Eu me encontrava em um lugar estranho, mas surpreendentemente reconfortante. No início, parecia um refúgio, um pequeno canto isolado onde tudo era simples e calmo. Cada manhã, eu acordava em uma cabana de madeira, cercado por uma mata densa, o cheiro da terra molhada no ar, o som dos pássaros, o frescor da manhã. Havia uma paz ali, algo que me fazia sentir em casa, como se eu estivesse em um lugar onde nada pudesse me atingir.Mas com o passar dos dias, algo não se encaixava. Havia sempre uma sensação de vazio, um espaço aberto dentro de mim, como se estivesse faltando uma peça do quebra-cabeça. Todos os dias, eu sentia como se algo importante estivesse fora do meu alcance. A perda, essa sensação, era cortante. Era como se eu estivesse o tempo todo à beira de encontrar algo fundamental, mas nunca chegava lá. Algo faltava. Algo que me consumia.Será que estou maluco?Me pegava pensando às vezes. Eu me perdia em meus próprios pensamentos, sem saber o que estava acontecendo. Mas, por ma
Depois de algumas horas sendo avaliado e mal conseguindo responder algumas perguntas, finalmente vejo dois rostos familiares. Alexandre e Rodolfo entram, e a primeira coisa que percebo é que não são só os médicos que estão exaustos. — Eu juro por Deus que, se tu tivesse morrido, eu ia no inferno e te batia. – Rodolfo fala assim que se aproxima. Bem, essa é a maneira do meu irmão mostrar que sentiu minha falta. — Fala menos. – Alexander o adverte, com um tom de autoridade. — O que? Você também estava preocupado. – Rodolfo provoca. — Eu estava. – Ele me olha com seriedade. – Como se sente? Eu respiro fundo para tentar responder, mas as palavras não saem corretamente, por mais que eu me esforce. Tenho tantas perguntas, mas as engulo, como o médico me instruiu. Ele disse para eu não me esforçar muito, que isso ajudaria na minha recuperação. Tento obedecer, porque o que eu mais quero agora é sair dessa inteiro. — Bem... – a palavra sai arrastada, mas é a única que consigo dizer. Al
— Encerramos mais um ciclo com excelência. O senhor teve uma melhora significativa e rápida; pelo estado em que estava, levaria mais tempo, — disse o médico.Era o que Rodolfo e os médicos me diziam. Eles falavam que em dois a quatro anos eu me recuperaria, mas eu não tinha esse tempo. Uma vida me aguardava lá fora, e quem sabe a mulher que amei ainda me esperava também.— Estou livre disso tudo, — eu disse, tentando encerrar a conversa.— Não exatamente. É bom fazer exames regularmente, mas, no geral, alcançamos o resultado desejado.Me levantei apertando a mão do médico que me acompanhou durante todo esse ano. Sentia um misto de gratidão e frustração, mas sabia que tudo aquilo era necessário.— Obrigado pelo seu trabalho.— Eu que agradeço, Senhor Gambino.Saí do hospital, colocando uma máscara e um boné, como sempre fazia quando precisava sair. Eu estava acostumado com isso, esse disfarce que me tornava invisível. A cada passo que dava, sentia um peso ainda maior, não pela dificuld
Quando chegamos ao meu apartamento, entreguei as últimas informações para Alexander, certificando-me de que nada ficaria para trás. Troquei a senha do notebook e passei toda a papelada que havia acumulado no meu escritório — registros da máfia, documentos que, se caíssem nas mãos erradas, seriam uma sentença de morte para qualquer um de nós.Alexander, sentado diante de mim, analisava cada arquivo com atenção.— Estava pensando em algo há algum tempo, mas não queria te incomodar com o assunto. — O observei fechar uma das pastas, lacrando-a com o olhar antes de colocá-la na mala que ele levaria para queimar.— Só diga. — O avaliei com cuidado.Ele hesitou por um momento, mas acabou perguntando:— A moça do vídeo… ela parece com Milena.— Não tenho certeza, mas no fundo espero que não. — Meu estômago revirou ao lembrar daquele vídeo repulsivo, a mulher sendo tocada por todos aqueles homens. Tentei afastar a imagem da mente, mas a dúvida permanecia. — Se Ren tivesse confirmado…— Nenhum
Entrei no quarto que estava hospedado na casa de Alexander e, imediatamente, liguei meu celular, sentindo um peso crescente no peito. Me afastei para o banheiro, precisava de um banho. Meus dedos, quase instintivamente, foram para o bolso da calça, pegando a aliança que Desirée havia deixado. Olhei para o objeto, sentindo a frieza do metal, como se aquele simples gesto fosse a última conexão entre nós. Eu não sabia como ela estaria agora, o que teria acontecido desde a última vez que nos vimos. Algo me dizia que o tempo e as circunstâncias poderiam tê-la mudado, e a ideia de encontrá-la, sabendo que ela ainda podia estar magoada, apertava meu peito.Ao me encarar no espelho, não pude evitar focar na cicatriz no meu rosto, uma lembrança do que aconteceu, do que já não poderia ser apagado. A barba, que havia crescido para tentar encobrir, não fazia um grande trabalho — ainda havia um pequeno vestígio da cicatriz, um leve traço de algo que eu queria esquecer, mas que nunca sairia de mim.
Eu continuei lendo suas mensagens. Algumas me arrancavam sorrisos, outras me deixavam intrigado, mas a maioria fazia meu coração tremer. Ela não estava bem, e o medo de que pudesse cometer uma besteira se apoderava de mim.Desirée:Hoje, a vista do campo estava linda, mas o que mais me faltou foi sua presença. Eu me peguei pensando que, se você estivesse aqui, a gente ia passar horas conversando sobre como melhorar a colheita ou como lidar com os animais. Eu gostaria de ouvir sua voz, Otávio. Fico imaginando como seria bom dividir tudo isso com você.Desirée:Otávio, hoje eu me perguntei qual é o remédio para curar a alma... Eu não sei a resposta, mas talvez ele esteja nos sonhos. Já que, todas as noites, você aparece para mim, sempre da mesma forma, e eu fico aqui, tentando entender o que isso significa. O mais curioso é que, nos meus sonhos, eu te sinto tão perto, como se você estivesse aqui, com aquele toque familiar, aquele jeito que só você tinha de me acalmar. Mas, no momento e
Saio do banheiro e vejo Íris em pé no berço, suas mãozinhas delicadas agarradas à grade de madeira. Quando ela me vê, abre um sorriso perfeito, mesmo sem dentes. Ela começa a bater as mãos no berço, em um gesto animado que a faz balançar os cachinhos ruivos, rindo e estendendo os bracinhos para mim.Minha filha é uma mini versão de mim mesma, mas seus olhos... Ah, os olhos são verdes como os de Otávio. Acho que amava tanto o olhar dele que Íris nasceu com o mesmo brilho.— Você acordou cedo hoje. — Caminho até ela, enquanto ela balança o corpinho tentando se levantar ainda mais. Assim que a pego no colo, ela pronuncia um “mamãe” doce e meio desajeitado, que faz meu coração derreter. — Vamos, minha pequena, se preparar para começar o dia.Depois de dar a ela um banho gostoso, onde ela ria ao chutar a água e brincava tentando pegar a espuma, descemos para tomar o café da manhã. Os dias na fazenda têm sido intensos, mas satisfatórios. Eu prefiro a parte administrativa, lidando com planil
— Senhora. — Colton, responsável pela segurança da fazenda, entra no estábulo. Há tensão evidente em seu rosto, as sobrancelhas franzidas. Pego Íris no colo, já imaginando o pior.— Fale.Ele respira fundo antes de continuar:— Tem um carro de aplicativo parado na porteira. Não o deixamos entrar, mas o passageiro está procurando pela senhora. Mandei um grupo de homens para vigiar a situação. Estamos aguardando suas ordens.Minha mente trabalha rápido. Sei que não é alguém familiar, já que Giovanni fez questão de construir uma pista de pouso nos fundos da fazenda para garantir que visitas chegassem diretamente por ali, evitando olhares curiosos.Então, quem poderia ser? Meu coração dispara. Só pode ser Rodolfo... ou Alexander. Bem, não é como se eu pudesse fugir deles para sempre. Sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria que enfrentá-los, não apenas pelo passado, mas também por Íris. A família de Otávio merece saber da existência dela. Talvez hoje seja o dia.— Ligue para Zenaide. Peç