Me afasto alguns passos do galpão, sentindo o peso do lugar ficar para trás, e paro diante da área de mata fechada à minha frente. As árvores altas, de troncos robustos, se erguem como sentinelas silenciosas, enquanto o vento suave balança as copas, criando um sussurro constante entre as folhas. O ar aqui parece diferente, mais fresco, mas também carregado de algo inexplicável, quase como se a própria floresta me observasse. O cenário é intimidante e fascinante ao mesmo tempo. A luz que atravessa as brechas entre os galhos forma desenhos irregulares no chão, como se a mata guardasse segredos esperando para serem descobertos. Por um momento, considero o que poderia existir além daquelas árvores, mas algo dentro de mim hesita. Talvez seja a consciência de que a mata, com toda a sua beleza, também pode ser traiçoeira. Dou um passo à frente, minha respiração ficando mais lenta enquanto tento escutar qualquer som além do vento e do ranger das árvores. Mas o que escuto e passos se aproxi
Desde o momento em que Otávio me pegou na faculdade, havia algo diferente nele. Não sei explicar ao certo, mas ele parecia mais leve, até mesmo... feliz. Era intrigante, porque em todo o tempo que o vi pelos corredores da empresa ou em reuniões, nunca o percebi assim. Isso era novo. E fascinante.Assim que chegamos ao meu apartamento, fui direto para o banho enquanto ele ficou no telefone, resolvendo algo que parecia importante. Agora, ao sair, o encontro de costas na minha pequena varanda, olhando o movimento tranquilo da avenida lá embaixo.Fecho a porta do banheiro com cuidado e vou até ele. Ele se vira assim que sente minha presença, e nossos olhares se encontram brevemente antes de eu me posicionar ao seu lado.— Você me parece extremamente contente esta noite — comento, enquanto seguro a barra de ferro pintada de branco, observando o fluxo calmo de carros.Ele ri, balançando a cabeça, como se a ideia fosse absurda.— Contente?— Sim. — Desvio o olhar para ele, percebendo que sua
Meus pensamentos vagueiam para o dia em que vi Desirée pela primeira vez. Ela estava saindo de casa, vestindo uma calça jeans surrada e uma regata lilás. Caminhava apressada, com o rosto carregado por uma expressão que denunciava irritação. Seus cabelos estavam amarrados no alto da cabeça, os pequenos cachos ruivos balançando a cada passo decidido. A certa altura, ela parou, puxou um casaco marrom de dentro da bolsa rosa e o vestiu com pressa. A segui até o ponto de ônibus, onde ela esperou impacientemente até embarcar e desaparecer em seu destino.Durante um mês e meio, foi assim: eu a observando de longe, encantado por suas múltiplas facetas. A vi alegre, triste, contrariada e até chorando. Cada emoção parecia desenhar uma nova camada da mulher que começava a dominar meus pensamentos.Eu a queria, por Deus... como a queria!Quando finalmente consegui trazê-la para perto de mim, pensei que seria minha vitória, mas foi minha derrota. Porque agora, ao invés de apenas vê-la, eu podia se
— Você é um pecado vivo, Otávio, — sua respiração ainda está descompassada, os olhos fechados enquanto tenta recuperar o controle sobre si mesma.Suas palavras me fazem sorrir, mas é o que vem em seguida que realmente me atinge.— Eu também te desejo, — ela continua, abrindo os olhos devagar.Imediatamente, paro tudo que estou fazendo. Quero que ela saiba que tem toda a minha atenção. Meu olhar se fixa no dela, sem perder nada do que está por vir.— E isso... — ela sussurra, sua voz carregada de algo entre medo e certeza. — Me assusta.Sorrio, reconhecendo exatamente o que ela está sentindo. Há algo profundamente gratificante em vê-la tão vulnerável e, ao mesmo tempo, tão corajosa em admitir o que começa a sentir por mim.— Assusta? — sussurro enquanto me inclino, apoiando uma das mãos no colchão para beijar sua testa suavemente. — Mas o que é o desejo, se não um pouco de caos que nos lembra que estamos vivos?Minha respiração pesa quando sinto o contato de seu corpo com o meu, o calo
