Prólogo II

▪︎▪︎ Miguel

Neste dia, completava-se um ano  desde a queda de meus irmãos e todos os que os seguiram. A rotina no Paraíso mudou muito, pois todas as funções que antes eu dividia com eles, agora, recaiam por sobre meus ombros e por mais que parte de mim estivesse um tanto feliz por ocupar uma posição de tanto poder mediante a querubins , serafins e derivados, outra parte se viu frustrada pois agora, todos os olhos estavam em mim, tudo dependia de mim e meus verdadeiros planos foram totalmente aniquilados e digamos que daqui pra frente, a minha sorte dependia do desfecho da guerra que silenciosa era travada na Terra.

Era sempre dia neste reino, a luz era forte mas não incomodava olhos celestiais. Entrei elegantemente na imensa sala do trono. Todo o lugar era de mármore branco adornado de ouro puro. Havia pilastras nas quatro extremidades e o chão era de um piso que mais parecia um espelho. Um longo tapete dourado se estendia da porta de entrada até o trono celestial onde ele se sentava, era dourado e ao redor, duas asas brancas se erguiam lindamente, mas mais brancas e brilhantes do que as minhas ou de qualquer outro.

Nosso Rei em sua forma angelical, a única que conseguia usar ultimamente, tinha pele negra, olhos prateados e seus cabelos eram longas tranças escuras pendidas em seus ombros fortes. Esta era sua forma atual mas em seu ápice, ele podia usar a fisionomia que quisesse. Digamos que agora ele estava preso em seu natural. Usava vestimentas que arrastavam ao chão, longas, nas cores vermelho e dourado. Sua expressão era especialmente tediosa naquele dia, não sei dizer se ele se sentia impotente ou temia continuar recebendo cobranças quanto a um posicionamento mais firme, afinal, eu era o únicos nos céus que sabia de sua limitação.

- Me traga notícias da Terra ..- Ele disse, apoiando o cotovelo no encosto e o dedo indicador me seu queixo , dando um longo suspiro - Como estão os seus irmãos?

- Lúcifer ainda usa Theliel como marionete, acredito que não haja mais nada vivo naquele corpo exceto a essência maligna do Rei do Inferno, ele dobra Rafael facilmente, o senhor sabe que o estrategista da Tríade sempre fui eu, Gabriel era a ira e Rafael, apenas a ponderação  e isso não é o bastante naquele contexto.

- Lúcifer é cruel mas não é burro, aliás , nunca foi , ele foi o primeiro a cair e levou consigo mais do que poderíamos pagar. Ele é uma ameaça constante, uma sombra que por mais que nos assuste, sempre está aqui...

..soprando em nossas costas e quanto a Rafael, ele é movido pela culpa apenas , passa mais tempo com pena de si mesmo do que de fato sendo um líder - O rei se endireitou no trono , cerrou os olhos.

- O fato é que a fraqueza de Rafael como líder os expõe a derrota e assim, os humanos, por consequência - Neguei com a cabeça - Se Lúcifer ocupar este território, com o senhor neste estado....

- Eu sei o que pode acontecer! - Ele esbraveja.

- Bom, ele está empenhado, enviou tropas do inferno para auxiliarem os Rebeldes, liderados por um demônio chamado Valak , enquanto Rafael foca em manter a guerra longe dos humanos, como um dique contendo a correnteza.

- E quanto a Gabriel? Onde ele está? - Havia uma certa preocupação nos olhos do Altíssimo, todos nos céus sabiam que apesar de minha posição, Gabriel sempre esteve acima de mim no coração de nosso pai, talvez por serem semelhantes ou sabe-se lá por quê. O fato , é que ele se arrependia da punição que havia dado ao filho querido mas sabia que não podia voltar atrás. Isso era tão injusto comigo.

- Gabriel está num reino isolado chamado Emoed , uma ilha longe o bastante de tudo , ele está sofrendo como um condenado, ao mesmo tempo em que não passa de um andarilho , demônios o caçam a mando de Lúcifer . É como se no fundo ele já tivesse tudo isso preparado.- Neguei com a cabeça e dei de ombros - Bom, de qualquer forma, Gabriel vai acabar morto mesmo então, não será problema.

- O quê?! - O Rei finalmente se levantou do trono e desceu as escadas demonstrando raiva ao invés de uma expressão apática - Se eu quisesse Gabriel morto, eu o teria matado naquele dia!

- Eu também não o quero morto tanto quanto você! - Usei um tom mais incisivo - Mas o destino dele só depende dele agora, isso faz parte da redenção.

- De qualquer forma, você tem razão, sinto que Lúcifer, de uma forma ou de outra iniciaria essa confusão, precisamos garantir que Rafael vença - Deu um longo suspiro- Mande reforços e armas, ele precisará.

- Isso seria como admiti-lo novamente , depois de tudo que ele fez! - Desta vez, eu esbravejei, quanta fraqueza!

- Eu sou um ser bem literal, apesar da maioria das pessoas sempre me colocarem de outro modo - Ele caminhou a minha volta - Se eu quero algo, eu faço ou digo exatamente como é meu desejo, não floreio, entendeu? Apenas faça o seu trabalho - Olhou pra mim por sobre o ombro.

¨ Ele daria os céus de bandeja para os dois, o traidor e o frouxo! ¨- Não contive meus pensamentos, mas tinha que manter minhas inquietações para mim mesmo.

- Ah e outro detalhe, Majestade - Disse antes de sair - Gabriel e Rafael, ambos estão enfeitiçados por mulheres humanas, um por uma Lady de Emoed e o outro, uma curandeira que salvou de um demônio - Havia desdém em meu olhar- Nada que seja relevante em nossos problemas mas é bom saber onde os dois estão com a cabeça.

- Como não? - Ele me olhou surpreso, com um sorriso de lado - Oh Miguel, conhece tão pouco da própria natureza.....e o que ela proporciona - Se aproximou demonstrando empolgação- Apaixonado por uma humana, Gabriel cruzará o caminho necessário muito mais rápido! Enquanto que Rafael encontrará uma motivação maior para lutar, isso é tudo que precisávamos.

- Que diferença faz a velocidade em que Gabriel cruza este caminho? - Eu pensei em uma resposta mas seria horrível apenas de imaginar.

- Possibilidades, meu caro...possibilidades - Ele segurou em meus ombros e meu medo, parecia concretizado.

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▪︎▪︎ Gabriel

Desde meu banimento, não conheci nada além de sentimentos como culpa, raiva, ira profunda, desespero, medo e uma dor lancinante na alma, algo que em séculos de existência, eu jamais experimentei.

Daquele fatídico dia em diante, eu vaguei sem rumo , negando a realidade , agindo como se ainda fosse o Segundo General das Legiões Celestiais , um dos Príncipes dos Céus, um Rei em ascensão e só aceitei que não o era mais, quando me vi espancado por humanos, de cara na merda, com frio e fome e pior, por culpa minha, pois eu havia agido como quem não era e os tratei com desprezo. Ali, senti o cheiro da derrota e nunca mais senti nada diferente.

Minha fisionomia mudou neste tempo , em meu rosto a barba preenchia, meus cabelos desgrenhados assim como minhas vestes, eu me tornei um andarilho de cidade em cidade e em meio à minha miséria, eu comecei a ser confrontado por uma realidade a minha volta que eu nunca imaginei. É muito diferente quando se olha para os humanos de cima e quando se está lado a lado com eles. Eu era caçado por demônios e para despistá-los, eu tinha de ir para longe.

Eu conheci a dor, a miséria mas também conheci almas bondosas que me deram de comer, de beber e palavras de conforto que eu nunca imaginei que precisaria. Almas que teriam sido aniquiladas por mim com facilidade se eu não tivesse sido parado. Atualmente, entendo meu banimento como algo necessário, ao notar o quanto eu estava errado no que determinei. E tive certeza disso quando a conheci...

Eu havia acabado de chegar na ilha de Emoed, um reino isolado repleto de riquezas e mistérios próprios. Lugar de costumes rígidos de um povo que segue os preceitos religiosos distorcidos  ao pé da letra, onde certamente eu encontraria o que havia de pior dentre os homens e caberia a mim desenvolver mais ainda o meu discernimento.

Meus pés não queriam mais andar tanto quando ali cheguei, então acabei arranjando um emprego como cavalariço na propriedade dos Ilyrios, uma família de ricos comerciantes. O pai era Lorde Kayfar, um homem extremamente arrogante, cruel e rígido com sua família. Um ser  nobre e intimidador por natureza, tinha grande olhos negros, pele levemente enrugada e marcada pela guerra , seus cabelos eram escuros e mantidos baixos mas já havia mexas grisalhas. Seu rosto era tão rígido quanto sua postura e era adornado com uma barba por fazer. Era casado com uma mulher anos mais jovem chamada Ellyanor, o que ela tinha de bonita, tinha de visivelmente cansada e bondosa, tinha cabelos cacheados castanho-avermelhado que ela sempre trazia preso em um coque. tinha olhos verde- escuro, pele de porcelana , traços e olhar gentil. Era uma mãe amorosa que dava aos 5 filhos tudo que o marido não dava. E quanto aos filhos, bom, três homens e duas mulheres, dentre elas, a mais velha, se chamava Serena e era a mais próxima a mãe....

Serena era linda , gentil e muito corajosa. Tinha longos cabelos escuros e cacheados, olhos verdes, lábios delineados, um nariz levemente proeminente, bochechas altas , sobrancelhas finas e rosto oval. Tinha um corpo bem desenvolvido e adorava usar vestidos em tons de azul, verde e vermelho. Ela foi a primeira da família  vir até mim quando cheguei na propriedade situada perto de um Vale. Eu estava fazendo meu trabalho quando ouvi aquela voz doce. Quando me virei para ela, por breves segundos pensei estar de volta ao Paraíso.

E de certa forma, eu estive nele dali por diante....

Serena não tinha permissão para muita coisa, assim como nenhuma mulher em Emoed. O destino dela já estava traçado, prometida a um homem mais velho com fama de ser cruel mas ela jamais aceitaria, mesmo que a escolha não fosse dela. E ao se envolver comigo, mesmo que secretamente, ela experimentou uma sensação de liberdade e era só o que eu poderia proporcionar a ela , infelizmente.

Nunca pensei que me tornaria um tolo apaixonado, que esqueceria de minha redenção e da guerra. De um lado, os demônios no meu encalço e no outro, a família de Serena que também nos caçaria até o inferno. O que eu poderia fazer?

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