As batidas foram substituídas por uma música lenta. O pirata-caveira arqueou as sobrancelhas como se pedisse permissão para se aproximar, e quando hesitei, ele assumiu o meu poder de escolha.
Ele me segurou sutilmente pela cintura e as minhas mãos repousaram sobre o peito dele. A essa altura, todos os meus problemas já não doíam tanto, na verdade, eles se pareciam uma combinação de unha encrava e sapatos altos. A gente tenta ignorar, mesmo sabendo que ela estava ali doendo e latejando. Não havia funcionado, porque senti meu coração palpitar. E estar bêbada não ajudava na minha capacidade de autocontrole, e a melodia de Us do James Bay não ajudou em nada na minha tentativa de camuflar o quanto o fato de que o meu noivo tinha me deixado, e o meu ex não parava de me atormentar estavam me fazendo sofrer.
— E você, faz o tipo mocinha,
A cabeça latejou como se meus neurônios fisgassem por dentro. Abri meus olhos e a dor se mais tornou intensa.Os raios de sol a pino invadiam pela vidraçaria das janelas e derramava-se quente e amarelo sobre a pele agredindo as minhas retinas. Fechei os olhos com força e balancei a cabeça de um lado para o outro, apoiando o peso do corpo nos cotovelos e resmunguei em meio a tontura; alguém murmurou também.Como eu cheguei em casa? Indaguei a mim mesma, deixando-me afundar novamente no sofá, e quando não houve resposta para essa pergunta, o nervosismo me fez gelar.O que tinha acontecido? O gosto azedo de álcool na boca me fez fazer uma careta antes de olhar para o lado, deparando-me com Fernanda.Mortícia Addams tinha se desfigurado numa mistura caótica de sombra e batom borrocados. O lápis de olho estava tão manchado que rodelas pretas tomav
A conversa calorosa da minha mãe vinha da cozinha enquanto estava no chuveiro. “E como anda a Revista? ” pude ouvi-la perguntar a alguém enquanto me envolvia num roupão branco; os cabelos molhados enrolados em uma toalha.Saí do banheiro casualmente, esperando que ela estivesse conversando com Fernanda e tomei o corredor, seguindo para a cozinha.— Mãe... — disse andando, quando a vi de lado, em pé de frente para o balcão. — Onde você estava? Fiquei te procuran...O meu corpo gelou; eu parei de falar e andar imediatamente. A surpresa me preencheu e o meu queixo caiu assim que me deparei com a companhia de conversa animada da minha mãe.Não... isso era demais até mesmo para mim!Analisando-o de cima a baixo descaradamente, Thomas estava vestindo o terno de mais cedo e agora, segurava um copo comprido de vidro. Ele estava bebendo um suco
— Isso é ridículo... — Rebati abruptamente.Não era tão ridículo, porque eu estava realmente me sentindo assim. Só que assumir isso em voz alta era absurdo. Eu não podia gostar de dois homens ao mesmo tempo, era errado, obsceno. Era como se estivesse pisando numa linha perigosa, e não fizesse ideia de como voltar atrás, ou parar de fazer o que estava fazendo. Não tinha como parar ou voltar. As coisas estavam tomando proporções estapafúrdias e tudo o que eu conseguia fazer agora era olhar para Thomas e sentir meu corpo todo reagir com borbulhas. Ardendo por um sentimento que se recusava a morrer.— Ah, é? — indagou ceticamente — Thomas enfiou a mão no bolso de dentro do palito e sacou a carteira, deixando uma nota de cinquenta embaixo do copo dele, e eu fiquei ali, parada, observando-o se movimentar com mais pressa. — Se é t
Eu só precisava pegar a minha Licença e ir embora. Minha mãe seria internada hoje no final da tarde e tudo o que eu queria era passar esse momento com ela. A minha sala estava impecavelmente arrumada. Chegara cedo para limpar todos os arquivos, textos, pesquisas do computador quando Lorena empurrou a porta antes de entrar.— Sua mãe está bem? — indagou num olhar compassivo, desvencilhando-se da cadeira.Assenti que sim num gesto contido de cabeça. Ela estava melhor do que se esperava. Tinha abandonado o estágio de depressão e estava passando pela aceitação.Dizem que as coisas ficam melhores quando você apenas as aceita como são e estava feliz pela forma como minha mãe estava conseguindo lidar com a situação.Lorena se apoiou nos braços da cadeira giratória e enquanto se sentava nela perguntou:— E você?
