CAPÍTULO 6

Era uma noite de sábado. Gabriel e Viviam estavam na primeira festa a qual tinham resolvido ir juntos desde o casamento. Era aniversário de uma amiga de infância de Viviam, ou melhor, de uma antiga vizinha com quem ela não se dava tão bem assim, mas que, talvez justamente por isso, ela queria que a visse em tão boa fase.

Sim, boa fase! Afinal, agora que tinha dinheiro, Viviam dormia melhor, se alimentava melhor, se exercitava mais, tinha maiores cuidados com sua aparência, se vestia com mais bom gosto. Isso sem contar a presença de alguém alto, forte, bonito, cheiroso e com um sorriso fantástico, que Serena Lopez nunca saberia não ser seu príncipe encantado de verdade.

Isso sem contar que Gabriel estava no melhor dos humores e aceitava fazer tudo que Viviam pedia, o que ela atribuía ao fato de ele ter, finalmente, conseguido um trabalho em uma peça de bom nível, ainda que Off- Broadway, tendo contado, para isso, com a ajuda dela.

Não deixava de haver alguma razão no pensamento dela. Ele estava mesmo feliz por já estar, inclusive, ensaiando para o musical. Estava também grato, é claro. No entanto, a razão real para fazer tudo que ela pedia era o desejo de estar perto dela, mesmo que fosse como amigo ou para fazer apenas figuração a seu lado.

Depois do abraço que eles tinham trocado, quando ele chegara à casa dos dois com a boa notícia, ele tinha certeza de que era só uma questão de tempo, ou melhor, de encontrar uma boa oportunidade, para que ela deixasse de resistir ao desejo que (ele tinha certeza) ela também sentia.

Era para ter sido somente um abraço entre amigos, mas os dois acabaram ficando mais tempo do que o normal um nos braços do outro. Por que iriam querer se separar rapidamente se havia um encaixe tão perfeito entre seus corpos, se pareciam pertencer ao lugar onde estavam, se sentiam tamanho conforto?

Dessa vez, tinha sido ele quem escolhera disfarçar o clima, por hora. Ao se separarem, finalmente, usara a desculpa de querer dar a notícia à família para deixá-la na sala e ir telefonar na varanda. Não queria estragar a própria noite, tendo que ver, mais uma vez, ela evitá-lo, como se fosse alguma praga.

Mal sabia ele que, dessa vez, ela não teria conseguido resistir. Estava completamente entregue ao abraço, hipnotizada pelo perfume dele, balançada pela emoção da conquista de que sabia ter participado.

Então foi grata por ele ter tido juízo pelos dois, naquela noite, e por ele estar se comportando, desde então, como o melhor dos amigos, que Viviam reuniu coragem para convidá-lo para a festa em que estavam agora. Os dois chegaram de mãos dadas e ocuparam uma mesa de canto, sendo acompanhados, pouco mais de meia hora depois, por Samantha e George, com quem ficaram conversando.

George era colega de trabalho de Samantha e tinha passado a dividir apartamento com ela depois da mudança de Viviam. Entretanto, algo dizia a ela que os dois tinham sentimentos um pelo outro e a garota torcia para que sim, pois sua amiga, assim como ela, não tinha um relacionamento havia um bom tempo.

Excepcionando apenas a entrada no local da festa de mãos dadas, o Sr. e a Sra. Oliveira agiam como amigos até aquele momento, e, infelizmente, esse fato não tinha passado despercebido aos olhos de algumas pessoas mais observadoras.

“Vivi, acabei de voltar do banheiro e você não vai gostar do que eu tenho pra dizer.” Disse Samy, sentando-se novamente à mesa ocupada pelo casal.

“O que foi?”

“Serena tava comentando que seu marido aí é um gato... Mas que vocês dois não parecem um casal que não tem nem seis meses de casado. A Marita concordou... Disse que vocês dois só conversam.. E a Olga disse achar que nosso gigante aí tá dando golpe do baú”.

Todos riram, mas Samantha voltou a mostrar uma expressão preocupada, em seguida.

“Mas o que me preocupou mesmo foi que a Tina tinha acabado de chegar à festa e entrou no banheiro no meio do papo... E ela falou que vai observar, Vivi.”

“A Tina?”

“Eu acho melhor vocês aproveitarem que vão ficar sozinhos e fazerem alguma coisa...” Terminou a amiga, saindo e indo ao encontro de George, que estava pegando bebidas.

“Quem é Tina?” Gabriel percebeu a apreensão no semblante de Viviam.

“A Tina também nasceu e cresceu na mesma vizinhança que eu, Samy, Serena, e as outras idiotas que estavam fofocando sobre a minha vida no banheiro.” Indignou-se. “Mas a Tina é a única que me preocupa. Ela é secretária do meu pai Jensen, no escritório de advocacia em que ele trabalha.”

Os dois se olharam e ela sorriu, sem graça, tentando transmitir, com o olhar, que iria precisar contar com ele, naquele momento, para fazer o relacionamento dos dois parecer autêntico. Ele, por sua vez, sorriu satisfeito. Talvez fosse esse o momento que ele vinha esperando.

“Parece, Sra. Oliveira, que se eu beijar você agora, você não vai poder me empurrar, nem sair correndo, porque não seria a atitude de uma boa esposa.” Disse, aproximando-se dela e acariciando seu rosto.

“Gabriel, é pra você fingir. Você é um ator. Não é pra você aproveitar e...”

A frase ficou pelo meio, porque ele colou seus lábios nos dela, deslizando a mão que estava em seu rosto pelos cabelos, até a nuca, segurando-a ali, para aprofundar o beijo. A outra mão dele segurou uma das mãos dela, que estavam repousadas no colo. Eles trocaram alguns beijos assim, só com os lábios entreabertos, se tocando, se puxando, delicadamente.

“Você é linda! Eu não posso fingir beijar você, quando tudo que eu quero é beijar você.”

“Mas, Gabriel...”

“Se você não vai poder lutar contra, por que você não aproveita?” Sugeriu, olhando fundo nos olhos dela, já muito perto de beijá-la de novo e acariciando seus cabelos.

Ele a viu fechar os olhos e se entregar aos afagos dele. Beijou seus lábios de novo, como antes, mas logo suas bocas se abriram mais e suas línguas se encontraram, brincando uma com a outra, com naturalidade. Ela segurou um dos braços dele e alisou seu pescoço. Ele continuou segurando-a pelos cabelos próximos à nuca e, com a outra mão, apertou a cintura dela, sem cerimônia.

Ficaram assim por um tempo, até Samy e George voltarem a lhes fazer companhia, quando, então, ele ficou apenas com o braço ao redor dos ombros dela, que deitava no ombro dele de vez em quando para manter o ar de casal.

Ele estava muito feliz e ostentava um sorriso bobo, e ela estava se sentindo a pessoa mais confusa da face da Terra.

Samantha olhava para os dois enquanto os quatro conversavam, tentando identificar o que tinha mudado naqueles poucos minutos que ela tinha permanecido afastada. Afinal de contas, fingir carinhos não deixa um cara rindo como um pateta e uma garota com a cabeça no mundo da lua.

Foi George, sendo mais sábio que a maioria das pessoas, ao fazer suas gozações, quem perguntou: “Agora que começou o casamento de verdade, quando vocês vão fazer bebês, hein?”

No trajeto da festa para o apartamento em que viviam, Viviam e Gabriel ainda trocaram alguns beijos. Quando ela sentiu que ele a apertava mais, no entanto, afastou-o com cuidado.

“Gabriel, babe, calma. A gente tá no carro... temos companhia.” Disse, a última parte meio cantada.

“Desculpe, Sr. Zokner.” Ele se afastou, sem jeito, vendo um pequeno sorriso no rosto do motorista.

“Não há do que se desculpar, senhor.” O motorista, na verdade, estava até feliz de ver o casal interagindo mais do que nos outros dias.

Apesar de ter parado de agarrar Viviam e de beijá-la com desejo, Gabriel continuou fazendo carinho nela, em seu rosto, pescoço, nos cabelos, procurando pelo olhar dela, que era uma grande incógnita no momento, sorrindo, dando beijinhos mais comportados nos lábios, na face, brincando de arrastar o nariz atrás da orelha dela.

Ela estava gostando. Aliás, ela estava adorando! Além disso, a presença do motorista que, por ser quase da família, em razão do número de anos que tinha servido a falecida Rachel, precisava achar que o casamento era verdadeiro, impedia que ela o interrompesse completamente, e tivessem uma conversa séria sobre o que estava acontecendo.

Quando ficaram, finalmente, sozinhos, porém, a atitude dela mudou. Assim que ele tentou abraçá-la e beijá-la, dentro do elevador, ouviu o seu protesto inesperado.

“Não, Gabriel.” Pediu, com a voz doce, mas decidida. “Por favor, não.”

“Por que não?”

“A gente só se beijou por causa das desconfianças dos outros...”

“Você vai ter coragem de me dizer que não gostou... Que não queria?” Falou, sorrindo, meio debochado, meio frustrado.

“Espera.” Eles não podiam ter aquele tipo de conversa no corredor do prédio, então ela esperou que os dois estivessem na sala de estar da grande cobertura. “Eu gostei, sim. E eu... Parte de mim... Queria. Mas... A gente não pode levar isso adiante. Eu... Eu não posso me envolver com você, Gabriel.”

“Boa noite, Viviam.” Foi saindo, frustrado, cabeça baixa. Ele a queria demais, mas o que poderia fazer? Que argumentos usar?

“Gabriel... Por favor...” Ela também se sentia derrotada, frustrada. Ela queria ceder, ficar com ele, transar com ele ali mesmo. No sofá da sala, no carpete macio, onde mais ele quisesse. Queria se entregar completamente, mas sabia que não conseguiria entregar seu corpo sem que ele levasse junto seu coração. Temia um dano irreparável.

“O que você quer, Viviam? O que você quer?” Não gritou, mas subiu o tom da voz, dando ênfase às palavras.

“Eu quero que a gente converse... Como adultos, como... Amigos.”

“Não tem nada pra gente conversar. Você me pediu pra não fazer nada, pra fingir que eu não quero você. Então, eu to fazendo a única coisa que eu posso fazer... Eu to indo pra droga do meu quarto.”

“Eu não queria que ficasse um clima ruim entre a gente.” Ela enterrou o rosto nas mãos, sentada no sofá, com o cotovelo no colo.

“Tá tudo bem, Vivi.” Foram as últimas palavras dele, não mais irritadas, apenas com um certo ar de tristeza. Ele foi para seu quarto e, alguns minutos depois, ela rumou para sua própria suíte, que deveria ser a do casal.

Não se tocou mais no assunto e ambos contaram com seu talento artístico para voltar imediatamente ao clima de amizade, como se nada tivesse sucedido.

Gabriel, que iria estrear no teatro em algumas semanas, descobriu que haveria uma festa de comemoração, na primeira noite de espetáculo. Ficou se questionando sobre como seria dividir com ela sua felicidade, seu sucesso, sem poder agir naturalmente, abraçar, se tivesse vontade, beijar e fazer carinho em quem todo mundo acreditava ser a esposa dele. Manter o clima amigável era necessário, mas nesse tipo de ocasião era quase impossível.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo