Liana
Saí de casa logo cedo nessa segunda-feira, fiz minhas compras como sempre e, ao voltar, vi o dono com uma placa de "aluga-se" na porta: — Por que fez isso sem me avisar antes? Tenho direito a pelo menos um mês para achar outro lugar! Ele respondeu: — Achei que já tivesse saído da casa. Mandei vários e-mails e telefonei várias vezes. Que espécie de ser humano não tem celular em pleno século XXI? Já chega de desculpas, encontrarei alguém que possa me pagar em dia! — A resposta dele fez algumas pessoas que me assistiam ser despejada de casa, rirem. Apesar da frustração, consegui telefonar para uma amiga chamada Marcela, que me permitiu ficar em sua casa até resolver minha situação. Seria difícil me reorganizar, já que aquela era uma das casas mais baratas do bairro e estou sem emprego há quase dois meses. — Não fica assim Liana! As coisas vão se organizar! — Marcela tentava me consolar enquanto seguíamos para a casa dela. Ao longo dos meus trinta e cinco anos de vida, nunca passei por uma situação tão complicada a ponto de ser despejada de casa por falta de pagamento. Chegamos a casa dela, seria o caos conviver com os cinco filhos dela... Isso mesmo: cinco abençoados de idades diferentes e hiperativos! Eu queria ser mãe, antes de perder o único homem que eu amei nessa vida. Fernando era um verdadeiro príncipe de filmes de romance, nos conhecemos quando eu tinha vinte aninhos. Ele era empregado do meu pai quando tínhamos uma papelaria e foi amor a primeira vista, me casei em menos de um ano e tudo parecia perfeito. Até que as coisas ficaram difíceis e ele teve que trabalhar como caminhoneiro, em uma noite eu soube que ele nunca mais voltaria para casa... Nosso amor acabou na BR 153 próximo a uma pequena cidade chamada Paraíso do Tocantins, desde então EU NUNCA MAIS AMEI NINGUÉM! Em todos os sentidos e de todas as formas, não quis filhos e nem sair dessa solidão. Até cheguei a morar fora do país por um ano para trabalhar de empregada em uma casa de família e foi uma experiência ótima, pois aprendi o básico do idioma alemão. Se não fosse o assédio doentio do meu patrão e minha volta para o Brasil e isso tudo aconteceu depois da pandemia… — Desculpa te tirar de seus pensamentos, mas o jantar está pronto! — Estou sem fome Marcela. — Ela se sentou na cama. — Acho que Deus pode ter uma resposta para você bem mais rápido do que pensava. Olhe esse anúncio... Ela me mostrou no celular, havia uma vaga para trabalhar como professora particular de alemão. — Eu não tenho formação no idioma e não sei falar ou escrever com tanta fluência! — Mas sabe falar o básico, leia direito o que diz aqui. Terá que ensinar um menino de oito anos em uma fazenda que fica há umas três horas de viagem e isso resolveria seu problema com a moradia. Não sei se a empolgação dela vinha de me tirar logo da casa, ou se realmente me achava capaz de fazer isso dar certo. — Tem um e-mail para envio de currículo, tente Liana! O filho mais novo de Marcela a chamou, passei algumas horas pensando no que fazer até que pedi a ela que mandasse meus dados e um currículo mentiroso onde afirmo ser fluente. No dia seguinte, assim que ela chegou do trabalho e me encontrou com o almoço pronto... Me disse que haviam respondido com um pedido de entrevista e algumas informações sobre a possível contratação. Sentadas ao redor da mesa enquanto os meninos brigavam e gritavam quase nos deixando loucas, ela dizia: — Eles oferecem um salário de seis mil reais mensais, mais despesas médicas enquanto o contrato estiver em vigência. Além disso, moradia e alimentação! Preveem duração inicial de um ano, mas podem prolongar. — Nem é um salário tão alto assim, para uma pessoa que realmente tem um diploma nessa formação! — Caso confirme, sua ida a entrevista será amanhã às oito da manhã na fazenda! — disse ela, me entregando um papel com a relação de documentos que eu precisaria levar. Na data combinada... tirei as cópias e baixamos um falso diploma na internet, retirei do banco o pouco dinheiro que tinha e peguei um ônibus que me deixaria há algumas horas de lá. Pelo W******p da Marcela combinamos com um senhor que era funcionário da casa, que me buscaria quando eu descesse do ônibus e na hora marcada, ele estava lá. — Bom dia senhora, sou José. Motorista da fazenda Novo Acordo! — Muito prazer! — Apertamos as mãos. Como seria uma viagem relativamente cansativa, independente da resposta que eu teria. Iria pernoitar na fazenda e retornar no dia seguinte, ele me ajudou a levar a mala para o carro e foi muito gentil. Quando chegamos, aquela fazenda parecia o cenário de um filme antigo. Tudo era bonito, mas de uma forma rústica e, ao mesmo tempo, encantadora. — Uau! — Exclamei. — O