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Capitulo 3 - A arvore dos enforcados

É o segundo dia de viagem. O panfleto sobre as lendas da ilha indicava vários lugares históricos para visitarmos, e o escolhido para hoje foi a ilha de Anhatomirim, particularmente minha lenda preferida.

O panfleto dizia:

"Nesse pequeno pedaço de terra, muitos foram enforcados e, no pós Revolução Federalista, 185 presos políticos foram fuzilados. Dizem que até hoje que depois do entardecer, ainda podemos ver e ouvir os fantasmas dos que foram mortos, sentados nas pedras em volta de um troco de araçazeiro."

Então é claro que vamos fazer um passeio de família para um lugar supostamente mal assombrado. O que pode dar errado, não é mesmo?

Estou descendo as escadas para o café da manhã, um pouco atrasada em relação à Liz e meus pais.     Fiquei até mais tarde lendo ontem, minha meta para esse livro é termina-lo em três dias, hoje é o terceiro e ainda me faltam quatro capítulos, por isso estou determinada a finaliza-lo, e desço as escadas com ele nas mão para ler enquanto tomo café da manhã e adiantar as coisas.

Como estou descendo uma escadaria com a cara colada em um livro, e, pra completar, correndo por estar atrasada, acontece o óbvio, erro um dos degraus e meu corpo se joga para a frente.         Automaticamente, solto o livro para me segurar o corrimão, faltam pelo menos 10 degraus para chegar ao chão.

Apesar de segurar o corrimão com força, meus joelhos se dobram e eu continuo caindo e tentando diminuir a velocidade me agarrando mais forte ao corrimão quando algo – alguém, na verdade – me segura por de baixo dos braços, fazendo com que eu pare de cair, e me coloca de pé sem que eu precise fazer força para levantar.

 

Me sinto uma criança sendo levantada pelo pai quando está aprendendo a andar.

Me viro para agradecer e sair correndo do meu vexame em seguida, mas sinto meu rosto esquentar quando vejo quem é.

  É o mesmo rapaz que me atendeu na recepção no dia anterior. O dos olhos heterocrômicos. De todas as pessoas do mundo, por que tem que ser um cara bonito quem me socorre em momentos constrangedores?

-- Cuidado, essa escada é lisa – Diz ele, com um sorriso muito visivelmente forçado.

Sorrio de volta, nada que eu disser pode melhorar minha situação, mas eu dizer algo quando estou nervosa pode sem dúvida piora-la, então apenas agradeço.

Ele desce as escadas bem rápido e me entrega o livro que eu derrubei (na verdade joguei) no chão, e olha para a capa por um segundo antes de me entregar.

-- Boa escolha.

Desço as escadas devagar para não cair de novo e ele me estrega meu "Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban" e sai andando bem rápido.

Vou para o salão onde o café da manhã está sendo servido, passando por vários funcionários do hotel no caminho, e mais da metade deles pareceu adotar uma postura rígida e apertar o passo ao passar por mim, como se estivessem passando mal e prestes a vomitar, procurando por um banheiro.

Isso já está ficando pessoal.

***

Embarcamos em um barco que dá acesso à ilha, e no caminho, passamos pela Baía dos Golfinhos, onde não vimos golfinho nenhum. Por conta da distância, quando chegamos perto já é quase hora do almoço, então o barco do passeio nos leva direto ao continente para almoçarmos em um restaurante beira mar, já que não há nenhum restaurante ou coisa do tipo na ilha.

A ilha é bem próxima ao continente. Da praia, é possível ver ela e sua fortaleza. A ida de barco até lá deve durar cerca de 10 minutos no máximo.

  O almoço tem duração de 1 hora, como comemos rápido, aproveitamos o restante do tempo para conhecer a praia em que estamos – que eu não prestei atenção no nome quando o guia nos disse –Ao final do tempo de almoço, embarcamos novamente rumo à ilha.

Meus cálculos estavam certos, em menos de 10 minutos desembarcamos em um pequeno cais, a curta faixa de areia que existe ali resulta em uma praia muito bonita, quase paradisíaca. Iniciamos um tour pela ilha, com um guia que vai nos explicando cada parte.

A parte paradisíaca da ilha acabou ali, quando adentramos ela, um cheiro forte de queimado nos invade, segundo o guia, os canhões que ali estão não podem ser mexidos, e esse cheiro vem a munição que ainda está dentro deles. Na minha cabeça não faz sentido nenhum, mas dizer algo não mudaria nada.

Passamos pela área dos canhões, e, em seguidas, por um grande portal branco que parece a entrada de uma igreja. Depois dele, encontra-se a casa do comandante, uma simples casa branca e alta, e um pouco mais a frente, a Fortaleza de Santa Cruz.

