A Caçada - Parte III

** Azazel

Eu não estava derrotado, mas não podia contra um arcanjo em seu ápice, não sozinho e sem meus subordinados, então, eu tinha que buscar reforços.

O esconderijo dos Rebeldes ficava em uma fortaleza que haviam tomado em algum reino gelado cujo nome não importa. Era um lugar isolado, de clima invernoso, escondido dos olhos celestiais, de onde vinham as ordens de Theliel, a Corpo do Rei.

Assim que cheguei, fui levado até ele em sua sala do trono. Era apenas um salão comum com uma cadeira de madeira com alguns poucos adornos. Theliel, anteriormente, era conhecido como o Arcanjo -Menino, por conta de suas feições joviais e ser de fato o mais jovem e gentil dentre os sete que caíram com Gabriel....e porquê não dizer, o mais fraco dentre eles ou seria o mais forte? Agora, ele parecia bem menos bonito do que antes. Sua pele estava  rugosa, seus olhos caídos e estáticos, os lábios arroxeados e os cabelos caíram por completo. Ele não tinha mais asas e nem se quer se levantava dali. Mas apesar da aparência cadavérica, quem falava pela boca dele sim causava calafrios e era responsável por mantê-lo na posição de maior poder neste lado da guerra.

Ao lado do Rei, estava o mais temido de seus generais. Uma mulher , uma nephilim de origem misteriosa. Seu nome era Lucena e o que se sabia sobre ela até então é que sua mãe era um anjo de patente baixa que fez parte de um pequeno grupo de anjos caídos que fugiram do inferno  a muito tempo antes da guerra e que se abstiveram de escolher um lado (céu e inferno). Este grupo se dividiu em dois, um migrou para o leste do mundo e outro, se misturou aos humanos , querendo apenas viver uma vida comum à medida do possível. Bom, mas parece que a filha renegou o legado da mãe. Era uma bela mulher, alta, magra mas com porte de guerreira, longos cabelos negros e completamente lisos  que mantinha trançados no estilo viking, afinal parece que ela viveu na Escandinávia.  Seus olhos penetrantes em tom de azul tinham um delineado proporcionado pelos cílios grossos e sobrancelhas finas, que lhe dava olhos de boneca . Usava couro em cor preta ao invés de sedas e trazia uma espada embainhada. Como uma nephilim chegou tão alto? Bom, ela tinha liderança nada, chegou com mais de mil guerreiros rebeldes  sob seu comando e tinha habilidades únicas. 

— Estou profundamente irritado com você,  Azazel, de modo que a simples presença de sua pessoa me dá vontade de esquartejar alguém - Ele disse, a diferença no timbre da voz era notável.

— Eu sinto muito, meu Rei - Me mantive de joelhos- Gabriel foi salvo por Rafael, eu nem desconfiei que ele estava em nosso encalço.

— Parece que o Comandante inimigo não é tão fraco como supúnhamos, Majestade - Lucena se dirige ao Rei.

— Você sabe da importância de matar Gabriel, não sabe? - Lúcifer/Theliel cerra os olhos, usando de ironia- Eu estou preso no inferno, eu, e todas as minhas grandes legiões, o Altíssimo usou o último resquício de seu poder pra isso e agora, tenho que me manter nesta casca podre pra poder lutar a guerra e depender de incompetentes iguais a você!

— A presença de Rafael na luta só mostra o quanto é falho..- Lucena desceu até mim- Só mostra que você não perdeu apenas a chance de matar o Rei em Ascensão como seu Comandante mais leal e aparentemente, o mais influente. 

— Mas a viagem não foi totalmente em vão , General - Me ergui, olhando nos olhos dela, rebatendo sua ofensa - Eu sei como atingir o coração de Gabriel.

— É ? E como seria? - Uma quarta voz rompe o silêncio , entrando logo atrás de mim.

Era Valak, o Líder do Exército, a figura de maior poder ali abaixo do próprio Theliel, e a mais desprezível até para nossa própria espécie .Em forma humana, é um homem alto de porte robusto mas elegante. Era dono de longos cabelos ruivos que mantinha presos de modo desgrenhados, tinha um rosto desproporcional e amedrontador, olhos vermelhos, lábios finos, nariz grande , mas isto, mesclado com sua postura extremamente confiante, só o deixava mais  repulsivo e intimidador - Perdão pelo atraso, Majestade, General...e Azazel. 

