Abri os olhos, envolta em uma escuridão quase sufocante. Meu olhar cortou a penumbra do quarto como uma lâmina afiada, enquanto meus lábios se apertavam num movimento involuntário. Senti minha mandíbula cerrar, cada músculo tenso, cada fibra do meu ser consumida por um turbilhão de emoções. Inspirei profundamente e soltei um suspiro pesado, mas isso não aliviou a sensação de que algo dentro de mim estava se partindo. A noite passada emergiu em minha mente como uma ferida aberta que ainda sangrava.Meus dedos se fecharam em punhos quando me levantei, a raiva correndo em minhas veias como fogo. Acendi a luz do quarto, e ela iluminou a dura realidade ao meu redor. O relógio da cabeceira marcava 5:43 da manhã. Em poucos minutos, eu teria que me vestir, vestir minha máscara e enfrentar mais um dia na empresa. Mais um dia na prisão invisível que eu mesma construí.Meu olhar recaiu sobre a cama. O lado esquerdo estava amassado, um lembrete silencioso de que Otávio havia dormido aqui. Uma ond
— Você deve estar se sentindo confusa.A voz de Alexander ressoa pela sala, calma e controlada, como se estivesse lidando com uma criança perdida em meio ao caos. Eu o encaro, forçando minha atenção a permanecer em sua expressão impassível, quase serena.Confusa? Essa palavra sequer arranhava a superfície do que eu sentia. Eu estava frustrada, tomada por uma raiva silenciosa e perigosa. Meu lado mais obscuro implorava para sair, para tomar o controle.— Estou tentando organizar todas as informações. — Minha resposta vem acompanhada de um sorriso vazio, sem qualquer traço de humor, enquanto cruzo as pernas e mantenho meus olhos fixos nele.Alexander Gambino. Até ontem, ele era apenas o presidente de uma rede hoteleira de luxo, um empresário que controlava o ramo como quem move peças num tabuleiro de xadrez. Otávio era o vice-presidente, e Rodolfo, o irmão que aparecia de vez em quando para um "oi" e nada mais.Mas agora? Agora, o quebra-cabeça revelava algo muito maior. O buraco era mu
— Me conte exatamente o que aconteceu ontem à noite. — O tom autoritário domina, mas há algo escondido que só aumenta minha irritação.Viro-me para encará-lo, observando enquanto ele fecha a porta e cruza os braços, assumindo uma postura de quem espera respostas imediatas.Não é engraçado essa situação?O pensamento percorre minha mente com ironia amarga."Fale enquanto eu permaneço calado."Como se fosse minha obrigação me render às vontades deles.Inspiro fundo, tentando disfarçar o peso desse raciocínio. Mas no final das contas, sei que eles precisam mais de mim do que eu deles. A constatação me dá uma sensação estranha de controle, embora o ambiente ao meu redor grite o contrário.— Acredito que você não precisa saber. — Minha resposta sai curta, carregada de sarcasmo. Eu sabia que isso o irritaria.Ele dá dois passos na minha direção, segurando meus ombros com firmeza, mas não o suficiente para me machucar. Ainda assim, a proximidade é sufocante.— Eu preciso saber, Desirée. Não c
Antes que eu possa protestar, ele segura meu pulso, virando minha mão com força suficiente para me fazer sentir a pulsação que corre sob minha pele. Seus dedos deslizam sobre minha veia, a pressão leve, mas sua intenção é cortante como uma lâmina.— Aqui corre sangue 'Ndrangheta. — Sua voz é um sussurro afiado, mas ainda assim reverbera como um trovão na sala.Em um movimento rápido, ele vira o próprio pulso, exibindo a pele marcada por sua linhagem, como se fosse uma prova irrefutável.— Aqui corre sangue Cosa Nostra. — Ele me encara, os olhos queimando com uma intensidade quase insuportável. — Então, apenas aceite sua realidade.Minha garganta se fecha, uma mistura de raiva e impotência se acumulando dentro de mim, mas não consigo encontrar as palavras. Não há como refutar o que ele diz, não há como fugir da verdade que ele esfrega na minha cara.Meu corpo treme de fúria enquanto me liberto do aperto dele, afastando-me com passos firmes, mas vacilantes.— A única coisa que eu aceito