Ignoro completamente a casa e vou direto para a fortaleza, algumas outras pessoas fazem o mesmo, mas meus pais e Liz continuam seguindo o guia.

  Subo as escadas da fortaleza e paro à porta, o lugar é tão grande e macabro que sinto um medo repentino de entrar e nunca mais sair. Mas a pesar de ser assustadora e ter um horrível cheiro que lembra a enxofre, é inteira construída com pedra de um tom amarronzado, o que faz com que ela me lembre um grande castelo medieval.

Vejo várias pessoas entrando e sumindo lá por dentro, e quando percebo que o grupo do guia já está chegando, decido parar de esperar e entrar também.

  No momento em que eu atravesso a porta, sinto um arrepio que percorre toda a minha espinha, e muito, mas muito frio. Um silêncio repentino me atinge, como se a fortaleza bloqueasse todo o barulho externo. Continuo parada. Arrepiada e com frio até que ouço uma voz distante chamar meu nome.

Quando me viro para a porta, há uma fila de pessoas saindo e meu pai está vindo ao meu encontro junto com o guia, que me puxa para fora, começa a tocar meu rosto como se medisse minha temperatura, e me pergunta se estou bem.

  Eu me sentia atordoada, como se estivesse dentro de uma bolha e tudo o que me falavam exigia concentração para distinguir, mas estava passando rápido e decidi que não valia a pena compartilhar.

  Aparentemente, é proibido entrar dentro da fortaleza.

Finjo que nada aconteceu e seguimos com o tour, e ali, em um canto do lado direito da fortaleza, está um araçazeiro não muito grande, cercado por varias pedras que me lembraram uma fogueira de acampamento. Um círculo de pedras com várias pessoas sentadas nelas, e no centro, a fogueira, no caso, o araçazeiro.

-- E esta, pessoas, é a árvore dos esforçados, o lugar mais assombrado da ilha.

"Acha isso porque o não entrou na fortaleza aqui do lado" Pensei.

O guia começa a contar a história de terror dos fantasmas e dos enforcamentos da ilha, e toda vez que eu eu tento chegar mais perto para ouvir melhor, ele anda para o lado oposto, o mais longe possível, até que eu desisto. Os sulistas claramente não gostam de mim.

  Mas a história contada é a mesma descrita no panfleto, com um bônus de alguns relatos de pessoas que diziam já ter visto os fantasmas. Decidi que não valia a pena me estressar com o guia idiota por uma história que já conhecia.

Após o fim do tour, temos 15 minutos para ficar na praia, a única parte realmente bonita da ilha.

Minha mãe e Liz estavam tomando sol, meu pai se sentou na sobra de uma arvore e eu resolvi caminhar pela curta faixa de areia.

Caminhava rente ao mar, com as ondulações da água batendo nos meus pés, já estava voltando para onde minha família estava quando piso em algo que parece ter furado meu pé. Levanto o pé para ver, mas não há corte algum, e quando procuro o que foi que pisei, vejo uma única concha na areia.

Pego a concha, que parecia estar muito grudada á areia, ela é um pouco menor que a palma da minha mão, é branca, e tão brilhante que parece estar envolvida por purpurina. Além de brilhar, refletia pequenos arco íris no sol.

  Vou leve-la comigo.

***

O tempo acaba, e, finalmente, depois de mais uma longa viagem de barco, chegamos ao hotel, tão cansados quanto no dia anterior, porém, decidimos jantar fora hoje.

Depois de pronta, desço para a recepção para esperar meus pais e Liz, me sento em uma poltrona de frente para a escada para que seja impossível não ver quando chegarem e abro meu livro.

  Não se passaram nem 2 minutos quando percebo alguém chegando perto e vindo na minha direção.

Ergo os olhos, o rapaz dos olhos diferentes está se aproximando e olhando pra mim. Fecho o livro e marco a página achando que ele vai falar comigo, o que, por incrível que pareça, acontece.

-- Posso sentar? – Ele aponta para o lugar ao meu lado

-- Claro.

Ele se senta meio longe e se vira de lado para ficar de frente comigo.

-- Meu nome é Nicholas Daren – ele estende a mão

-- Meg Prescott.

Acontece uma pequena confusão quando estendo a mão para apertar a dele. Nossas mãos estão do mesmo lado, então ele troca de mão rapidamente para poder apertar a minha.

-- Reparei na pulseira e nos brincos que estava usando no seu acidente de hoje cedo, e achei que isso pudesse combinar.

E ele estende para mim um colar.

