Charlie MacAleese
Depois de um voo de quase cinco horas, finalmente estou em El Salvador. Como o tráfego aéreo está fechado para a Guatemala, precisei pensar em uma rota alternativa para entrar sem ser visto.
Com as fronteiras fechadas, não seria um trabalho fácil, mas apesar de serem muitos, os rebeldes não poderiam cobrir todas as estradas e rios.
Com uma mochila nas costas, segui para fora do aeroporto. Uma hora e meia, depois, estava entrando num bar que já tinha visto dias melhores. O local parecia uma espelunca caindo aos pedaços. Os homens que estavam ali pararam de conversar e ficaram me encarando. Me aproximei do balcão e falei para a mulher que era tão mal encarada quanto os homens daquele lugar.
— Buenos días! Quiero hablar con Carlos Rocío (Bom dia! Quero falar com Calos Rocío) — ela me encarou e depois de limpar o nariz no avental que usava, respondeu.
— En la parte trasera (na parte dos fundos) — fez um gesto com queixo. Com um aceno em agradecimento, segui até o local indicado.
Carlos Rocío é um conhecido de longa data, ele seria meu transporte até Santa Ana ou Santana para alguns. Será uma viagem de uma hora e meia de avião até lá e depois mais uma hora de carro até próximo da fronteira, onde um homem de confiança dele nos aguarda com armas e munições. E a partir dali, cruzando o rio, sigo sozinho na busca pela mimada Reid.
Eu poderia ter vindo em meu avião e evitar envolver tantas pessoas nesse resgate, contudo, eles estão mais habituados com a região e imprudência nunca fez parte do meu trabalho. Além de que, tenho dinheiro, mais do que posso gastar... E, às vezes, o dinheiro pode ser muito útil quando se precisa de certos favores.
Pisquei ao sair da parte escura do bar e entrar numa área com sol forte.
— Ora, ora, se não é o temido MacAleese em carne e osso
— o homem robusto e de bigode enorme veio em minha direção, nos abraçamos dando t***s nas costas um do outro. — Não pensei que viveria para ver este dia. Não tinha se aposentado? — pergunta quando nos afastamos. — A última vez que tive notícias suas, soube que tinha virado um monge — debocha, soltando uma risada alta.— Uma vez mercenário...
— Sempre mercenário — completa minha frase. — Ao menos a grana é boa?
— Você não sabe o quanto.
— Aí está certo. Venha, sente-se um pouco — faz um gesto com a mão.
— Quero ir agora enquanto ainda está claro e aproveitar a noite para entrar no país, quanto antes terminar esse trabalho, mais rápido voltarei para minha aposentadoria.
Ele solta uma gargalhada estrondosa.
— Ranzinza como sempre.
Semicerrei os olhos, fitando a estrada de terra batida margeada por árvores com suas copas altas, o sol da tarde se infiltrando por entre suas folhas verdes, deixando um reflexo dourado, ao longe, a figura solitária de um homem, provavelmente o mesmo que nos aguardava. Não sei como ainda estava vivo, sendo tão imprudente – pensei repuxando a boca em desgosto para um lado. Era por coisas assim que preferia trabalhar sozinho, um ato falho poderia não só custar sua vida, como a de outros.
— Não se preocupe, ainda estamos do lado tranquilo da fronteira — Carlos Rocío me conhece bem demais para saber que o que ia em minha mente.
Não falei nada, continuei olhando para frente.
Quando ele parou o carro, observei a área. Carlos foi cumprimentar o homem e eu me aproximei, o examinando cautelosamente. Não sou do tipo que confia com facilidade, ele poderia muito bem querer ganhar dos dois lados.
Depois de trocar algumas palavras e conferir o material que ele trouxe, junto com itens para acampar, me despedi dos dois, reiterando a Carlos que estivesse ali de volta daqui a cinco dias, para nos buscar. Só esperava não ter muito trabalho em convencer a garota mimada a me acompanhar.
— Estarei aqui como combinado. Tenha cuidado. Entrar será fácil, difícil será sair, desejo que tenha sorte.
— Obrigado.
Por diversas vezes me perguntei o que uma garota como ela estava fazendo naquele fim de mundo, o que estava querendo provar ou a quem? Viver de trabalho voluntário em nada condiz com o estereótipo que ela criou perante a mídia. Sempre que ela aparecia era envolvida em algum escândalo devido aos atos de vandalismo ou fofocas sensacionalistas das muitas festas que frequentava. Agora queria dar uma madre Tereza. Essa era boa.
Deixando os pensamentos de lado, olhei para o céu, o sol estava alto, teria algumas horas ainda pela frente antes de o sol se pôr. Pelo andar da carruagem, não poderia demorar muito, a última notícia era de que as forças rebeldes estavam avançando rapidamente em todas as direções, e logo chegariam a Santa Rosa. Eu preciso tirar a Srta. Reid de lá, antes disso.
Seguindo até o rio, andei pela margem até encontrar o barco que tinha sido deixado ali para mim. Assim seria mais rápido, embora em determinado ponto, precisasse seguir a pé.
Seguindo rio acima, rumo ao golfo de Tehuantepec, eu faço uma parada nas proximidades de Moyuta, indicado pelo mapa.
Pequenas nuvens aqui e ali, tingem o céu azul e limpo, algumas rajadas de ventos que chegam facilmente a 20mph trazem alívio ao calor que começou a fazer, sigo pelo caminho que leva à encosta do vulcão. Escolhi esta rota por ser mais difícil de topar com situações indesejadas. Atravessar toda uma região não seria fácil, mas com rebeldes por todo lado, eu preferia seguir meus instintos. E se der errado, ainda se pode contar com a ajuda de uma 9mm Smith Wesson.
Algumas horas haviam se passado e a noite caiu rapidamente, procurando um lugar plano para passar a noite, escolhi um lugar onde tinha uma espécie de clareira, ciente de que poderia chover, o que seria bom para retardar os rebeldes, também me colocaria numa situação complicada e não podendo acender uma fogueira para não chamar a atenção, eu teria que me virar como desse.
Forrei o saco de dormir no chão, comi uma barra de cereal e tomei dois goles de água. Por enquanto seria o suficiente. Esperava conseguir entrar em Santa Rosa amanhã logo cedo, pegar Donna Reid e sair sem maiores complicações. Levei a mão ao bolso e peguei a foto dela, fiquei observando por longos minutos. Ela é uma mulher bonita, não podia negar, tinha o nariz arrebitado, um ar de atrevimento no olhar. A típica herdeira de uma família abastada.
Será que tinha conhecimento da guerra que estava prestes a estourar e mesmo assim resolveu ficar? Talvez ela não tenha ciência da gravidade da situação em que tinha se metido. Talvez esteja se fazendo passar por uma das habitantes do lugar.
Não, ela não era uma das mulheres local, isso era fácil de identificar, um olhar mais apurado veria com facilidade a fraude, a começar por sua pele alva, os cabelos loiros, o lábio rosado...
Um ruído de galho seco se quebrando me deixa em alerta e eu me levanto, pego minha adaga presa ao cano da bota e dou a volta numa pedra alta que tinha ali perto. Apuro os ouvidos para ver se ouço mais alguma coisa, um animal de pequeno porte, o qual não consegui identificar, passa correndo ao meu lado e fazendo um barulho semelhante ao que ouvi antes, passa por mim.
Era só um animal idiota.
Quando me viro para voltar para lugar onde pretendia tirar um cochilo por algumas horas, sou surpreendido por três homens olhando para mim.