senhor Bruce nunca gostou muito da vida aqui no campo, mas desde que trouxe o menino tenta deixar esse lugar um pouco mais moderno e sem a cara do velho George. — Ela é a candidata? — perguntou uma senhora sorridente que abriu a porta. — Sim, muito prazer me chamo Liana. Entramos, fiquei observando os quadros na parede e os lindos móveis de madeira. Ela me guiou até o quarto de hóspedes que ficava no andar debaixo. — O patrão deve chegar em algumas horas, descanse e pode me chamar caso precise de algo. — Sim e obrigada! — Ela saiu, fiquei olhando pela janela. O curral que cercava a casa, tudo aquilo parecia ser demais para minha situação atual e eu queria conhecer o menino. Quem sabe se eu o conquistasse, poderiam ignorar as milhares de mentiras que carrego dentro dessa bolsa. Duas horas passaram e nada desse bendito homem chegar, cansada de ficar dentro do quarto eu decidi dar uma volta e saí pela porta dos fundos. Não tive tempo de reagir, apenas ouvi um cachorro latir e quase me derrubar. — Desculpa dona! Ele costuma estranhar algumas pessoas... Quase sem ar, eu respondi: — Tudo bem, eu não devia ter saído da casa. — Como se chama? — Liana! — Prazer, sou Pedro, o capataz da fazenda. Então deve ser a nova professora do menino Théo, ele não para de dizer aos quatro cantos que finamente vai aprender falar alemão. — Ele arrematou com um sorriso, era um homem muito bonito e de barba farta. Eu retribuí a gentileza, sorrindo. — Ainda não fui contratada.LianaUma voz imponente interrompeu...— E nem será, antes de conversarmos! — Aquele era o dono da fazenda, seu olhar em nossa direção foi intimidador. Diferente do outro, ele era meio esnobe e tinha uma postura de rico medíocre. Barba grisalha e cheirava muito bem, além de ter um corpo bem forte.— Mandem buscar o Théo na escola, já está na hora e eu preciso entrevistá-la agora!— Sim senhor, com licença Liana. — Disse o capataz, antes de sair e dar uma última olhada para mim.— Entre, vamos até meu escritório!Subimos as escadas, ele ao menos abriu a porta para mim e indicou uma cadeira.— Já sabe como funcionará o trabalho, duas a três horas diárias de aulas no período da tarde. Meu filho é um bom menino, não costuma dar trabalho para aprender.— Posso fazer uma pergunta? — Minha dúvida o fez finamente parar de olhar meus papéis e olhar o meu rosto.— Diga!— Por que ele deseja aprender alemão? Uma viagem ou...— Não! Nada que importe dizer, faça seu trabalho e seja o mais discret
BruceCheguei em casa e me deparei com Pedro flertando com a candidata que eu entrevistaria. Eu sabia desde sempre, era burrice minha contratar uma mulher para o cargo de professora!Théo tem me enlouquecido com sua obstinação e cada ano que passa eu o controlo menos. Durante toda a minha vida, lutei para que ele nunca descobrisse sobre meu passado, nem o da mãe dele. Mas um dia, um maldito dia, ele me pegou ao telefone com minha mãe e ouviu quando eu disse que sua mãe estava viva, tinha nacionalidade alemã e nunca havia pisado em solo brasileiro. Desde então, ele tem feito de tudo para aprender o idioma, na esperança de encontrá-la.Saí da fazenda ao entardecer, dirigindo meu carro pela estrada de terra que conheço desde criança. O sol se punha ao horizonte, coloquei uma música sertaneja para tocar enquanto avanço na estrada. Elena, adora a vida luxuosa que eu propicio e nunca aceitou viver comigo na fazenda por odiar o mato e vida rural. Ela é bem mais jovem que eu, tendo apenas vin
BruceAcordei do transe que a visão dela me causou e fui para o meu quarto, uma mulher na flor da idade... No alto de sua meia-idade e sem um namorado para apagar aquela fornalha em forma de corpo? Eu não sou de ferro, me vi excitado pela professora que recém contratei e dando total razão ao ciúme de Elena. Tomei um banho, eu deveria estar farto sexualmente porque Elena sempre me deixava sem forças e claro, propositalmente... não sabe ela, que o passado de intensas cenas seguidas me conferiu um desejo insaciável, acabei batendo uma para Liana e gozando deliciosamente ao imaginar um desfecho diferente do nosso encontro na cozinha. Aquele dia havia terminado de uma forma bem diferente dos últimos tempos, Elena e eu estamos juntos há quatro anos e era totalmente novo desejar uma mulher que não fosse uma das parceiras de cena que tive no passado. Deitei na cama, alisei o tecido fino de cetim e adormeci rapidamente. Dia seguinte... Eles estavam se preparando para sair, José ia levar Li