— Me desculpe, mas eu preciso ir.Essa foi a última coisa que Samuel disse antes de desligar o telefone e o bipe frequente e constante ressoar com o encerramento abrupto da chamada.Samuel tinha ido, apressado e ocupado como sempre.O bolo não me desapontou tanto, porque estava ocupada demais analisando Thomas do outro lado do recinto. Era errado olhar assim para ele. Eu tinha consciência disso, mas ainda assim, eu fiquei ali, parada, com os lábios entre abertos, vislumbrando-o à distância, incapacitada de fazer outra coisa, pois ele estava tão incrivelmente bonito sob a camisa social bordô posta para dentro da calça de alfaiataria preta, suspensa pelo cinto de couro e fivela prateada na altura perfeita do quadril. O meu olhar vagou mais pelo corpo dele, seguindo os braços fortes, com algumas veias mais protuberantes do que outras, surgindo dos nós dos dedos e sugerindo
A mulher de cabelos compridos e soltos da mesa se levantou da cadeira e cumprimentou Samuel, dando-lhe um aperto de mãos.Eu não conseguia ver o rosto dela, mas eu me senti enciumada só pelo que estava vendo de suas costas. Se tratava de uma mulher esguia e curvilínea, de pele levemente bronzeada e divinamente coberta por um vestido preto liso de ceda, marcado na cintura e rodado na parte da saia, escandalosamente decotado nas costas definidas; com uma faixa em forma de gola devidamente ajustada ao pescoço. Os cabelos brilhantes reluziam a luz ao correr por sobre as costas e cair pelos ombros quando ela se inclinou, iniciando uma conversa.Samuel me olhou rapidamente por cima do ombro dela e naquele breve momento, uma pontada cortou meu coração ao ver o quanto eu o havia decepcionado agora. Ver o desapontamento explicito no reflexo dos olhos dele me fez suspirar ruidosamente.O que eu estava fazendo?
Devemos estar felizes pelas coisas que fazemos a quem amamos, você só não pode se afundar nisso. Não faz mal ser um pouco egoísta às vezes.Você só precisa tomar uma decisão e jogar limpo com as outras pessoas, e principalmente com você mesmo. Eu queria ter me dado conta disso antes, mas eu estava tão preocupada com a decepção que causaria às pessoas se fizesse uma escolha, que me afundei num mar de dúvidas e receios.Havia passado tanto tempo dizendo a mim mesma o quanto estava apaixonada por Samuel, que isso passou a ser a minha verdade, ele era tão bom e eu pensei que poderia amá-lo da mesma forma que amava Thomas, mas mesmo que eu tentasse, isso não aconteceria. Nenhum amor é igual ao outro, e quando Thomas saiu do passado direto para o meu presente, tudo mudou, e essa verdade começou a mexer com a minha cabeça e desfez tud
— Eu quero saber o que te faz pensar que vir aqui e me dizer tudo o que... — Thomas parecia ressentido, e o tom que usara para se expressar não desmentia. — bem... isso... vai fazer tudo ficar bem entre a gente depois de tudo? — Thomas indagou, bebericando da bebida em seu copo.Mesmo que o ressentimento dele estivesse em evidência, eu não me deixei abater. Avancei dois passos e abri a boca duas vezes antes de me pronunciar de fato.— Eu sinto muito. Às vezes eu sou teimosa demais para dar o braço a torcer.Eu realmente sentia, mas Thomas não pareceu se importar muito quando devolveu o copo para a mesa e apoiou-se no móvel, cruzando os braços e inclinando o pescoço para me encarar obliquamente com os olhos, o que lhe conferia um grande ar arrogante.— Alguém já te disse que você se desculpa demais?Fiquei inerte e em silêncio,