"Em meio ao sufoco de lutar pela sobrevivência, seu amor vem como um sopro de ar fresco, revelando e expondo sentimentos."
Donna Reid
Prostrada diante do vaso, já não tenho mais nada para colocar para fora, apenas a bile que sai com um gosto amago, queimando minha garganta. Os espasmos foram tantos, que fiquei com dor abdominal.
Tem poucos minutos que cheguei de mais uma balada das tanta que vou. Estava tão bêbada, que não consegui me segurar nas próprias pernas e como meus amigos estavam do mesmo jeito, a moça do bar que conhece minha amiga Vick, ligou e pediu que ela fosse me buscar e foi assim que cheguei a minha casa. Desta vez não contaria com a proteção do senhor Pitter, que por vezes me seguia, pensando que eu não notava, e me levava para casa.
Quando Vick chegou, ao ver meu estado, seu olhar de reprovação me magoou, mas eu tinha que continuar com minhas festas, esse era meu anestésico, o combustível que me dava forças para continuar. Fazia um tempo que eu não a locais assim, acho que depois de conhecer Kevin, não me senti tão inclinada a fazer essas coisas.
A primeira vez que fui a um lugar daqueles, depois de um empurrãozinho do pessoal da faculdade, fui com a cara e a coragem, mais com a cara do que com a coragem, porque me deu um pavor e quase voltei da porta mesmo. Nunca tinha ido a um lugar assim e embora não tenha nada demais, devido aos meus propósitos, aos pensar nos meus pais, me sentia como se os tivessem traindo. Mas foram eles quem havia me deixado, não por vontade, é claro. Mas nem por isso eu deixava de sentir e ter vontade de externar minha frustração. Aquela garota meiga e sonhadora já não existia mais.
Com o tempo me acostumei a música alta, as luzes multicoloridas piscando, as cantadas baratas, principalmente quando ficava no bar ou ia para a pista e até ao cheiro de sexo próximo aos banheiros, na parte mais escura onde muitos casais aproveitavam para se pegar.
A turma com a qual estava acostumada a andar gosta de zoar e muitas vezes a animação se estendia para atos de vandalismo, e uso de drogas, o que já me rendeu algumas idas à delegacia e devido ao nome influente do meu tio, nada sobre mim foi mencionado, mas eu adorei sua cara de constrangimento ao ir me buscar, inclusive quando em uma das vezes, o grande e magnânimo Edgar Reid ameaçou uma jornalista caso ela citasse meu nome em alguma reportagem dela. Sei bem que ele fez aquilo contra sua vontade, deve ser remorso e por isso não trata e não gosta de ver outras pessoas tratando outras de forma ruim. Às vezes faço só de pirraça com as empregadas da casa e quando penso que ele vai me repreender, ele se cala e não diz nada. Embora eu pudesse ver em seu semblante a reprovação.
Ontem mesmo, antes de sair, aconteceu algo desse tipo. Procurei uma roupa específica e a incompetente da empregada disse que estava na lavanderia e outro vestido, o qual gosto muito, na tinturaria. Enraivecida, expulsei-a aos berros do meu quarto e proibi qualquer um de cuidar das minhas coisas, apenas Gertrudes poderia fazer isso. Ela era uma velha chata, que me olhava com ar de reprimenda, mas pelo menos não questionava minhas ordens.
Levanto cambaleando e vou tomar um banho, preciso dormir ou não estarei inteira esta noite.
Um tempo depois...
Sinto uma frustração muito grande.
Esta noite me senti profundamente infeliz, tenho vontade de chorar. Tentei dormir, fechar os olhos, mas não consegui. Precisei sair do quarto, andar um pouco pela casa para ver se a vontade se dissipava, mas, não consegui segurar o choro.
Sentia minha cabeça doer e as lágrimas não pararam de descer. Em dado momento, me distraí por alguns minutos, mas logo aquela sensação de sufocamento voltou. Comecei a pensar em muitas coisas, meus pensamentos estavam uma bagunça.
Sinto vergonha do que tive vontade de fazer e arrependida peço perdão, mas quando a angústia volta, eu penso tudo de novo e me sinto uma covarde por não ter coragem. Eu queria dar um fim a isso, queria mesmo. Mas não consigo.
Eu não consigo...
