclinando-me nas pontas dos pés ao simular um salto. A saia de princesa champanhe era de tule inglês, descendo rodada e volumosa até o meio das coxas. O busto coberto por vidrilhos entre tons de branco e prata e desciam em fileiras aleatórias e espaçadas pela saia. O decote em V profundo exibia os arcos
— Por que você está dizendo isso? — perguntei totalmente abalada. Não por estar me sentindo ofendida; eu estava, mas porque no fundo tinha consciência de que não era mentira e ouvir da boca dele tornava tudo ainda mais doloroso.Nós éramos perfeitos juntos. Quando tudo começou a ser tão difícil e errado?Quando Thomas apareceu. Essa resposta era bastante óbvia, mas ao mesmo tempo, tão complicada, pois precisava reconhecer que Thomas havia mudado muita coisa desde que chegara. O simples fato de ele estar por perto alterou todo o curso da minha vida, e ter de admitir isso era basicamente assumir que ele ainda era importante de alguma forma.O meu coração era do Samuel, eu queria que fosse. Mas eu estava pisando numa linha de indecisão que beirava o absurdo. Thomas e eu não tínhamos nada. Nenhum vínculo no presente. Por que estava
Falar sobre o que aconteceu nunca foi fácil, mas parece que ele insiste em vir à tona, tanto com Thomas quanto com minha mãe, mas ainda era doloroso relembrar todo o mal que meu pai havia nos provocado. Minha mãe não parecia se incomodar, mas a cada ano que se passava, mais agressivo, violento e alcoólatra ele ficava. Não trabalhava e quando não estava bêbado, estava semimorto, estirado no chão da sala com uma garrafa de destilado na mão. Só que dos meus quinze anos em diante, a coisa ficou mais séria, porque ele começara a participar de jogos de azar e pastava tudo o que tinha e não tinha.Na semana que decidimos deixar tudo para trás, o meu pai fez uma aposta alta e ficou devendo trinta mil a um bicheiro perigoso e quando mamãe se recusou a dar as nossas economias, ele ficou agressivo e se eu não tivesse chegado para chamar a ambulância —
As batidas foram substituídas por uma música lenta. O pirata-caveira arqueou as sobrancelhas como se pedisse permissão para se aproximar, e quando hesitei, ele assumiu o meu poder de escolha.Ele me segurou sutilmente pela cintura e as minhas mãos repousaram sobre o peito dele. A essa altura, todos os meus problemas já não doíam tanto, na verdade, eles se pareciam uma combinação de unha encrava e sapatos altos. A gente tenta ignorar, mesmo sabendo que ela estava ali doendo e latejando. Não havia funcionado, porque senti meu coração palpitar. E estar bêbada não ajudava na minha capacidade de autocontrole, e a melodia de Us do James Bay não ajudou em nada na minha tentativa de camuflar o quanto o fato de que o meu noivo tinha me deixado, e o meu ex não parava de me atormentar estavam me fazendo sofrer.— E você, faz o tipo mocinha,
A cabeça latejou como se meus neurônios fisgassem por dentro. Abri meus olhos e a dor se mais tornou intensa.Os raios de sol a pino invadiam pela vidraçaria das janelas e derramava-se quente e amarelo sobre a pele agredindo as minhas retinas. Fechei os olhos com força e balancei a cabeça de um lado para o outro, apoiando o peso do corpo nos cotovelos e resmunguei em meio a tontura; alguém murmurou também.Como eu cheguei em casa? Indaguei a mim mesma, deixando-me afundar novamente no sofá, e quando não houve resposta para essa pergunta, o nervosismo me fez gelar.O que tinha acontecido? O gosto azedo de álcool na boca me fez fazer uma careta antes de olhar para o lado, deparando-me com Fernanda.Mortícia Addams tinha se desfigurado numa mistura caótica de sombra e batom borrocados. O lápis de olho estava tão manchado que rodelas pretas tomav
A conversa calorosa da minha mãe vinha da cozinha enquanto estava no chuveiro. “E como anda a Revista? ” pude ouvi-la perguntar a alguém enquanto me envolvia num roupão branco; os cabelos molhados enrolados em uma toalha.Saí do banheiro casualmente, esperando que ela estivesse conversando com Fernanda e tomei o corredor, seguindo para a cozinha.— Mãe... — disse andando, quando a vi de lado, em pé de frente para o balcão. — Onde você estava? Fiquei te procuran...O meu corpo gelou; eu parei de falar e andar imediatamente. A surpresa me preencheu e o meu queixo caiu assim que me deparei com a companhia de conversa animada da minha mãe.Não... isso era demais até mesmo para mim!Analisando-o de cima a baixo descaradamente, Thomas estava vestindo o terno de mais cedo e agora, segurava um copo comprido de vidro. Ele estava bebendo um suco
— Isso é ridículo... — Rebati abruptamente.Não era tão ridículo, porque eu estava realmente me sentindo assim. Só que assumir isso em voz alta era absurdo. Eu não podia gostar de dois homens ao mesmo tempo, era errado, obsceno. Era como se estivesse pisando numa linha perigosa, e não fizesse ideia de como voltar atrás, ou parar de fazer o que estava fazendo. Não tinha como parar ou voltar. As coisas estavam tomando proporções estapafúrdias e tudo o que eu conseguia fazer agora era olhar para Thomas e sentir meu corpo todo reagir com borbulhas. Ardendo por um sentimento que se recusava a morrer.— Ah, é? — indagou ceticamente — Thomas enfiou a mão no bolso de dentro do palito e sacou a carteira, deixando uma nota de cinquenta embaixo do copo dele, e eu fiquei ali, parada, observando-o se movimentar com mais pressa. — Se é t