Passei a mão pelos vidrilhos do busto do vestido deslumbrante. Estava difícil acreditar que minha tia o havia escolhido especialmente para mim.
Eu estava feliz e mesmo que esse não fosse um dos vestidos que eu ao menos me daria ao trabalho de experimentar, porque custava uma fortuna e segundo, era completamente diferente do que estava acostumada a vestir. Não que eu não goste de coisas bonitas, pois o vestido ia além de bonito, ele era deslumbrante, mas o meu estilo era mais simples, casual e despojado.
Girei o corpo para me analisar na frente do espelho de corpo inteiro, inclinando-me nas pontas dos pés ao simular um salto. A saia de princesa champanhe era de tule inglês, descendo rodada e volumosa até o meio das coxas. O busto coberto por vidrilhos entre tons de branco e prata e desciam em fileiras aleatórias e espaçadas pela saia. O decote em V profundo exibia os arcos
— Por que você está dizendo isso? — perguntei totalmente abalada. Não por estar me sentindo ofendida; eu estava, mas porque no fundo tinha consciência de que não era mentira e ouvir da boca dele tornava tudo ainda mais doloroso.Nós éramos perfeitos juntos. Quando tudo começou a ser tão difícil e errado?Quando Thomas apareceu. Essa resposta era bastante óbvia, mas ao mesmo tempo, tão complicada, pois precisava reconhecer que Thomas havia mudado muita coisa desde que chegara. O simples fato de ele estar por perto alterou todo o curso da minha vida, e ter de admitir isso era basicamente assumir que ele ainda era importante de alguma forma.O meu coração era do Samuel, eu queria que fosse. Mas eu estava pisando numa linha de indecisão que beirava o absurdo. Thomas e eu não tínhamos nada. Nenhum vínculo no presente. Por que estava
Falar sobre o que aconteceu nunca foi fácil, mas parece que ele insiste em vir à tona, tanto com Thomas quanto com minha mãe, mas ainda era doloroso relembrar todo o mal que meu pai havia nos provocado. Minha mãe não parecia se incomodar, mas a cada ano que se passava, mais agressivo, violento e alcoólatra ele ficava. Não trabalhava e quando não estava bêbado, estava semimorto, estirado no chão da sala com uma garrafa de destilado na mão. Só que dos meus quinze anos em diante, a coisa ficou mais séria, porque ele começara a participar de jogos de azar e pastava tudo o que tinha e não tinha.Na semana que decidimos deixar tudo para trás, o meu pai fez uma aposta alta e ficou devendo trinta mil a um bicheiro perigoso e quando mamãe se recusou a dar as nossas economias, ele ficou agressivo e se eu não tivesse chegado para chamar a ambulância —
As batidas foram substituídas por uma música lenta. O pirata-caveira arqueou as sobrancelhas como se pedisse permissão para se aproximar, e quando hesitei, ele assumiu o meu poder de escolha.Ele me segurou sutilmente pela cintura e as minhas mãos repousaram sobre o peito dele. A essa altura, todos os meus problemas já não doíam tanto, na verdade, eles se pareciam uma combinação de unha encrava e sapatos altos. A gente tenta ignorar, mesmo sabendo que ela estava ali doendo e latejando. Não havia funcionado, porque senti meu coração palpitar. E estar bêbada não ajudava na minha capacidade de autocontrole, e a melodia de Us do James Bay não ajudou em nada na minha tentativa de camuflar o quanto o fato de que o meu noivo tinha me deixado, e o meu ex não parava de me atormentar estavam me fazendo sofrer.— E você, faz o tipo mocinha,