Faz algumas horas que tomei uma decisão que talvez mude minha vida de uma vez por todas, e talvez seja bom. O que sei é que preciso de uma guinada de 360 graus. Preciso de uma mudança de ares e quem sabe assim eu me encontre, pois do jeito que estou nem eu tenho me suportado e depois do que vi e ouvi, jamais vou permitir que alguém me machucasse de novo. Vick achou uma loucura, mas talvez seja isso que eu precise para me reencontrar.
Charlie MacAleeseEu estava incrédulo.Não podia acreditar no que tinha acabado de ouvir. Dentre todas as pessoas, ele sabia que aquilo estava fora de questão.— Como pôde garantir em meu nome que eu traria a sobrinha dele em segurança? — cruzei os braços, estreitando os olhos enquanto o homem à minha frente coçava a nuca, desconfortável.— Escute! Você é o melhor e ele está disposto a pagar o que for preciso — disse. — Vá falar com ele e o convença de que seu trabalho valerá cada centavo. Mostre que a lenda não está enferrujada.— Por que ele não chama os caras? O FBI, a S.W.A.T? O homem é podre de rico.— Às vezes um homem faz o que é melhor para sua família, não para ele.Olhei para meu amigo de longa data. Depois que me afastei de tudo, ele era o único que sabia minha localização. Durante muitos anos estivemos juntos em situações complicadas demais devido ao nosso passado mercenário. Éramos respeitados e temidos por muitos homens. Homens sábios. E aqueles que não detinham tanta sa
Donna ReidDesde a hora que acordei que tento entrar em contato com meu tio nos Estados Unidos e não consigo. Parece haver algum tipo de interferência e a chamada não é completada. Preciso saber se ele vai realmente enviar o valor prometido para ajudar no tratamento do pequeno Osmin, uma criança com uma anomalia genética e por isso é alvo das gozações dos colegas, o que o deixa arredio e introspectivo. O problema é que sua família não tem condições e antes de dar uma esperança a eles, entrei em contato com meu tio.Eu sei que não deveria me envolver tanto e que não poderei ajudar a todas as famílias necessitadas desse país. Mas assim que cheguei, me senti facilmente acolhida por eles, e o pequeno se aproximou de mim de forma tão carinhosa, deixando até mesmo seus pais surpresos e, com o passar dos meses, fui me afeiçoando a cada um de forma especial."— Não se apegue muito" — disse Victória quando se despediu de mim, três meses depois de ter chegado e seu trabalho ter sido concluído.
Donna ReidHoras mais tarde, já na minha casa, ouvi uma voz familiar perguntar."— Como está se sentindo?""— Estou com uma dor de cabeça horrível. Parece que vai estourar a qualquer momento.""— Não pode ficar fazendo esse tipo de coisa. Em pouco tempo não estarei mais aqui para lhe socorrer..." — estreitei os olhos para ela, imaginando o que aquilo significava. "— Vou viajar. Esqueceu o trabalho voluntário que aceitei na América Central?"Era verdade, eu tinha esquecido. Ela se sentou na beirada da minha cama e com uma voz conciliadora, começou a falar."— Donna, eu entendo que quando era mais nova, em se ver numa situação difícil com a perda dos pais, tenha se revoltado, eu mesma tive meu momento. Mas os anos se passaram e agora você é uma mulher adulta e, o que está fazendo da sua vida? Está se tornando uma pessoa sem conteúdo, sem moral. Diminuindo-se por nada.""— Você não sabe do que está falando" — revidei."— Sei que agindo desse jeito não está prejudicando ninguém além de si
Charlie MacAleeseDepois de um voo de quase cinco horas, finalmente estou em El Salvador. Como o tráfego aéreo está fechado para a Guatemala, precisei pensar em uma rota alternativa para entrar sem ser visto.Com as fronteiras fechadas, não seria um trabalho fácil, mas apesar de serem muitos, os rebeldes não poderiam cobrir todas as estradas e rios.Com uma mochila nas costas, segui para fora do aeroporto. Uma hora e meia, depois, estava entrando num bar que já tinha visto dias melhores. O local parecia uma espelunca caindo aos pedaços. Os homens que estavam ali pararam de conversar e ficaram me encarando. Me aproximei do balcão e falei para a mulher que era tão mal encarada quanto os homens daquele lugar.— Buenos días! Quiero hablar con Carlos Rocío (Bom dia! Quero falar com Calos Rocío) — ela me encarou e depois de limpar o nariz no avental que usava, respondeu.— En la parte trasera (na parte dos fundos) — fez um gesto com queixo. Com um aceno em agradecimento, segui até o local i
