Saí do apartamento de Marcela com a cabeça fervilhando de pensamentos. Graças aos céus, as últimas aulas do dia foram vagas, me permitindo sair mais cedo. Caminho até o portão, ponderando se deveria ou não ligar para Otávio. Antes de ficarmos noivos, eu ia para casa de ônibus, então não vejo problema em fazer isso agora. Cerca de dez minutos depois, embarco no ônibus. O trajeto até meu prédio é tranquilo, mas minha mente não para. As palavras de Marcela continuam ecoando em meus pensamentos, alimentando meu medo por ela. Tento encontrar alguma solução alternativa para o seu dilema, mas nenhuma parece suficientemente boa. Por mais que eu queira resolver isso à minha maneira, sei que devo respeitar os desejos dela. Desço na entrada do prédio e caminho para dentro, os sapatos ecoando levemente no piso do saguão vazio. Subo até o meu apartamento, destranco a porta e a empurro com um suspiro pesado, girando-a para fechá-la. Encosto a cabeça na madeira fria, batendo-a de leve contra a s
Rodolfo está imerso na tela do computador, seu foco absoluto enquanto seus dedos dançam sobre o teclado. Cada clique é preciso, como se ele soubesse exatamente onde cada linha de código se encaixa. O ambiente ao redor parece desaparecer enquanto ele penetra nos sistemas de segurança do governo com uma habilidade inusitada, mas extremamente eficaz.Eu observo, quase hipnotizada, os milhares de códigos subindo na tela, a velocidade com que ele navega pelas camadas complexas do sistema. O que para a maioria pareceria um emaranhado de números e letras sem sentido, para ele, é uma paisagem familiar, onde cada sequência tem um propósito claro. As linhas vão e voltam, desaparecem e surgem novamente, como uma dança de dados.Rodolfo não pisca, seus olhos fixos na tela, a tensão de um hacker em seu habitat natural. Ele parece estar captando tudo ao mesmo tempo, decodificando informações, encontrando brechas, explorando o sistema sem hesitação. — Consegui — diz ele finalmente, sua voz baixa, m
Já bati à porta do apartamento de Desirée mais vezes do que consigo contar, e nada. Silêncio absoluto, como se ela não estivesse em casa. Mas eu sei que está. Sinto isso.Estou a ponto de derrubar a porta quando, finalmente, ela se abre.Desirée surge diante de mim, vestindo um moletom largo e com o cabelo preso de qualquer jeito, como se tivesse acabado de levantar ou nem ao menos se importado em se arrumar. Seus olhos estão vermelhos, o que me faz congel@r por um instante.— Para de bater. — Sua voz sai baixa, quase um sussurro, mas carrega um cansaço que eu nunca vi nela antes.— Por que não abriu antes? — Minha pergunta sai mais ríspida do que eu pretendia, mas ver seu estado me faz perder o controle.Ela não responde de imediato. Apenas cruza os braços e desvia o olhar, como se estivesse reunindo forças para me enfrentar.— Eu não estava te esperando.— Não queria me ver? — Pergunto, incrédulo, entrando no apartamento sem pedir permissão. Ela dá um passo para trás, surpresa com m
Eu a observo dormir enquanto organizo meus pensamentos. Suas palavras e reações ainda não saem da minha mente. Embora eu esperasse uma explosão maior da parte dela, a forma como lidou com tudo me surpreendeu. Entretanto, o possível silêncio dela é mais pesado do que qualquer grito, e me diz mais do que ela poderia admitir em voz alta.Desirée nunca me pareceu previsível, e talvez seja isso que me mantém tão preso a ela: a incerteza de seus próximos passos, a força que ela carrega mesmo nos momentos de fraqueza. Enquanto ela descansa, me pergunto até onde essa batalha irá nos levar. E, pior ainda, se eu estou realmente preparado para o que virá.Agora, resta apenas esperar que ela acorde para conversarmos sobre o que exatamente Giovanni disse. Eu sei que foi ele. Nada me tira da cabeça que aquele desgraçado encontrou um jeito de se aproximar, mesmo com a vigilância redobrada. Embora William não tenha visto nada, isso não impede que Giovanni tenha agido nas sombras.Desirée vai ter que