Donna ReidEu tive uma noite péssima. Fazia algum tempo que não tinha mais aquele sonho. Tinha me esquecido a sensação que ele me causava. Era sempre o mesmo som, como se minha mente tivesse gravado exatamente a sonoridade das batidas fortes e apressadas na porta.Nos primeiros três anos da morte deles, eu sonhava quase que diariamente, acordando no meio da noite com um policial batendo à porta e informando daquele desastre horrível que levou imediatamente minha mãe. Eu ainda senti esperança de que papai sobrevivesse, mais uma semana depois, minha esperança foi enterrada junto com ele. Eu nunca mais iria vê-los, ouvi-los ou abraçá-los. Nunca mais era tempo demais sem as duas únicas pessoas que eu amava incondicionalmente e que me amavam de volta.Só que dessa vez o sonho tinha algo diferente, em vez de um policial, eram os rebeldes vindo me buscar, batendo na porta com violência e me procurando em todos os cômodos. Eu assisti aquilo como se não estivesse ali, eles não me enxergavam, m
Charlie MacAleesePuxo mais uma vez o mapa, olhando exatamente o ponto marcado nele, se seguir as coordenadas contidas ali e não tiver mais nenhuma surpresa pelo caminho, em aproximadamente duas horas, chego ao meu destino: o local onde a senhorita Reid está. Ou ao menos é isso que espero. Com as tropas avançando cada vez mais rápido, ela pode não estar lá e ter tentado fugir, o que seria um grave erro. Estando sozinha e despreparada, torna-se um alvo fácil de ser capturado.Jogo o mapa no banco ao lado e procuro um lugar onde parar o jipe e me aliviar um pouco. Desde os primeiros raios de sol que estou dirigindo e já está entrando pela tarde.A chuva fina que cai é bem vinda para diminuir o calor, além disso, pode ajudar a retardar o avanço dos rebeldes. Desço sentindo uma ardência em meu braço direito ao sentir o corte que tem ali entrar em contato com os pingos de água de chuva, por sorte é um ferimento superficial.Ao me deparar com os três desconhecidos, eu cerrei os dentes com t
Charlie MacAleeseA parca luminosidade do ambiente era um lembrete claro da tempestade que se aproximava, a chuva fina tinha cessado, mas no céu, as nuvens carregadas e escuras anunciavam que ela logo cairia. Fazia quase uma hora que estava nessa sala esperando pela chegada do dono da casa e a Srta. Reid. Minha vontade era de ter ido até onde eles estavam, mas a mulher que me recebeu garantirá que eles não demorariam e que seria melhor não ser visto andando pela aldeia.A mulher morena, baixinha e corpulenta ficou relutante em me deixar entrar, mas diante das informações que lhe passei, mais confiante, me recebeu de forma acolhedora.Um som de um veículo se aproximando chamou minha atenção, eu caminhei até a janela mais próxima e afastei o tecido para espiar, antes mesmo de saltarem, eu sabia que eram eles. A mulher encaminhou-se para fora junto com as crianças e bem devagar, fiz o mesmo.Senti meu sangue se agitar ao olhar para a mulher que vinha apressadamente na companhia do homem.
Donna ReidO senhor Morales foi até a janela olhar o que estava acontecendo e Charlie se aproximou de mim.— Ficar aqui é assinar uma sentença de morte — diz segurando meu braço. — Só eu posso tirá-la daqui.— Não pedi sua opinião e, por favor, afaste-se, seu perfume me deixa enjoada — ele deu um sorriso cínico. — Tem cheiro de arrogância — completei para diminuir seu ego que parecia gigante e puxei meu braço.— Essa é a minha essência natural, princesa — replica e eu me afasto, indo para junto do senhor Morales.Nesse momento a esposa dele aparece na sala com uma mochila em mãos.— Señorita, aqui tem algumas coisas de que possa precisar, para o seu próprio bem, sugiro que vá — seus olhos estavam suplicantes.— Malana — senhor Morales exclama virando-se para ela. Ignorando o marido, ela continua.— Amamos a sua presença em nossa casa e será bem-vinda quando quiser voltar, mas nesse momento o melhor é ir com este senhor.— Finalmente alguém sensato por aqui — Charlie diz e eu o fulmino