Donna ReidEu tive uma noite péssima. Fazia algum tempo que não tinha mais aquele sonho. Tinha me esquecido a sensação que ele me causava. Era sempre o mesmo som, como se minha mente tivesse gravado exatamente a sonoridade das batidas fortes e apressadas na porta.Nos primeiros três anos da morte deles, eu sonhava quase que diariamente, acordando no meio da noite com um policial batendo à porta e informando daquele desastre horrível que levou imediatamente minha mãe. Eu ainda senti esperança de que papai sobrevivesse, mais uma semana depois, minha esperança foi enterrada junto com ele. Eu nunca mais iria vê-los, ouvi-los ou abraçá-los. Nunca mais era tempo demais sem as duas únicas pessoas que eu amava incondicionalmente e que me amavam de volta.Só que dessa vez o sonho tinha algo diferente, em vez de um policial, eram os rebeldes vindo me buscar, batendo na porta com violência e me procurando em todos os cômodos. Eu assisti aquilo como se não estivesse ali, eles não me enxergavam, m
Charlie MacAleesePuxo mais uma vez o mapa, olhando exatamente o ponto marcado nele, se seguir as coordenadas contidas ali e não tiver mais nenhuma surpresa pelo caminho, em aproximadamente duas horas, chego ao meu destino: o local onde a senhorita Reid está. Ou ao menos é isso que espero. Com as tropas avançando cada vez mais rápido, ela pode não estar lá e ter tentado fugir, o que seria um grave erro. Estando sozinha e despreparada, torna-se um alvo fácil de ser capturado.Jogo o mapa no banco ao lado e procuro um lugar onde parar o jipe e me aliviar um pouco. Desde os primeiros raios de sol que estou dirigindo e já está entrando pela tarde.A chuva fina que cai é bem vinda para diminuir o calor, além disso, pode ajudar a retardar o avanço dos rebeldes. Desço sentindo uma ardência em meu braço direito ao sentir o corte que tem ali entrar em contato com os pingos de água de chuva, por sorte é um ferimento superficial.Ao me deparar com os três desconhecidos, eu cerrei os dentes com t
Charlie MacAleeseA parca luminosidade do ambiente era um lembrete claro da tempestade que se aproximava, a chuva fina tinha cessado, mas no céu, as nuvens carregadas e escuras anunciavam que ela logo cairia. Fazia quase uma hora que estava nessa sala esperando pela chegada do dono da casa e a Srta. Reid. Minha vontade era de ter ido até onde eles estavam, mas a mulher que me recebeu garantirá que eles não demorariam e que seria melhor não ser visto andando pela aldeia.A mulher morena, baixinha e corpulenta ficou relutante em me deixar entrar, mas diante das informações que lhe passei, mais confiante, me recebeu de forma acolhedora.Um som de um veículo se aproximando chamou minha atenção, eu caminhei até a janela mais próxima e afastei o tecido para espiar, antes mesmo de saltarem, eu sabia que eram eles. A mulher encaminhou-se para fora junto com as crianças e bem devagar, fiz o mesmo.Senti meu sangue se agitar ao olhar para a mulher que vinha apressadamente na companhia do homem.
Donna ReidO senhor Morales foi até a janela olhar o que estava acontecendo e Charlie se aproximou de mim.— Ficar aqui é assinar uma sentença de morte — diz segurando meu braço. — Só eu posso tirá-la daqui.— Não pedi sua opinião e, por favor, afaste-se, seu perfume me deixa enjoada — ele deu um sorriso cínico. — Tem cheiro de arrogância — completei para diminuir seu ego que parecia gigante e puxei meu braço.— Essa é a minha essência natural, princesa — replica e eu me afasto, indo para junto do senhor Morales.Nesse momento a esposa dele aparece na sala com uma mochila em mãos.— Señorita, aqui tem algumas coisas de que possa precisar, para o seu próprio bem, sugiro que vá — seus olhos estavam suplicantes.— Malana — senhor Morales exclama virando-se para ela. Ignorando o marido, ela continua.— Amamos a sua presença em nossa casa e será bem-vinda quando quiser voltar, mas nesse momento o melhor é ir com este senhor.— Finalmente alguém sensato por aqui — Charlie diz e eu o fulmino