Abri os olhos, envolta em uma escuridão quase sufocante. Meu olhar cortou a penumbra do quarto como uma lâmina afiada, enquanto meus lábios se apertavam num movimento involuntário. Senti minha mandíbula cerrar, cada músculo tenso, cada fibra do meu ser consumida por um turbilhão de emoções. Inspirei profundamente e soltei um suspiro pesado, mas isso não aliviou a sensação de que algo dentro de mim estava se partindo. A noite passada emergiu em minha mente como uma ferida aberta que ainda sangrava.Meus dedos se fecharam em punhos quando me levantei, a raiva correndo em minhas veias como fogo. Acendi a luz do quarto, e ela iluminou a dura realidade ao meu redor. O relógio da cabeceira marcava 5:43 da manhã. Em poucos minutos, eu teria que me vestir, vestir minha máscara e enfrentar mais um dia na empresa. Mais um dia na prisão invisível que eu mesma construí.Meu olhar recaiu sobre a cama. O lado esquerdo estava amassado, um lembrete silencioso de que Otávio havia dormido aqui. Uma ond
— Você deve estar se sentindo confusa.A voz de Alexander ressoa pela sala, calma e controlada, como se estivesse lidando com uma criança perdida em meio ao caos. Eu o encaro, forçando minha atenção a permanecer em sua expressão impassível, quase serena.Confusa? Essa palavra sequer arranhava a superfície do que eu sentia. Eu estava frustrada, tomada por uma raiva silenciosa e perigosa. Meu lado mais obscuro implorava para sair, para tomar o controle.— Estou tentando organizar todas as informações. — Minha resposta vem acompanhada de um sorriso vazio, sem qualquer traço de humor, enquanto cruzo as pernas e mantenho meus olhos fixos nele.Alexander Gambino. Até ontem, ele era apenas o presidente de uma rede hoteleira de luxo, um empresário que controlava o ramo como quem move peças num tabuleiro de xadrez. Otávio era o vice-presidente, e Rodolfo, o irmão que aparecia de vez em quando para um "oi" e nada mais.Mas agora? Agora, o quebra-cabeça revelava algo muito maior. O buraco era mu
— Me conte exatamente o que aconteceu ontem à noite. — O tom autoritário domina, mas há algo escondido que só aumenta minha irritação.Viro-me para encará-lo, observando enquanto ele fecha a porta e cruza os braços, assumindo uma postura de quem espera respostas imediatas.Não é engraçado essa situação?O pensamento percorre minha mente com ironia amarga."Fale enquanto eu permaneço calado."Como se fosse minha obrigação me render às vontades deles.Inspiro fundo, tentando disfarçar o peso desse raciocínio. Mas no final das contas, sei que eles precisam mais de mim do que eu deles. A constatação me dá uma sensação estranha de controle, embora o ambiente ao meu redor grite o contrário.— Acredito que você não precisa saber. — Minha resposta sai curta, carregada de sarcasmo. Eu sabia que isso o irritaria.Ele dá dois passos na minha direção, segurando meus ombros com firmeza, mas não o suficiente para me machucar. Ainda assim, a proximidade é sufocante.— Eu preciso saber, Desirée. Não c
Antes que eu possa protestar, ele segura meu pulso, virando minha mão com força suficiente para me fazer sentir a pulsação que corre sob minha pele. Seus dedos deslizam sobre minha veia, a pressão leve, mas sua intenção é cortante como uma lâmina.— Aqui corre sangue 'Ndrangheta. — Sua voz é um sussurro afiado, mas ainda assim reverbera como um trovão na sala.Em um movimento rápido, ele vira o próprio pulso, exibindo a pele marcada por sua linhagem, como se fosse uma prova irrefutável.— Aqui corre sangue Cosa Nostra. — Ele me encara, os olhos queimando com uma intensidade quase insuportável. — Então, apenas aceite sua realidade.Minha garganta se fecha, uma mistura de raiva e impotência se acumulando dentro de mim, mas não consigo encontrar as palavras. Não há como refutar o que ele diz, não há como fugir da verdade que ele esfrega na minha cara.Meu corpo treme de fúria enquanto me liberto do aperto dele, afastando-me com passos firmes, mas vacilantes.— A única coisa que eu aceito