— Atacaremos a casa onde Gabriel esteve, onde vive a mulher por quem ele se apaixonou - Afirmei com convicção, ignorando-o.

— Que original - Valak coloca as mãos para trás, olhando para mim- Sinceramente, Azazel, eu sempre ouvi falar tanto de você ...pra um Lorde Demônio , você surpreende pouco.

— Mais original do que o demônio de patente baixa que matou um dos Lordes e assumiu seu posto, impossível - Sorri com a mesma ironia, afinal, todos sabiam que ele havia assassinado Abaddon e tomado seus domínios e suas legiões, mas havia sido mandado pra esta missão na Terra com poucos guerreiros, comparado ao que tinha, pois até Lúcifer desconfia dele.

— Tem alguma ideia melhor, Valak? - Lucena cruza os braços, encarando Valak com certo desdém.

— E você tem? - Ele a olhou com certo desprezo - Não se engane , você é apenas uma nephilim.

— Ah como vocês são entediantes! - Theliel/ Lúcifer pragueja, batendo as mãos no trono - O inimigo está do lado de fora, Valak, poupe suas forças! Estamos muito perto!

— E quanto a Gabriel? - O ruivo questiona- Porque perder tanto tempo correndo atrás de um humano e sua prostituta?

— Por que ele é e sempre foi um Rei em ascensão - Lúcifer afirma - Não me interessa como farão, apenas aniquilem Gabriel e Rafael, pois cortando a cabeça, a serpente morre. 

A irritabilidade entre Valak e Lucena era mais nítida que a luz do Sol. Valak  infernizava Lucena  e a queria pra si como mulher  mas todos sabiam que Lucena preferia o sexo semelhante descaradamente  e mesmo que não gostasse de mulher , tenho certeza de que ela preferiria se deitar com um cavalo do que com Valak. Se bem que, quem poderia culpá-la?

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** Gabriel

Acordei de um sonho ruim que no fundo eu sabia que havia sido real. Eu estava agora deitado em uma cama mais confortável do que o colchão de palha onde dormi na propriedade dos Ylírios. Meu corpo estava anestesiado, leve e pesado ao mesmo tempo. Ao me sentar como dificuldade , olhei em volta, vi que as paredes eram simples, assim como os móveis, apenas uma mesinha num canto e uma penteadeira feminina improvisada. 

— Bom dia, flor do dia - A voz de Rafael se fez presente , vinda de um canto onde eu não tinha olhado. Ele usava roupas comuns de plebeu, mas seus traços físicos em nada mudaram - Como está se sentindo, irmão?

— Como se tivesse sido pisoteado por mamutes raivosos - Apertei os olhos ao me encostar, dando um longo suspiro e em seguida, arregalando os olhos - Serena!

— A moça está bem, garanti que voltasse pra casa - Rafael afirma com tranquilidade.

— Não sei se isso é bom ou ruim, meu irmão, sinceramente... - Algo me dizia que as coisas por lá poderiam estar piores do que a guerra em si.

— De qualquer forma, acredito que você  a verá em breve e poderá tirar a dúvida - Ele se levanta- As coisas saíram do controle desde que nos vimos pela última vez.

— Me conte  o que está acontecendo! Demônios andam livremente pelo mundo humano, o que mais eu perdi?

— Depois que você foi condenado e os outros de nós abandonados, Lúcifer tentou influenciar na guerra, mandando um forte contingente para auxiliar os rebeldes e tomou o corpo de Theliel como receptáculo, porém, nosso pai, como ato final, selou Lúcifer e o resto de sua corja dentro do inferno, impedindo-o  de seguir com seus planos. Boa parte deles está aqui,  Valak,  Azazel, dentre uma legião de bestas infernais e demônios de todas as patentes sob o comando do próprio Marquês das Serpentes . Eles agora tem um objetivo, tomar a Terra e libertar ao Rei- Rafael cruza os braços , negando com a cabeça- De qualquer forma, o apocalipse começou.

— Meu Deus! - Coloquei as mãos em volta da cabeça, como eu havia sido tão negligente?- O que foi que eu fiz, Rafael?

— O que foi que nós fizemos, Gabriel....o que nós fizemos - Ele se volta ao meu lado- Eu seguro as pontas como posso mas o nosso Rei é você, sempre será você. 

