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Capítulo 3

16 de março de 2006

As cortinas foram abertas, deixando que os primeiros raios de sol penetrassem seu quarto. Um resmungo e os chocolates que se abriram.

Ohayou, mademoiselle1 – Aiko disse formalmente. – O café está servido.

Que horas são? – indagou sonolenta.

Sete, senhorita. – Inclinou-se para ela, respeitosamente, enquanto Aine vestia o robe. – Ele pediu que o acompanhasse na refeição.

Entendo... – Sorriu-lhe complacente. – Descerei em um minuto.

Escovou os cabelos, assim que o mordomo a deixou a sós, apesar de ainda aparentar um emaranhado de fios amassados. Não estava acostumada a fazer aquilo sozinha. Bufou, irritada por vestir o jeans do dia anterior e blusa branca de gola alta. Tinha agido num impulso, usara o cartão de crédito para comprar a passagem quando descobrira que Heilel já tinha partido de Kioto. E só dera a sorte de chegar antes dele no escritório, porque provavelmente ele havia passado em casa e trocado de roupas. Não havia trazido nada consigo além de maquiagem, um pouco de dólares e sua coragem.

Ponderou alguns instantes, colocando o bastão de sombra rosa e o lápis preto sobre o tampo da penteadeira, rolando-os de um lado para o outro com as pontas dos dedos, indecisa. Não estaria cedo demais para se maquiar? Fitou-se no espelho. Voltara a ser a adolescente de sempre. Colou a testa ao mármore, vencida. Tinha que se conformar que acordaria assim todas as manhãs, mesmo que quisesse aparentar ser uma mulher, ainda lhe faltava a graça dos anos... O amadurecimento.

Jogou a maquiagem de volta na bolsa, alisou a blusa e, num suspiro, saiu para o corredor. Não foi difícil achar a sala de refeições, o mordomo que a acordara estava à porta.

Arigatô – ela agradeceu quando ele lhe cedeu passagem.

Ohayou, Aine-chan. – Ele lhe sorriu de sua cadeira, à cabeceira da mesa. Ainda que odiasse admitir isso, mesmo quando acordava, Heilel era bonito. Não era como os outros, que parecia se dar conta de que se deitara com uma menina e adoraria apagar aquilo da mente.

Ohayou... – ela respondeu simplesmente, sentando-se longe dele. Gostaria de ainda estar sob o efeito de sua raiva, e enfrentá-lo como havia feito no dia anterior, mas não parecia haver resquícios neles sobre o que acontecera.

Dormiu bem? – Novo sorriso.

Sim, obrigada. – Ela corou involuntariamente. Quantas vezes já haviam feito esta pergunta? Nenhuma. Mas o que estava ponderando? Não dormira efetivamente com ele, e talvez isso nunca acontecesse... Afinal ele era igual a todos os outros. Não era?

Não quer se sentar mais perto? – indagou ao morder o croissant. – Quase não a ouço.

Estou bem, aqui – retrucou sem fitá-lo, servindo-se de uma fatia grossa de mamão.

Eu irei acompanhá-la a algumas lojas...

Para quê?

Irá vestir esse jeans por um mês? – ironizou ao levar o copo de suco aos lábios.

Se isso não o incomodar – rebateu seca.

Incomoda-me. – Bebeu o suco de laranja. – Meninas devem se vestir como as adolescentes que são.

Foi a vez de ela sorrir enviesado.

Não vou pôr laços ou qualquer outro fetiche que venha a sua cabeça.

O olhar azul dele que a atingiu num segundo, fazendo-a encará-lo ao saber-se intimidada.

Só os terei quando a ver numa roupa de escola, fique tranquila.

Os chocolates alargados na resposta alfinetada dele.

Pervertido! – murmurou baixo.

Ele voltou a sorrir, recostando-se no espaldar almofadado da cadeira.

Acredite, se eu tivesse esse tipo de interesse, não a teria deixado dormir sozinha... – Fitou a nova surpresa dela. – Agora coma ou vou me atrasar à reunião.

Em silêncio, ela o obedeceu.

***

17 de março de 2006

Ela fechou os últimos botões do uniforme vinho, deixando os cabelos presos apenas por um arco da mesma cor em sua cabeça. Estava em cima da hora para o primeiro dia de escola. De alguma forma, que ela não gostaria de saber qual, Heilel conseguira sua transferência em apenas três dias. Agora ela estava ali, rezando para que ele já tivesse saído para o trabalho e não precisasse passar pelo constrangimento de se apresentar assim ao seu futuro marido.

Sorrateira, ela esgueirou-se pelo corredor vazio, abrindo vagarosamente a porta da frente para que nenhum ruído a delatasse.

Vai aonde? – O sopro entre seus cabelos e a porta que foi impedida de seguir o movimento pela mão dele. O arrepio em sua espinha que fez suas pernas bambearem e seus dedos agarrem com força a alça da pasta preta, incapaz de dar um passo ou voltar-se para vê-lo.

À escola – respondeu sem fitá-lo, fechando os chocolates. – Estou atrasada...

A porta que ele abriu completamente, sugerindo gentilmente entre os fios pretos dela:

Vamos. Eu lhe dou uma carona... – Passou por ela, como se não se importasse com o uniforme.

Os minutos ela demorou a segui-lo, imaginando quanto tempo mais ele ainda precisaria para se dar conta de que estaria de uniforme e que ele tinha dito que seria pervertido quando a visse assim... Mas ela não queria isso, não é?

Ficará parada aí, Aine-chan? – ele indagou da limousine.

Os azuis que estavam nela, fazendo-a corar e se apressar.

Gomen.2.. – ela disse ao se sentar ao seu lado, evitando encará-lo. Seu coração aos pulos.

As batidas que ele podia ouvir, como demônio que era. O pensamento dela, que para ele era desconhecido, ao contrário de muitos. Para Heilel, a mente de Aine era um mistério. Mesmo quando a tocava, havia o vazio que não deveria existir. Afinal, para um demônio, almas não têm segredos.

As palavras que ele resolveu não proferir, já que sempre terminavam em brigas, durante o trajeto até a escola dela. A limousine parou na porta da escola, deixando a menina.

Você ficou bem de uniforme – ele murmurou quando ela saiu do seu lado e ganhou a calçada.

O rosto que ela voltou, surpreso para ele, em chocolates brilhantes.

O que disse?

Que deve se empenhar nos estudos... – dissimulou, colocando os óculos escuros. – Vemo-nos à noite.

A decepção que ele viu surgir no seu semblante enquanto ela baixava o rosto e contrapunha:

Hai.

A limousine que ela acompanhou com olhar até sumir de suas vistas. Aquilo estava ficando difícil e não havia uma semana que estava ali.

***

Chamo-me Miguel e serei o professor substituto de História, temporariamente – o homem louro, de intensos olhos azuis, apresentou-se à classe. Os olhos caindo involuntariamente sobre a menina de cabelos pretos. – Ainda não estou familiarizado como o nome de todos, então se pudessem se apresentar...

Dominique – nomeou a menina ruiva a lado de Aine. A loura que se tornara sua amiga e parecia ter mais palavras do que caberia em sua boca. – 17 anos...

Somente o nome, obrigado – o professor interrompeu-a propositalmente.

Risinhos abafados foram ouvidos por todos os lados, mas um a um, os alunos seguiram se apresentando. O último nome dito, foi o dela, que provocou certo brilho satisfeito nos azuis do professor, que os chocolate não alcançaram. O sinal sentenciou fim do período de aula e os alunos deixaram a sala. Como ordenado, ela se dirigiu à entrada principal, aguardando a limousine que viria buscá-la.

Uma hora de atraso e seus pés doíam muito. Estava a ponto de ir a pé quando o Citröen C4 prata parou a sua frente, e os olhos azuis a fitaram preocupados.

Ainda aqui?

Ela assentiu sem querer falar muito.

Mas a escola já fechou e irá anoitecer em breve – ele ponderou de dentro do carro. – Não pode ficar sozinha na rua...

Eu já estou indo... – ela respondeu, dando um passo para longe do carro.

Onde você mora? – Ele andou com o carro, novamente se colocando ao lado dela.

Próximo a Champ Èlysée.

Então andará muito... – disse sob um sorriso. – Venha, eu lhe dou uma carona.

Ela deixou seus chocolates receosos nos azuis dele.

Está com medo? – Abriu a porta do carona, convidando-a novamente. – Não vou lhe fazer mal, acredite, sou apenas um professor prestando um favor social...

Seus pés latejaram novamente e ela entrou no carro. Os azuis registraram a imponência da mansão e seus jardins, e assim que parou próximo aos portões, numa distância segura da câmera de segurança, dirigiu-se a ela:

Bem, é o fim da linha da para você. – Sorriu-lhe, por segundos os chocolates falsearam nos dele. – Foi uma brincadeira...

Ham? – Ela estreitou o olhar, como se só então entendesse a fala dele. – Eu sei, mesmo assim, obrigada por ter saído de seu caminho e me trazido.

Não foi nada... – Novo sorriso e a brisa correu sobre os fios louros, mexendo-os levemente. – Nos vemos amanhã, no primeiro tempo.

Certo... – Ela virou bruscamente o rosto, incomodada por ter perdido tanto tempo olhando os belos traços dele. – Ja ne3.

Atravessou a rua rapidamente, abraçada a pasta preta, sem notar que se despedira em japonês... Sem notar que os azuis ainda a acompanhavam felizes. Ele acelerou o carro e partiu, cruzando com uma limousine no caminho. Os azuis que a seguiram, numa impressão de seus sentidos.

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1 Bom dia, senhorita

2 Desculpe-me

3 Até já!

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