Início / Fantasia / HANIEL / 4. Coincidências
4. Coincidências

Eduarda amava sua irmã mais nova, no entanto, arrancá-la dos braços de Haniel da forma como ela fizera, deixou-a num mau humor terrível, estava novamente deitada em sua cama, agarrada aos lençóis com os cabelos emaranhados e cheios de bolhas de sabão.

– Ai, sai daqui com isso! – Levantou-se com raiva e correu para o banheiro, deixando sua irmã assustada com a reação repentina.

Ao entrar bateu a porta com tudo, sentou-se no vaso ainda fechado, fechou os olhos e de repente os detalhes do sonho voltaram, correu para o espelho olhando seu rosto, tão diferente do sonho, apenas uma criança de catorze anos.

Olhando seu reflexo no espelho lembrou-se do mesmo nas águas do riacho, lembrou-se do beijo, passou os dedos pelos próprios lábios, fechou os olhos e tentou se lembrar da doçura dos lábios de Haniel.

Abriu a tampa do vaso, sentou-se novamente ainda de roupa, e chegou à primeira conclusão, tinha que admitir isso pra si mesma, estava apaixonada por Haniel.

Talvez fosse apenas pelo Haniel do sonho, mas se fosse então por que seu coração quase saía pela boca cada vez que via o Haniel do mundo real?

Estava apaixonada, só isso, por mais que tivesse tentado evitar, não tinha conseguido escapar. E aqueles sonhos estranhos pioravam a situação mais ainda.

Agora precisava bem mais do que falar com ele, precisava chegar perto dele, tocar seu rosto, abraçá-lo, beijar sua boca, tinha que fazer isso de qualquer maneira ou enlouqueceria!

Apertou os olhos com força, de cabeça baixa em frente ao espelho, com as mãos segurando a pia do banheiro e deixou que as lágrimas lavassem os olhos, não sabia bem por que estava chorando, só sabia que era por Haniel, ele não tinha feito-lhe nada pra magoar lhe, na verdade nem sequer sabia que ela sonhava com ele, mas lidar com tudo isso era muito estranho.

Os sonhos pareciam continuar noite após noite, e dentro deles, ambos tinham plena consciência, da vida aqui fora, era tudo maravilhoso, tudo surreal, até ela própria, então por que chorava?

Decidiu que falar com Andréia era a melhor coisa a se fazer, ela era amiga dele também, talvez se a fizesse jurar por todos os deuses ela não contasse nada pra ele e ainda lhe desse algum conselho sobre o que fazer.

Ou quem sabe Jéssica? Ela tinha experiência com namorados, poderia lhe dizer algo. Primeiro falaria com Andréia, era melhor assim, depois Jéssica.

Na tarde daquele mesmo dia estava ela sentada na cadeira do computador do quarto de Andréia enquanto novamente, ela sentada à cabeceira da cama, de pernas cruzadas sobre o colchão e agarrada à mesma almofada de antes.

Andréia vendo a amiga calada e sem dizer nada, em tal estado de imobilidade que podia ver claramente o reflexo da tela do computador nas lentes dos óculos de Eduarda:

– Vamos lá, Edu, o que te aflige?

– Para com isso, já te disse que não gosto que me chamem assim, parece coisa de homem.

– Ah, qualé vai Duda, vamos lá, o que é que você quer saber do Hanny?

– Como sabe que é disso?

– Deixa de se fazer de besta vai, desembucha.

– Tá bom, olha, eu não queria ter que te dizer isso, juro que não queria, mas tenho que admitir, eu preciso contar isso pra alguém se não eu vou sufocar.

– Deixa eu ver se eu sei, você tá gostando do Hanny?

– Eu acho que sim, na verdade acho que até mais, acho que tô apaixonada por ele, Dé, não sei mais o que fazer, eu chorei sozinha hoje no banheiro de casa.

– Mas chorou por que? Vocês nem conversaram ainda.

– Sei lá, eu tava deprimida.

– Ah, eu tentei te apresentar pra ele, você me mandou dizer pra ele ir pro inferno.

– O que? Era pra ele?

– Claro que era.

– E você não me falou nada! Sua imbecil – apoiou os cotovelos na mesa, em frente ao monitor e começou a chorar imediatamente, ao que Andréia levantou-se e ficou ao lado dela alisando-lhe os cabelos.

– Ei, calmaí, também não precisa de todo esse drama, né? Vai morrer por causa disso?

– Vou, vou morrer sim, peraí... morrer?

– É. Por quê?

– Morrer? Inferno?

– Você não falou pra ele que eu...?

– Falei sim, você mandou.

– Andréia sua... EU VOU MATAR VOCÊ! – colocou-se de pé e começou a bater nela com os punhos fechados.

– Ei sua louca, calmaí, ele nem deu bola pra isso, acha que ele se importou?

– Claro que se importou, se eu fosse ele eu nunca mais olhava na minha cara.

– Acontece que ele “não é” você, sentaí logo e deixa de drama vai.

– Andréia, o que é que eu faço, ele nunca mais vai falar comigo.

– Helloow?! Ele nunca falou com você.

– É, e agora é que não vai falar mesmo.

– Ah, Duda, já disse pra você deixar de drama, mas me responda, o que foi que te deu? Você nem liga pra essas coisas e de repente acorda chorando, louca pra ficar com o Hanny? Que bicho te mordeu?

– Não sei Dé, posso te contar uma coisa?

– Pode não, Deve!

– Acho que é por que eu estou sonhando com ele.

– Hã?

– Eu sonho com ele quase todas as noites.

– Você também?

– Como assim, “eu também”? você também tá sonhando com ele?

– Não, eu não, foi só maneira de falar, mas me diga, como são esses sonhos? – tentou logo desviar a atenção de Eduarda do fora que ela quase tinha dado, entregando Haniel de bandeja.

– Eu já sonhei com ele três vezes e é completamente diferente do que eu já vi em toda minha vida, um lugar maravilhoso, um tal de Bosque da Paz, e o Hanny, aí Andréia, o Haniel tá completamente diferente, ele tá lindo maravilhoso mais do que qualquer um que eu e você já tenhamos visto em todas as nossas vidas, e o beijo dele, eu não sei se beijar é bom assim, mas foi a melhor coisa do mundo.

– Eduarda, me conta isso direito.

Sentou-se a um metro de Eduarda, aos pés da cama, olhando-a uma incredulidade maior a cada palavra que Eduarda dizia.

Enquanto Eduarda contava, ela ia se lembrando do dia anterior, quando Haniel lhe contara os mesmos sonhos, sentado na mesma cadeira, na mesma posição que ela.

– E esse último foi nessa noite?

– Foi, de ontem pra hoje, eu acordei com tanto ódio da minha irmã, ela não tinha que ter me acordado, ‘tava tão bom.

– Caramba Eduarda!

– Eu corri pro banheiro, fiquei chorando lá um século. O que eu faço, Andréia, eu ‘tô apaixonada por ele, eu não queria ficar assim, mas não deu muito pra evitar, eu sei que é perigoso, mas agora já foi, eu amo o Hanny.

– Perigoso por quê? Quem te escuta falar assim até pensa que você vai morrer.

– Mas é verdade, esse negócio de namorar é complicado demais. O que você acha desses sonhos?

– Eduarda, eu... eu te... confesso que... eu nem sei o que dizer.

– Você já viu isso antes? Um sonho continuar em outra noite? E depois em outra noite, e em outra e outra? Já aconteceu isso com você?

– Não. Nunca.

– O que eu faço?

–Duda, seja sincera, você e o Hanny não andaram se encontrando escondido não?

– Claro que não, acha que eu estaria aqui te contando se isso tivesse mesmo acontecido?

– Claro que estaria, por que se não eu matava você, eu sou sua amiga, lembra?

– É por isso que eu te procurei, não tenho coragem de contar isso pra mais ninguém, não sei o que fazer.

Andréia nunca tinha visto nada igual em toda sua vida, nem mesmo em algum filme ou novela, como poderiam duas pessoas terem o mesmo sonho?

Como poderiam esses sonhos continuarem noite após noite? Por que eram tão diferentes nos sonhos? Por que essa beleza quase exagerada de ambos? Deveria ela contar a Eduarda sobre Haniel? Ela nem sabia de nada e já estava quase pirando, e se soubesse então?

Talvez não fosse mesmo uma boa ideia, talvez fosse melhor contar para Haniel primeiro, ele parecia ser mais maduro para esse problema. E o que diria para ela então?

– Eduarda, sinceramente, eu nunca vi esse tipo de coisa, me fala, você não ‘tava assistindo nenhum filme antes de dormir? Pode ser que...

– Não tava, eu sei que é esquisito mas eu não inventei isso, Dé.

– Não tô falando que você inventou, mas é que isso é coisa de cinema, um sonho continuar em outro? Mas olha, vamos esperar, amanhã na escola eu posso te apresentar pra ele, aí vocês conversam e depois disso vamos ver no que rola.

– Promete pra mim?

– Desde que você não mande ele pro inferno de novo.

– Ai nem fala isso, eu quero me enterrar, ele ficou muito bravo?

– Claro que não, eu já te disse, ele fica babando toda vez que você passa por ele.

– É, eu vi como ele fica olhando quando a gente tá junto lá na escola – num lapso de segundo ela muda de envergonhada pra orgulhosa. – mas você acha que ele gosta de mim?

– Acho que sim.

– Por que? Ele já te falou alguma coisa assim?

– Não, mas dá pra perceber, ele fica te elogiando o tempo todo.

– Ai Dé, eu quero ir pra escola, por que é que não tem aula de Domingo?

– Quanta vontade de estudar, em?

– É, estudar o Hanny.

A noite, quando finalmente ficou sozinha decidiu ligar para Haniel, tinha de conversar com ele de qualquer maneira, tinha tido uma tarde incrivelmente difícil tentando disfarçar seu espanto e interesse no sonho, lembrando que Haniel já vinha tendo os mesmo sonhos.

– Alô boa noite, eu posso falar com o Haniel, por favor?

– Só um minuto que eu vou chamá-lo. – Uma voz feminina atendeu, devia ser sua tia ou mãe, já ouvira Haniel comentando que moravam na casa dela.

Mas uma espera interminável depois ele atendeu, o amigo precisava de um celular:

– Alô.

– Alô, Hanny?

– Oi Andréia, sou eu mesmo.

– Caramba, onde você tava, Pólo Norte?

– Eu ‘tava ajudando minha tia com a louça da janta.

– Tá certo, olha, eu preciso muito falar com você, na verdade eu acho que é urgente.

– O que aconteceu?

– A Eduarda veio aqui hoje de tarde.

– Sério? E ela falou alguma coisa de mim?

– Se ela falou? Claro, não me deixou em paz a tarde toda, me enchendo o saco com o drama dela.

– Poxa que legal, mas eu não sei se minha tia deixa eu ir na tua casa agora, já é mais de nove horas.

– Ai Hanny, dá um jeito, a gente estuda de manhã, esqueceu? A Eduarda vai me perturbar o tempo todo.

– Amanhã não tem aula, os professores estão em recesso, você que esqueceu.

– Ai é verdade, mas eu preciso falar com você ainda hoje, eu sei que tá meio tarde já, mas não tem como você vir aqui rapidinho? Não dá pra gente falar isso por telefone.

– Ok, faz assim. Espera um minuto que eu vou pedir dela, se ela deixar eu nem preciso te ligar mais, vou direto praí.

– Tá certo, tô esperando então.

Meia hora depois ele estava sentado na cama com Andréia, completamente impaciente.

– Você estava brincando quando falou que ela te perturbou a tarde toda por minha causa, não é?

– Não totalmente, apenas exagerei um pouquinho.

– Ah, certo – respondeu completamente desanimado.

– Não fique assim, ela gosta de você também, acho que em menos de uma semana você estarão namorando.

– Por que acha isso?

– Porque vocês dois estão iguaizinhos. Um sonhando com o outro, um interessado no outro, mas sim, quero te falar algo importante demais.

– O que foi?

– Lembra daqueles sonhos que você me contou?

– Sim, o que é que tem?

– Você sonhou com ela de novo, de ontem pra hoje, não foi?

– Foi, como sabe disso?

– E nesse outro sonho vocês se beijaram, não foi?

– Como é que você sabe?

– Espera aí, vocês andaram de mãos dadas, ela reclamou por que você não conta nada pra ela e na escola vocês mal se vêem, não foi?

– Andréia! Como é que você sabe disso?

– Sabendo.

– Sabendo nada, eu não contei isso a ninguém!

– Haniel, não sei como te explicar isso meu amigo, mas ela tá tendo os mesmos sonhos que você!

– Que?! - Colocou-se de pé repentinamente – como assim?

– Sei lá, ela tá sonhando as mesmas coisas que você, ao mesmo tempo. Ela me contou tudo hoje de tarde, e se você não tivesse me contado nada dos seus sonhos eu nem ia perceber isso.

– Não pode ser Andréia.

– Não pode?

– Claro que não.

– Então como é que eu sei disso se você ainda não me contou?

– Sei lá, você deve ser alguma bruxa.

– Bruxa é sua mãe, seu idiota – e jogou a almofada nele.

– Andréia, isso é... é... sei lá, impossível.

– Impossível é sim, mas como você me explica então os sonhos continuarem noite após noite.

– Ela também tá tendo isso?

– Exatamente como você, com todos os detalhes.

– Andréia? O que é isso?

– Hanny.  Eu quero te pedir um favor, amigo.

– Qual?

– Na verdade, é mais do que um favor, quero que você me prometa uma coisa.

– Fala.

– Você vai me contar todas as vezes que você sonhar com ela.

– Não sei se posso te prometer isso.

– Por favor, Hanny.

– Andréia, eu ainda estou tentando entender muita coisa da minha vida, tenho umas lembranças muito estranhas, como se eu tivesse alguma coisa importante pra fazer.

– Tem alguma coisa a ver com o fatos de vocês dois serem assim... tão... diferentes?

– Acredito que sim.

– Ha... Ha... Haniel? Por acaso você é alguma espécie de... de...

– De... ?

– Anjo?

– Por que acha isso?

– Por que é o que tá parecendo.

– Olha...

– Mas você é?

– Claro que não, se fosse acha que eu não saberia?

– Se fosse você não me contaria.

– Aí depende.

– Depende do quê?

– Depende se eu ia ter permissão pra isso.

– Ah, sei, entendo, eu sei como são essas paradas.

– Pois é.

– Mas e aí? E se você fosse?

– E o que é que tem?

– Ah, sei lá, vocês não iam poder ficar juntos.

– É verdade, mas se você está me vendo e falando comigo, então podemos ter certeza de que não é nada disso, não é?

– É, mas e se de repente assim você não tenha permissão pra me contar, como você falou e tá me falando que não é só pra me esconder?

– Andréia, primeiro que anjo não mente...

– Ah mente sim, e os demônios?

– Tá bom, você acha então que eu sou um demônio?

– CLARO QUE NÃO! Tá louco é?

– Então suponhamos que eu fosse um anjo, se não fosse um demônio só poderia ser um anjo bom, concorda? Não existe meio termo.

– É, parece justo.

– E outra, se eu fosse mesmo um anjo, acha que se eu não pudesse mesmo te contar, eu deixaria isso assim tão óbvio? A ponto de num simples sonho alguém deduzir tudo?

– É.

– Então o que me diz?

– Então esquece todo esse papo furado, acho que foi mesmo só coincidência.

– Também acho.

– Mas e aí?

– E aí o quê?

– Ora essa, e aí o quê, e minha amiguinha? Ela tá amarradona em você.

– Poxa, Andréia, eu também tô nela.

– Será que rola alguma coisa mesmo?

– Se depender dela, rola?

– Rola sim, e de você?

– Com certeza.

– Então deixa o resto comigo, vou apresentar vocês dois amanhã.

– Eu preciso ir.

– Tudo bem, tô preocupada com você.

– Esquenta não, eu vou correndo, em menos de vinte minutos chego em casa.

– Então tá, a gente se vê amanhã.

Tão logo saiu da casa de Andréia, apressou o passo de volta pra casa, afinal já era mais de dez horas e aquela parte do bairro era perigosa à noite.

Correu até a esquina, subiu a ladeira, desceu uma escadaria de uns cinquenta degraus, entrou por uma viela estreita e saiu em outra rua mais larga, ao sair da viela estreita, um rapaz magro e alto, usando roupas largas começou a segui-lo.

Haniel assustou-se, tentou correr mas o rapaz foi mais rápido, alcançou-o, colocando-se à sua frente:

– Aí play boy, tá correndo de mim por que, ô maluco?

– Por nada, só tenho pressa de chegar em casa.

– Pressa por que, Mané? Vai tirar o pai da forca?

– Essa parte do bairro é perigosa a noite, não é bom andar por aqui a essa hora.

– Ei Mané – afastou-se dele cerca de um metro, olhando-o de cima abaixo – gostei do pisante, hein?

– Desculpe amigo, mas eu tenho mesmo que ir, já é tarde e minha família está me esperando.

– ‘Cê tá me tirando, é? Não sou teu amigo não, Ô play boy, e vai tirando logo esse pisante aí se não quiser ser furado.

– Por favor.

– Anda logo, rapá – puxou uma faca curta da cintura, mostrou à Haniel – tá vendo isso aqui? Vai entrar no teu bucho se não tirar o pisante agora.

– Desculpe, mas não vai dar mesmo – tentou correr, mas o rapaz agarrou-o pelo braço, empurrou-o de encontro a um poste e enfiou a lâmina prateada de uma única vez no ventre de Haniel.

Percebendo os olhos arregalados da vítima, o rapaz tirou a lâmina e tornou a enfiá-la mais duas vezes.

Haniel cai no chão com as duas mãos na barriga, os dedos ensanguentados, o rapaz tira-lhe o tênis, a carteira e o relógio e sai correndo pela noite, deixando Haniel debatendo-se em dor e sangue jogado na calçada.

Apesar da dor lascinante em seu abdome, ele nota que não está sozinho, sua cabeça repousava sobre o colo de uma garota clara de cabelos vermelhos que sorria pra ele.

– Aguente firme meu irmão, em breve nos veremos.

– Quem... quem é... você?

– Em breve nos veremos. – Foi a última coisa que conseguiu ouvir antes de tudo ficar escuro.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo