CAPÍTULO 1

Gabriel Oliveira tinha sido dispensado de mais um trabalho. Não sabia, de verdade, o que havia de errado com ele. Certamente, não era sua aparência, porque ele jamais havia tido problemas com isso. Ao contrário, as mulheres sempre suspiravam a sua volta e elogiavam as sardas, as covinhas, o sorrisinho meio de lado, a carinha de menino, mesmo aos 27 anos. Os elogios vinham tanto das mulheres mais velhas, amigas de sua mãe, Carol, quanto das garotas de sua idade, e até das mais novas, algumas amigas de seu irmão mais novo, que tinha acabado de completar 18.

Então, não. Definitivamente, não se tratava de não ser bonito o bastante para os papéis. Talvez a dança, ou melhor, a falta de habilidade para ela? Sim, definitivamente devia ser a dança. Mas algumas peças para as quais ele tinha feito teste não tinham dança, não eram musicais. E nesses casos? Qual era o problema?

Foi muito irritado que ele foi encontrar um colega seu de faculdade, chamado Leandro Mateu. Quando os dois estudavam na Escola de Drama de NY não se davam muito bem, mas no final da faculdade, quando o rapaz resolveu sair do armário, deixando uma porção de garotas desoladas, Gabriel foi um dos poucos que o apoiou. Incrivelmente, mesmo naquele meio onde deveria ser respeitada a diversidade, aparentemente Leandro não tinha o direito de se revelar homossexual, porque era esperado dele que fosse o galã e a fachada era vista como necessária por alguns diretores com quem eles iriam trabalhar.

O jovem ator desempregado adentrou o restaurante e logo viu Leandro sentado, recebendo um aceno e um sorriso simpático do amigo. Pode-se dizer que, agora, eram amigos, ainda que não passassem muito tempo juntos, porque seus interesses em comum eram bem poucos, ou talvez só mesmo um, que era o teatro. Eram amigos porque podiam contar um com o outro e Leandro sabia da situação atual de Gabriel, e parecia querer ajudar. Gabriel tinha que arrumar um emprego que pagasse razoavelmente! Era isso ou voltar para Lima, para a casa dos pais.

Oliveira caminhou até a mesa em que Leandro o aguardava, percebendo, então, que o outro não estava sozinho. Havia uma mulher com ele, que foi imediatamente apresentada, e se chamava Viviam. Um belo nome, para uma bela mulher! Uma linda jovem, mais ou menos da idade deles. Ela tinha uma beleza exótica, não convencional, mas inegável. Seus cabelos longos tinham tanto brilho! Seus olhos eram grandes e adornados por cílios super longos, sua boca era carnuda, seu sorriso largo, espontâneo.

Gabriel sentou-se ao lado de Leandro, tentando ouvir o amigo, que falava alguma coisa sobre fazer muito tempo que não se viam, contava alguma fofoca sobre algum colega de ambos, nada realmente importante. Não conseguia tirar os olhos da garota sentada em frente a eles, mas ela parecia completamente alheia aos dois, folheando uma revista. Depois seu semblante foi se tornando um tanto quanto impaciente, até que ela trocou um olhar com Leandro e ele parou de falar sem parar, limpando a garganta, para introduzir o assunto que os tinha levado até ali.

“Gabriel, te chamei aqui porque minha amiga Viviam tem uma proposta de trabalho pra você.”

“Cara, jura?” Disse, olhando para ela. Além de linda ela ainda tinha um papel para ele? Ela era um anjo ou o quê?

“É um trabalho diferente. Você tem que escutar com total atenção porque há uma série de questões que precisam ser observadas nesse negócio.” A voz dela era linda também, mas o tom era um tanto autoritário e ele já começava a não gostar disso.

Na noite do dia em que o testamento de Rachel havia sido aberto, Viviam pensara em várias soluções para o problema, consultara alguns amigos advogados, não dormira, pensando naquele dinheiro todo imobilizado, sem que ela pudesse tirar qualquer proveito dele.

Durante a madrugada chegou a uma única conclusão: tinha que se casar. E se casar rápido! Mas não é que ela tivesse alguém em vista. Sequer tinha admiradores! Fatalmente, se ficassem sabendo que ela estaria rica no momento do sim, muitos resolveriam cortejá-la, mas ela não queria um marido que só estivesse pensando no dinheiro dela e do qual ela fosse ter dificuldades imensas para se livrar depois. Ou alguém que achasse que tinha direitos de marido.

Se era para ser por interesse, que fosse um interesse declarado! Ela pagaria para alguém assinar os papéis e fingir a união, assim todos os termos da negociação ficariam totalmente claros para ambos.

“Você entendeu?” Terminou Viviam, que explicara toda a história e fizera um apanhado geral das cláusulas que constariam do contrato que iriam assinar.

“Por que você precisa que o cara more com você?” Gabriel estava curioso.

“Porque não basta o casamento civil. O testamento é muito claro, tem que ser um casamento de verdade. Se alguém testemunhar que eu só me casei por causa da herança e sequer vivo com meu marido, eu tenho que devolver tudo. E meus pais levam muito a sério a última vontade da minha tia, eles mesmos testemunhariam.”

“Eu não sei... Eu tenho que pensar. Não me leve a mal, mas é uma decisão complicada. Depois disso, eu vou ser um cara divorciado e, até o tal divórcio...”

“... Daqui a um ano... É o tempo que eu tenho que ficar casada.”

“... Até lá, eu vou ter que conviver com você e... Eu nem conheço você, como eu posso saber se você não é chata? Ou maluca? Ou... sei lá! Vai que eu assino esse contrato e não suporto conviver com você... Eu nem tenho dinheiro pra pagar a multa!”

Ela ficou um tanto ofendida com as palavras dele. Só porque ele era alto, lindo, forte, charmoso, uma total perdição, ele achava que podia dizer essas coisas? Mas, no fundo, pensando bem, ele tinha razão. Ambos iriam arriscar bastante. Se assinassem o contrato, teriam que passar um ano na mesma casa e agindo como marido e mulher na frente das pessoas. Se eles se detestassem, teriam que conviver do mesmo jeito.

A diferença é que ele ia arriscar para receber uma quantia que era boa, que iria ajudá-lo muito, mas não o deixaria rico. No caso dela, uma grande fortuna estava em jogo e ela não tinha outra solução para recebê-la.

“Você tem uma semana pra me dar uma resposta, ok? Pega meus contatos com o Leandro, eu to atrasada.”

Depois de dar um beijo no rosto de Leandro, ela saiu, deixando um Gabriel extremamente pensativo.

Afinal, do que ele tinha mais medo quando pensava em aceitar? De que ela fosse uma grande chata, com quem seria complicado conviver? Ou de que ela fosse tão interessante quanto parecia, e passar um tempo com ela fosse representar um grande risco de querer muito mais do que ele iria ter?

“Você tem certeza, Gabriel? É um bom dinheiro!” Leandro insistia, pela terceira e última vez, tomando um gole da cerveja que o amigo lhe tinha oferecido.

“Cara, é uma roubada esse negócio! Essa sua amiga... Vamos ser realistas? Se não houvesse nada de errado com ela, ela teria um namorado e tal... Não precisaria contratar um cara pra casar com ela. Eu não posso me arriscar a assinar um contrato e pagar pra ver qual é o problema dela, porque tem uma multa que é quase do valor do meu carro se eu não cumprir todos os termos durante um ano. Doze desgraçados meses!”

“Eu entendo. E nem adianta eu te dizer que a Viviam é a garota mais sensacional que eu conheço e que eu só não me caso com ela, eu mesmo, porque eu sou gay. Você vai dizer que é porque eu sou amigo, mesmo.”

Gabriel apenas riu. Não diria a Leandro, nem sob tortura, que a possibilidade de que ela fosse sensacional tinha pesado bem mais em sua decisão do que a ideia de que ela pudesse ser chata. Se ela fosse um grande pé no saco, seria simples ele ficar na dele, evitar a convivência com ela e só ficar perto dela em público.

Por mais linda que fosse uma garota, se ela fosse burrinha, enjoadinha, fresquinha, Gabriel perdia o interesse por ela em dois tempos. No máximo, acontecia uma transa e olhe lá! Claire Reynolds tinha provado isso por A mais B. Com toda a beleza, charme e sensualidade da jovem modelo, o ar de superioridade e a necessidade de que tudo fosse sempre do jeito dela fizeram com que eles não saíssem mais do que três vezes.

Por outro lado, se uma mulher fosse inteligente, tivesse senso de humor, cultura, um bom coração, soubesse conversar, fosse uma boa amiga, sua beleza se multiplicava por mil aos olhos dele. Já tinha achado Viviam linda demais, então, se ela fosse uma pessoa sensacional como Leandro falava, iria ficar ainda mais atraente, o que tornaria imensamente complicado viver sob o mesmo teto que ela e manter os termos do contrato.

“Tenho que falar contigo, cara.” Disse o amigo que dividia o apartamento com Gabriel, sem nem ao menos cumprimentar o próprio ou Leandro.

“Manda, Felipo...”

“Você sabe que eu sou seu brother, Gabriel, mas eu não tenho mais como segurar a onda. Eu paguei sozinho os últimos três meses de aluguel. Você precisa voltar a pagar, cara! E precisa me dar a grana desses meses também, porque eu tirei das aplicações e a velha já descobriu e tá enchendo o meu saco!”

“Você sabe que eu não to conseguindo nenhum trabalho...”

“Eu sei, bro, mas eu fiz o que deu...” Disse, enquanto cumprimentava Leandro com uma espécie de tapinha nas costas e aperto de mão.

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