Me concentro no notebook, tentando ignorar os burburinhos ao redor da mesa. Estou na sala de reuniões da empresa, prestes a surtar de nervoso.Depois da noite maravilhosa que tive, era óbvio que o dia teria que vir carregado de problemas.Tudo começou com ligações não atendidas de Tatiane e Melissa, seguidas por uma mensagem de Marcela dizendo que, finalmente, tomou coragem para contar a verdade ao namorado — e ele, claro, não aceitou bem. Mal posso esperar para que esse dia termine e eu possa estar com ela. Mas o pior ainda está por vir: como eu e ela vamos contar isso ao Saulo? Aquela besta ambulante vai nos dar dor de cabeça por semanas.— O orçamento foi fechado com o buffet, mas deveríamos ressaltar algo na decoração. Levanto a cabeça de imediato quando Tatiane faz essa observação. Meus olhos se movem rapidamente, capturando o sorriso de canto de Melissa antes de se fixarem em Helena Gambino, que está no topo da mesa.Seu cabelo preto e longo está preso em um rabo de cavalo impe
Os olhos inchados de Marcela são a primeira coisa que noto ao encarar seu rosto. É impossível ignorar o peso do cansaço e da tristeza estampados em cada detalhe de sua expressão. Ela abre a porta devagar, evitando qualquer contato visual, e logo se afasta, como se desejasse desaparecer na própria sombra. Fecho a porta atrás de mim e a sigo em silêncio pelo pequeno corredor que leva à sala do seu apartamento. O ambiente está escuro, abafado, como se refletisse exatamente o que ela sente por dentro. Não há música, não há televisão ligada, apenas um silêncio que quase grita. Marcela para no meio da sala, de costas para mim, os braços caídos ao lado do corpo. Tudo nela parece gritar por ajuda, mesmo que sua postura tente transmitir indiferença. Eu hesito por um momento, tentando escolher as palavras certas, mas tudo o que consigo fazer é esperar que ela quebre o silêncio primeiro. — Ele não quer mais me ver — Marcela diz, a voz embargada, antes de soltar um riso fraco, sem vida, e se d
Saí do apartamento de Marcela com a cabeça fervilhando de pensamentos. Graças aos céus, as últimas aulas do dia foram vagas, me permitindo sair mais cedo. Caminho até o portão, ponderando se deveria ou não ligar para Otávio. Antes de ficarmos noivos, eu ia para casa de ônibus, então não vejo problema em fazer isso agora. Cerca de dez minutos depois, embarco no ônibus. O trajeto até meu prédio é tranquilo, mas minha mente não para. As palavras de Marcela continuam ecoando em meus pensamentos, alimentando meu medo por ela. Tento encontrar alguma solução alternativa para o seu dilema, mas nenhuma parece suficientemente boa. Por mais que eu queira resolver isso à minha maneira, sei que devo respeitar os desejos dela. Desço na entrada do prédio e caminho para dentro, os sapatos ecoando levemente no piso do saguão vazio. Subo até o meu apartamento, destranco a porta e a empurro com um suspiro pesado, girando-a para fechá-la. Encosto a cabeça na madeira fria, batendo-a de leve contra a s
Rodolfo está imerso na tela do computador, seu foco absoluto enquanto seus dedos dançam sobre o teclado. Cada clique é preciso, como se ele soubesse exatamente onde cada linha de código se encaixa. O ambiente ao redor parece desaparecer enquanto ele penetra nos sistemas de segurança do governo com uma habilidade inusitada, mas extremamente eficaz.Eu observo, quase hipnotizada, os milhares de códigos subindo na tela, a velocidade com que ele navega pelas camadas complexas do sistema. O que para a maioria pareceria um emaranhado de números e letras sem sentido, para ele, é uma paisagem familiar, onde cada sequência tem um propósito claro. As linhas vão e voltam, desaparecem e surgem novamente, como uma dança de dados.Rodolfo não pisca, seus olhos fixos na tela, a tensão de um hacker em seu habitat natural. Ele parece estar captando tudo ao mesmo tempo, decodificando informações, encontrando brechas, explorando o sistema sem hesitação. — Consegui — diz ele finalmente, sua voz baixa, m