Liana Acabamos chegando muito tarde por causa do bloqueio na estrada, essa nem foi a pior parte... O pior foi constatar o show de ciúmes da mulher dele ao nos ver chegando, sinto que vou enlouquecer de ódio daquelas insinuações. Com que direito ela pensa que tenho algum interesse nesse homem? Eles saíram para discutir bem longe de mim e agradeço, Théo e eu ficamos juntos no quarto dele e o ajudei com as atividades da escola e estudamos algumas cores em alemão. — Faz tempo que Elena e seu pai namoram? — Me arrependi depois da pergunta. — Sim, muito tempo. Eu não gosto dela, é metida e chata! Sorri contidamente, mudei de assunto e mais tarde eu estava sentada na varanda, observando Théo brincar sozinho com um carrinho de brinquedo. O vento balançava meus cabelos, e o silêncio da fazenda só era quebrado pelo som das rodinhas do brinquedo deslizando pelo chão de madeira. Depois de um tempo, senti vontade de puxar assunto novamente com ele. — Théo, o que você mais sente falt
Liana Ele sai colocando a maçã sobre a mesa, fico feliz por conseguir isso. Théo ficará muito feliz e o menino logo aparece com a mochila nas costas...— Tomou seu café da manhã? — pergunto, ajudando-o com as coisas que levaria.— Sim Liana, minha lancheira está pronta! Pode ir comigo e com Pedro até a escola?— Oh meu amor, não posso ir dessa vez... Mas prometo que irei te levar outro dia!— Bom dia, professora! — A voz quase cantada de Pedro nos interrompe, me viro para ele.— Bom dia, Pedro. — Digo, observando-o entrar para tomar um cafe na cozinha.Théo sai em direção à entrada da casa, onde o motorista o esperava para levar à escola. Aproveito o ensejo para sair da cozinha e evitar um pouco os olhares do capataz que me deixaram um pouco desconfortável. As empregadas também pareciam forçar algo entre nós dois e eu quis evitar.Subi e peguei uma bolsa que havia preparado para levar até a cachoeira, perguntei a um dos peões que estavam selando um cavalo:— Bom dia, pode me dizer pa
LianaThéo me emocionou com o cartão, por um momento esqueci a vergonha que passei antes. Não sei como sairei desse quarto após ter entrado na casa seminua!O tempo passa, tento evitar as pessoas da casa e esperar que Bruce volte ao trabalho ou sair de carro para resolver algo fora, mas nada disso acontece e ouço a voz dele pela casa com a mãe.— Liana, o almoço está servido! — Ouço uma das empregadas me chamar, não adianta ficar aqui dentro, cedo ou tarde terei que me explicar.Saí do quarto, Théo me encontrou pelo caminho e disse que queria me apresentar à sua avó. Meu corpo queima, mas ele me leva pela mão até a mulher... Ela parece manter uma expressão serena e eu sei que a minha cara deve estar denunciando o medo que sinto.— Essa é minha avó, Ivone! E ela é a Liana...— Muito prazer, senhora! — digo, engolindo em seco.— Já nos conhecemos há uns minutos, mas foi um encontro meio... Tenso.— O que aconteceu? — Théo pergunta.— Nada de mais, meu amor, vá brincar um pouco que Liana
LianaPenso que estou sendo boba, quem sabe ele possa me dar um pouco de alegria e distrair a mente.— Está bem, mas falarei com Bruce!— Ele vai permitir! Te pego amanhã às oito...— Tá!Um encontro, há tantos anos, não sei o que é isso. Nem quero pensar nesse passeio como algo a dois, quero ver a cidade e conhecer as pessoas daqui. Pedro sai, me deixando sozinha e terminando de arrumar tudo...— É bom ver que sabe qual é seu lugar aqui nessa casa!Era Helena.— Nunca tive dúvidas disso, senhora...Terminei e saí deixando-a por lá. Théo já tinha ido para a cama. Fico feliz que Ivone esteja aqui para dar um pouco de amor materno a ele... Esse menino precisa muito!Saio um pouco, sinto a brisa da noite tocar meu rosto e ouço os animais da fazenda antes de entrar para seguir até meu quarto. Assim que me viro, esbarro em Bruce e ele me toca os braços, alisando-os e me soltando em seguida.— Eu te chamei para conversar mais cedo, mas Helena insistiu em vir e atrapalhou meus planos. — Se
LianaA caminho desse lugar, ainda penso no que descobri sobre George Bruce e isso me deixa inquieta.— Algum problema, Liana? Parece tão pensativa!— Me perdoe Pedro, não quero ser uma má companhia para você essa noite...— Eu preciso ser sincero. Quero me aproximar de você de verdade.As palavras dele me deixam envergonhada, sinto que talvez não devesse ter aceitado vir até aqui. Ele claramente confundiu isso com um interesse que eu não sinto por ele!Chegamos ao lugar, a praça estava lotada e havia muitas barracas vendendo comida para todos os gostos. Pedro me puxa pela mão, parece ter visto algum conhecido.— Boa noite, essa é Liana. Professora do menino Théo na fazenda!— Muito prazer! — era uma senhora bem simpática, nos cumprimentamos com um aperto de mão.— Ela é muito bonita mesmo, você não exagerou nos elogios, filho!Sorrimos, me dei conta de que ela é a mãe dele. Ficamos por perto, crianças correm e começam alguns fogos anunciando o show de uma banda local. Pedro me convid