A cabeça latejou como se meus neurônios fisgassem por dentro. Abri meus olhos e a dor se mais tornou intensa.Os raios de sol a pino invadiam pela vidraçaria das janelas e derramava-se quente e amarelo sobre a pele agredindo as minhas retinas. Fechei os olhos com força e balancei a cabeça de um lado para o outro, apoiando o peso do corpo nos cotovelos e resmunguei em meio a tontura; alguém murmurou também.Como eu cheguei em casa? Indaguei a mim mesma, deixando-me afundar novamente no sofá, e quando não houve resposta para essa pergunta, o nervosismo me fez gelar.O que tinha acontecido? O gosto azedo de álcool na boca me fez fazer uma careta antes de olhar para o lado, deparando-me com Fernanda.Mortícia Addams tinha se desfigurado numa mistura caótica de sombra e batom borrocados. O lápis de olho estava tão manchado que rodelas pretas tomav
A conversa calorosa da minha mãe vinha da cozinha enquanto estava no chuveiro. “E como anda a Revista? ” pude ouvi-la perguntar a alguém enquanto me envolvia num roupão branco; os cabelos molhados enrolados em uma toalha.Saí do banheiro casualmente, esperando que ela estivesse conversando com Fernanda e tomei o corredor, seguindo para a cozinha.— Mãe... — disse andando, quando a vi de lado, em pé de frente para o balcão. — Onde você estava? Fiquei te procuran...O meu corpo gelou; eu parei de falar e andar imediatamente. A surpresa me preencheu e o meu queixo caiu assim que me deparei com a companhia de conversa animada da minha mãe.Não... isso era demais até mesmo para mim!Analisando-o de cima a baixo descaradamente, Thomas estava vestindo o terno de mais cedo e agora, segurava um copo comprido de vidro. Ele estava bebendo um suco
— Isso é ridículo... — Rebati abruptamente.Não era tão ridículo, porque eu estava realmente me sentindo assim. Só que assumir isso em voz alta era absurdo. Eu não podia gostar de dois homens ao mesmo tempo, era errado, obsceno. Era como se estivesse pisando numa linha perigosa, e não fizesse ideia de como voltar atrás, ou parar de fazer o que estava fazendo. Não tinha como parar ou voltar. As coisas estavam tomando proporções estapafúrdias e tudo o que eu conseguia fazer agora era olhar para Thomas e sentir meu corpo todo reagir com borbulhas. Ardendo por um sentimento que se recusava a morrer.— Ah, é? — indagou ceticamente — Thomas enfiou a mão no bolso de dentro do palito e sacou a carteira, deixando uma nota de cinquenta embaixo do copo dele, e eu fiquei ali, parada, observando-o se movimentar com mais pressa. — Se é t
Eu só precisava pegar a minha Licença e ir embora. Minha mãe seria internada hoje no final da tarde e tudo o que eu queria era passar esse momento com ela. A minha sala estava impecavelmente arrumada. Chegara cedo para limpar todos os arquivos, textos, pesquisas do computador quando Lorena empurrou a porta antes de entrar.— Sua mãe está bem? — indagou num olhar compassivo, desvencilhando-se da cadeira.Assenti que sim num gesto contido de cabeça. Ela estava melhor do que se esperava. Tinha abandonado o estágio de depressão e estava passando pela aceitação.Dizem que as coisas ficam melhores quando você apenas as aceita como são e estava feliz pela forma como minha mãe estava conseguindo lidar com a situação.Lorena se apoiou nos braços da cadeira giratória e enquanto se sentava nela perguntou:— E você?
— Me desculpe, mas eu preciso ir.Essa foi a última coisa que Samuel disse antes de desligar o telefone e o bipe frequente e constante ressoar com o encerramento abrupto da chamada.Samuel tinha ido, apressado e ocupado como sempre.O bolo não me desapontou tanto, porque estava ocupada demais analisando Thomas do outro lado do recinto. Era errado olhar assim para ele. Eu tinha consciência disso, mas ainda assim, eu fiquei ali, parada, com os lábios entre abertos, vislumbrando-o à distância, incapacitada de fazer outra coisa, pois ele estava tão incrivelmente bonito sob a camisa social bordô posta para dentro da calça de alfaiataria preta, suspensa pelo cinto de couro e fivela prateada na altura perfeita do quadril. O meu olhar vagou mais pelo corpo dele, seguindo os braços fortes, com algumas veias mais protuberantes do que outras, surgindo dos nós dos dedos e sugerindo