Charlie MacAleeseQuando eu penso que está tudo sob controle, vem a porra da garota mimada piorar tudo um bilhão de vezes.O que o seu tio havia dito sobre sua personalidade não chega nem perto da mulher teimosa que ela é, mas não era uma patricinha desmiolada, como presumi. Tinha fibra e defendia de forma ferrenha o que acreditava e protegia aos que amava. Tenho certeza de que foi para preservar o Sr. Morales, que ela veio comigo, pois sabia que eu não iria desistir e o homem estava disposto a me enfrentar.Era um tolo.No primeiro momento me senti desnorteado por sua beleza e elegância, mesmo vestindo roupas simples. Pessoalmente era ainda mais bonita do que eu supunha. E de certa forma, estava atraído, afinal, ela é uma bela mulher, com a pele aveludada como um pêssego maduro e com pernas esguias e roliças. Minha parte sensata me advertia de que não poderia sentir atração por ela, mas já era tarde. Embora fosse um homem vivido, que já experimentou muitas coisas, não era imune a sen
Charlie MacAleeseUm homem corpulento e bigodudo estava na recepção e levantou a cabeça quando ouviu meu pigarro. Seu olhar era avaliativo para Donna e de forma instintiva, coloquei o braço em volta dos ombros dela, que me olhou interrogativa. Ignorando sua pergunta silenciosa, me dirigi ao homem.— Buenas noches (boa noite) — cumprimentei. — Me gustaría una habitación para mí y mi esposa (gostaria de um quarto para mim e minha esposa).— Não vou ficar no mesmo quarto que você — ela responde tirando meu braço de cima de si.Sorrio sem graça para o homem e digo.— Está enojada porque una chica me miró. Un minuto... (ela está brava porque uma moça olhou para mim. Só um minuto...) — seguro em seu braço e a puxo para um canto. Com a voz baixa, eu falo. — Nem louco, eu deixaria você fora das minhas vista, é um quarto para nós dois, ou a floresta. Você escolhe.Ela me encara em desafio e por fim responde.— Tudo bem, mas reze para ter um sofá, porque é lá que vai dormir.Dou um sorriso cíni
Donna ReidSento-me na cama dando alguns pulinhos, para sentir a macies do colchão, que na verdade é duro como uma pedra, soltando um suspiro, eu sinto meu estômago roncar. Olho para a bolsa que Malana me deu e estico o braço pegando-a para conferir se tem alguma coisa para comer, antes que eu a abra, uma movimentação na porta do banheiro chama minha atenção e o Sr. MacAleese sai com apenas uma toalha minúscula em volta de seu quadril estreito.Sinto meus olhos dobrarem de tamanho e acabo deixando a bolsa cair no chão.Eu não era versada na cultura grega, mas tinha feito uma cadeira na universidade e se os deuses tivessem existido como afirmavam alguns, com toda certeza, a aparência deles seriam como a do Charlie nesse momento.Com peitoral largo e bronzeado, ele parecia adepto de exercícios feitos ao ar livre. Seu peito era coberto por uma camada fininha, quase imperceptível de pelos dourados que iam descendo por sua barriga cheia de gominhos, até se perder por entre as dobras do tec
Donna ReidParecia que eu mal tinha fechado os olhos por dez minutos quando senti alguém me sacudindo de leve.— Donna... — ouvi uma voz bem longe. Minha mente se negando a ligar, eu queria dormir, estava tão gostoso. — Vamos Donna, acorde — minha mente estava enevoada de sono.Sentei e olhei em volta imediatamente, um pouco desorientada, estava na cama e Charlie recolhia algumas coisas com agilidade, cocei os olhos até me lembrar de que eu tinha me deitado no chão. Como tinha ido parar ali em cima?— Como eu vim...— Isso não é importante agora, pegue — ele jogou uma jaqueta. — vista e vamos, temos que sair.— O que está acontecendo? — perguntei sentindo meu coração disparar, não sabia se queria ouvir sua resposta. O sono de dissipando na mesma hora.— Ainda não sei. Mas ouvi uma movimentação em torno do prédio, também notei uma agitação no final da rua, temos que estar preparados.Preparados para quê?— Mas...— Segure isso — ele me entregou uma espécie de manta que estava na cama e