"Me dê mais alguns dias." Como se eu tivesse escolha, como se realmente pudesse tomar minha própria decisão. Mas, bem, eu não deveria surtar... deveria?Me sento no canto da sala, dando uma última olhada em meu apartamento. A sala e a cozinha conjugada, todas em branco, que antes me traziam paz, agora parecem vazias. O sofá branco e a mesinha de centro dourada, antes elegantes, parecem agora tão insignificantes quanto minha situação. Os quadros; meu e o de Marcela, e os de meu pai espalhados pela sala, me provocam uma frustração melancólica. Mas, no fundo, sei que deixar tudo isso para trás é um passo em direção ao meu destino, e é isso que, de verdade, está me consumindo por dentro.Não sinto vontade de chorar, e, para ser honesta, tenho medo disso. Quem sabe, se o choro viesse, eu conseguiria me livrar dessa sensação que me corrói, que me prende.Já sentiu manchas escuras tomando conta do seu coração? É exatamente isso que sinto agora. Eu estava tentando me convencer de que, vivend
Minha sala está um caos de problemas para resolver, mas a única coisa que consigo pensar é em Desirée.Não é normal agir como ela age. Ou ela realmente não entendeu ainda, ou está fingindo não entender.Jogo a caneta sobre a mesa e desisto de analisar esses documentos. Se continuar assim, vou acabar assinando algo errado, então é melhor recuar. Passo a mão pelos cabelos, frustrado, e pego meu celular para verificar se há alguma mensagem ou ligação. Nada.Releio a mensagem dela de um mês atrás, agradecendo pela sandália, e sorrio internamente. Odeio responder mensagens, por isso não a respondi na época, mas agora me arrependo. Acho que deveria ter começado com ela de outra forma. Mas já foi. Não tem nem um mês que estamos juntos e já virou um caos. E eu não sei como consertar as coisas.Dar conselhos aos outros é tão fácil, mas, quando o furacão está vindo na sua direção, agimos como se não soubéssemos o que fazer.Ouço uma batida na porta. Alexander entra, para minha total surpresa, a
— Não vou discutir esse assunto agora porque tem vários outros na fila para serem resolvidos — ela diz, encerrando qualquer possibilidade de argumentação.Me sento no sofá, levantando suas pernas e as apoiando no meu colo. Minhas mãos encontram suas coxas macias e lisas, traçando um caminho lento e calmo até os joelhos, para depois voltar a subir, em um movimento distraído.— Quais seriam? — pergunto, fingindo desentendimento.— O casamento? — Ela me lança um olhar carregado de ironia.— Minha mãe e Helena virão amanhã para organizar os últimos detalhes.Ela torce os lábios em claro desagrado, mas não diz nada. Sei que ela não está feliz com isso, mas, assim como eu, não tem outra escolha senão obedecer às circunstâncias.— Alguma notícia sobre a morte do meu pai?— Ainda não. — Minto, mais uma vez, adiando a verdade para um futuro incerto. Um dia terei que contar tudo, mas esse dia não será hoje.Desirée suspira antes de falar, sua expressão carregada de determinação.— Quero lhe ped
Entro no carro de Otávio em silêncio.Após o jantar pedi para que ele me deixasse dormir no quarto de hóspedes. Preciso de tempo para refletir melhor sobre nós dois e, com apenas três dias restando, manter um pouco de distância parece ser o melhor.No início, ele não concordou. Mas, ao perceber que eu não cederia às vontades dele, recuou. Isso me trouxe um certo alívio, já que me sinto como uma bomba-relógio prestes a explodir. E, sinceramente, não quero explodir com ele... não agora.Otávio dirige tranquilamente pela rodovia. Depois de cinco minutos, pega uma estrada de chão um pouco esburacada. As árvores altas ao redor trazem uma sensação de liberdade, mas, sabendo para onde estamos indo, não me deixo iludir. Após mais alguns minutos, chegamos a um galpão. A estrutura metálica alta parece abandonada.— Chegamos. — Ele estaciona o carro, e, ao desligá-lo, segura meu pulso.— Não saia de perto de mim. Este lugar não é exatamente um passeio no shopping.Fecho a cara, irritada com seu