  Uma fina corrente prata com um pequeno pingente de lua preenchido de brilhantes brancos e com uma pedrinha brilhante pendurada na ponta da lua. Realmente combina, meus brinco são um em formato de lua e o outro de estrela, e a pulseira que uso tem alguns pingentes assim também.

O colar está estendido para mim, mas isso foi tão inesperadamente aleatório que fico es dúvida se ele está me dando ou apenas me mostrando, então não pego.

-- É lindo – digo com um tom de admiração.

-- Experimenta – Ele diz forçando um sorriso ao máximo, e ainda com uma postura muito rígida.

Um tanto desconfiada, pego o colar, abro, e posiciono no meu pescoço, sem fecha-lo.

-- Perfeito, quer que eu feche?

Encaro ele por alguns segundos, claramente confusa, por que alguém que eu acabei de conhecer está me dando um colar?

Acho que demorei demais para responder, porque logo ele diz

-- Você não gostou? – Um pouco apreensivo demais.

-- Não, não é isso, mas... você está me dando o colar?

-- Sim

-- Por que?

-- Por que não daria?

-- Porque não nos conhecemos

-- E daí? Eu achei que ficaria legal em você e quis te dar, você vai aceitar ou não?

Isso foi incrivelmente estranho, mas é um colar muito lindo, então decido aceitar.

  Que mal há, não é mesmo?

-- Fecha pra mim.

Me viro de costas e afasto o cabelo da nuca, ele fecha o fecho do colar.

  Me viro de volta para olhá-lo.

-- Por que você me deu um colar?

Ele revira os olhos como se eu tivesse dito algo idiota

-- O colar era da minha mãe, mas ela nunca mais usou, eu vi e lembrei de você e resolvi te dar, simples

assim – Ele diz com impaciência

Decido não insistir no assunto, não vai levar a nada mesmo.

-- Ok, ok, obrigada então.

-- Porém, se eu ver você sem ele eu vou ficar muito, mas muito chateado

Fica mais esquisito a cada minuto.

-- Se esse é o preço do colar, fique tranquilo, não vai sair do meu pescoço.

-- Ótimo.

-- Meg, está pronta?!

Liz grita do pé da escada, meus pais estão começando a desce-la

-- Preciso ir, mas muito obrigada! — eu disse já me levantando.

-- Ao seu dispor. – Ele diz com sorriso tão bonito que quase me esqueço pra onde estava indo.

  Quase.

  Ele parece ter percebido, pois seu sorriso se junta com uma risadinha enquanto eu esbarro no sofá, caminhando de costas, e quase caio no chão.

  Cairia com prazer se o chão fosse se abrir em um buraco para eu entrar dentro.

A postura dele parece muito mais tranquila agora, e o sorriso parece genuíno.

  Me viro, com a cabeça abaixada para tentar esconder que todo o sangue do meu corpo parece ter uso para meu rosto. Vou até onde Liz está e saímos para jantar.

***

Chegamos no hotel por volta das 22:00, todos morrendo de sono, e vamos direto para o quarto. Tiro a maquiagem e visto um pijama para deitar, terminar o livro e ir dormir.

Me deito com o livro em mãos e começo a ler. Chegando no ultimo capitulo, meus olhos mal param abertos, e quando levanto o olhar para cima do livro, vejo um vulto, como se algo branco passasse correndo em uma velocidade sobre-humana. Instantaneamente me sento na cama.

Olho para todos os lados e não vejo mais nada, estão decido abandonar o livro e dormir o mais rápido possível.

  Me deito, e minutos depois, quando estou pegando no sono, acordo com alguém chamando meu nome em um sussurro.

-- Maria!

Disse o sussurro uma, duas, três, quatro vezes, parecia um sussurro suplicante e sofrido. Sem nem pensar, começo a rezar, e em algum momento, adormeço.

***

São 5 da manhã quando acordo suando de um pesadelo. Nele, três menininhas, que aparentavam ter cerca de 10 anos, usando vestidinhos rodados, eram enforcadas na minha frente no araçazeiro de

Anhatomirim. Vejo o guia que nos levou até lá puxando ainda mais a corda no pescoço delas e dando gargalhadas doentias.

Em seguida, a corda evapora, as crianças caem em pé no chão, dessa vez mais pálidas e sem vida, como zumbis, e começam a queimar e gritar desesperadamente meu nome. Já eu, não consegui me mover para fazer nada.

Ciente de que não vou mais dormir, levanto para tomar um banho e me arrumar para o dia, e prometo a mim mesma que se eu tiver mais uma noite estranha como essa, vou falar com meus pais e procurar um padre.

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