— Eu comecei isso, Rafael! Não sou Rei, a não ser da catástrofe.

— Começou mas quem sabe um dia não possa concertar? Auto piedade não é característica sua, meu irmão - Suspirou , baixando os olhos- Dois tipos de soldados desceram dos céus conosco aquele dia: os que queriam sangue e os que queriam seguir você. Os sanguinários continuara a matança e os que te seguiram, estão prontos para te seguir novamente! - Se sentou ao meu lado, segurando a minha mão.

— E onde estão os outros do nosso lado?

— Se dissiparam no mundo, ficou muito mais difícil localizá-los aqui.  Os que encontrei, lutam ao meu lado mas não são muitos - Olhou em volta-  Quanto a sua dama, acredito que ela corre perigo, Azazel a viu, sabe o quanto ela vale pra você e as ordens dele, são pra te matar a todo custo.

— Ele vai atacá-los.... - Concluiu, negando com  a cabeça-  Eu  devia ter cortado esse envolvimento  quando começou mas ao me dar conta, já estava rendido como nunca estive antes! E agora, ela está condenada por minha causa, tanto por Azazel, quanto pela própria família! 

— Sei como é esta sensação - Ele sorriu de lado, levemente corado-  Nós dois caímos em tentação, meu caro..- Ele deu uma leve risada na qual tive que acompanhá-lo, mas logo ele estava sério de novo - Ela se chama Lilian, é uma curandeira...não nos vemos muito, ela sabe o que eu sou mas corre tanto perigo quanto se não soubesse. E o pior, meu irmão..- Ele olhou para mim.

— O que tem de pior, pelo amor de Deus?!

— Nossas tropas procriaram com os humanos e deram origem a um verdadeiro surto de mulheres humanas e celestiais esperando por nephilins que em breve nascerão. E ainda pior ...uma praga se alastra pelo continente onde estamos , Valak a dispensou,  o fato é que está dizimando dezenas de vidas , os humanos a estão chamando de A Peste Negra - Olhou fundo em meus olhos, enquanto segurava na minha nuca- Por isso, meu caro, nem eu e nem você temos espaço pra viver os sonhos que queremos, se amamos as mulheres que estão em nossos corações, devemos protegê-las e isso nem sempre significa estar com elas.

— Tem toda razão..- Senti meu coração se partir em dois. Entre decidir ir embora por medo e ouvir a verdade de outra pessoa , há um abismo de diferença e senti isso na pele-

— Devemos proteger a família de sua mulher , tirar o alvo das costas deles e depois, procurar..

— Nós? - Questionei o interrompendo  com um sorriso de lado- Podem me considerar o que quiserem mas ainda sou apenas um exilado, não posso fazer nada , Rafael...eu sou só um alguém a mais para proteger...

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Miguel

Estava na sala do Espelho, através do qual eu conseguia assistir aos desfechos que me interessava. Era literalmente um grande espelho emoldurado de ouro, cobrindo uma parede inteira. Eu observava o caos se instaurando na Terra, pragas, ataques de demônios à céu aberto, nossas tropas acuadas, os caídos que viviam escondidos sendo revelados à força.  O inimigo vencia , nós perdíamos . E agora, Gabriel e Rafael juntos novamente, aos poucos tudo voltará a ser como antes. Ou não.

— O mundo que construí com tanto amor , está sendo destruído- O Altíssimo se aproxima de mim com olhar de pesar - Tenho filhos demais, é impossível controlá-los ou puni-los, é preciso deixar que lidem com a vida.

— Aonde está tentando chegar? - O encarei confuso.

— O caos está na Terra, logo não se trata mais de quem está certo ou não, se trata de sobrevivência e pra isso, só há uma coisa a se fazer - Olhou para mim - Tenho uma solução.

Após ouvir a ideia dele; meu coração se encheu de indignação.

— Como é que é?! - Eu não podia acreditar no que estava ouvindo.

— Não me interessa o que você acha, é isso que fará! - Voltou a olhar pro espelho- Sabe que tem muito mais a perder do que a ganhar se tentar me questiona.- Passou por mim- Vai passar as ordens e conduzir Gabriel ao caminho certo, quer queira, quer não. Esse desfecho pertence a ele.

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